quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

O que se passou em Guimarães com Marega é estupidez e racismo


A comunicação social deu ampla cobertura ao que se passou no Estádio Dom Afonso Henriques no passado domingo, dia 16 de fevereiro, em relação ao caso em que a claque do Vitória Sport Clube (VSC), de Guimarães, face ao festejo que Marega fez do golo com que desfez o empate com o Futebol Clube do Porto (FCP) em favor deste, desferiu palavras e onomatopeias de teor racista contra o jogador maliano, o que levou ao abandono do relvado por parte do jogador à revelia dos colegas e do árbitro.
Perante a censura generalizada que o episódio provocou, alguns observadores, alinhados com a claque do VSC, apontam o silêncio da comunicação social em relação à atitude do jogador por este alegadamente se ter aproximado da bancada dos adeptos da formação ora perdedora, ter apontado para o seu braço, de cor negra, e ter feito um gesto obsceno.
Entretanto, o jogador maliano disse que abandonou o relvado, pois não aguentou os insultos e entendia que os colegas deviam ter feito o mesmo e acusou o árbitro de não o ter defendido, antes lhe mostrou o cartão amarelo. E, por sua vez, o treinador do FCP referiu que, já na fase de aquecimento, a claque do Vitória de Guimarães se atirava ao jogador naqueles termos.
Comentando o facto, dias depois, Pinto da Costa, presidente do FCP, concluiu pela não manifestação de racismo da parte da claque da formação perdedora, que também possui no seu plantel jogadores de várias etnias e nacionalidades, mas chamou estupidez ao que aconteceu.
É verdade que Pinto da Costa tem razão em parte na sua conclusão de que houve ali estupidez. Com efeito, uma claque duma formação desportiva com atletas de várias etnias e nacionalidades deveria estar a ver-se ao espelho e reparar que tem do seu lado os mesmos valores (certos ou equívocos) que os da formação desportiva que é o objeto das suas atoardas. É óbvio que ninguém gosta de perder e é legítimo mostrar descontentamento, mas sem raiar as malhas do insulto, da indignidade e, neste caso, do racismo.
Não obstante, a existência da estupidez não apaga o fenómeno racista que o episódio patenteou. Chamar macaco, grunhir como macacos ou lançar bananas para dentro do relvado são comportamentos que, além de configurarem insulto e ofensa à dignidade do atingido – como aqueles palavrões e doestos do grosseiro calão com que se presenteiam outros jogadores no futebol, bem como outras entidades, incluindo polícias –, são marcas de racismo, assim reconhecidas pela generalidade dos cidadãos. Tanto assim é que, além do SOS Racismo, muitas figuras públicas (Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Ministra da Justiça e alguns partidos, sobretudo à esquerda) vieram condenar o comportamento da predita claque e o Ministério Público abriu um processo de inquérito-crime e já identificou alguns dos suspeitos.  
Infelizmente o episódio não é tão isolado como isso, não se circunscreve ao futebol (são sobejamente conhecidos os caos que se apontam a alguns agentes policiais) nem exclusivo de Portugal e do seu futebol. É de facto uma vergonha o que sucedeu em Guimarães e os responsáveis devem ser acusados, julgados e, eventualmente, condenados de forma justa, proporcionada e eficaz. E o clube e a sua claque devem ser punidos nos termos previstos nas respetivas organizações reguladoras. Na verdade, estas punições têm acontecido noutros países e com vários clubes.
Porém, não deve passar em claro a postura do jogador. Obviamente é legítimo que festejasse o golo (um golo é sempre um golo, que dá sempre satisfação a quem o concretiza e a quem dele beneficia), sobretudo por ter desfeito um empate, como era expectável que a euforia contagiasse os colegas e a claque do FCP. Não obstante, é de admitir que endereçar o júbilo do golo à bancada que apoia a formação desportiva contrária e perdedora tem de ser entendido como um ato de provocação, acentuado por eventuais gestos obscenos e por gesto (ou gestos) que denote uma certa afirmação de supremacia rácica ao contrário, o que também é censurável, embora não desculpe as atoardas racistas dum coletivo organizado, legalizado e com lugar privilegiado nos estádios em que jogue a equipa que apoia.
Na verdade, algum racismo é alimentado por este tipo de provocação, bem como por alguns episódios em que os presumivelmente atacados se arvoram em vítimas. E isto deve ser combatido. Contudo, o grande mal do racismo está naqueles que se sentem confortáveis por integrarem a maioria dos cidadãos, que muito embora não seja racista, alberga de bom grado no seu interior o discurso racista e a contemplação com atitudes e comportamentos racistas – achaques a que nem a escola nem a família está imune.
Assim, penso que deve ser combativo o racismo discursivo e comportamental, tal como a vitimização e as provocações, como se deve fazer tudo para banir qualquer resquício de racismo estrutural. Com efeito, as maiorias têm o direito a dispor democraticamente do poder, mas não podem ignorar, contrariar ou enfraquecer os direitos das minorias. A pari, estas não podem deixar de se sujeitar às leis e regulamentos do território em que vivem, não reivindicando desnecessariamente situações de exceção. E não é lícito às maiorias, estáveis ou conjunturais, abusar do seu poder democrático e legislar ao arrepio do sensus populi.
Há muito caminho a fazer e a percorrer na integração de pessoas e grupos de outras etnias no respeito pela sua dignidade e pelos seus direitos, na criação de condições humanas de habitação e de trabalho, no acesso indiscriminatório aos bens da educação, saúde e segurança (física e social), bem como na motivação para o justo cumprimento das suas obrigações para com o Estado e a sociedade. E, ao mesmo tempo, o Estado e a sociedade têm de reforçar as condições de dignidade da vida dos demais cidadãos – direitos, habitação, trabalho, educação, saúde, segurança (física e social) e cumprimento de todas as obrigações cívicas.
É a falta de equilíbrio e zelo políticos nestas matérias que faz surgir e engrossar tanto a estupidez como as formações partidárias populistas dispostas a pôr para um lado os bons e cumpridores e para o outro os maus e parasitas – o que redunda no aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, cidadãos de primeira e de quase cidadãos. E atenção, que não é por se verificar e dizer lhanamente que este ou aquele é negro, judeu, árabe, amarelo ou vermelho que se está a ser racista. Como avisava um pedagogo, “Nada de exageros!”.
Também há um facto cuja razão não percebo: para denominar um lápis de cor bege ou rosa claro, generalizou-se a designação de lápis cor de pele. Não sei qual a base científica ou estética (ou se as há) para tal designação. Pode não ter intuitos racistas, mas é de duvidosa ortodoxia. E não há necessidade. Rosa claro, bege esbatido… seriam boas designações como o são rosa velho, cor de pedra, branco sujo, castanho dourado, verde alface, verde-mar, verde-azeitona, verde-garrafa. Sem equívocos. Aliás, há muita cor de pele. Mesmo, entre os brancos, há claros, morenos, tisnados, etc. Todo o racismo, além de ser acientífico, é estúpido.
Enfim, é preciso que o bom senso, o direito e o Estado de direito prevaleçam.
2020.02.20 – Louro de Carvalho

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