A comunicação
social deu ampla cobertura ao que se passou no Estádio Dom Afonso Henriques no
passado domingo, dia 16 de fevereiro, em relação ao caso em que a claque do Vitória Sport Clube (VSC), de Guimarães, face ao festejo
que Marega fez do golo com que desfez o empate com o Futebol Clube do Porto (FCP) em favor deste, desferiu
palavras e onomatopeias de teor racista contra o jogador maliano, o que levou ao
abandono do relvado por parte do jogador à revelia dos colegas e do árbitro.
Perante a
censura generalizada que o episódio provocou, alguns observadores, alinhados
com a claque do VSC, apontam o silêncio da comunicação social em relação à
atitude do jogador por este alegadamente se ter aproximado da bancada dos
adeptos da formação ora perdedora, ter apontado para o seu braço, de cor negra,
e ter feito um gesto obsceno.
Entretanto,
o jogador maliano disse que abandonou o relvado, pois não aguentou os insultos
e entendia que os colegas deviam ter feito o mesmo e acusou o árbitro de não o
ter defendido, antes lhe mostrou o cartão amarelo. E, por sua vez, o treinador
do FCP referiu que, já na fase de aquecimento, a claque do Vitória de Guimarães
se atirava ao jogador naqueles termos.
Comentando
o facto, dias depois, Pinto da Costa, presidente do FCP, concluiu pela não
manifestação de racismo da parte da claque da formação perdedora, que também
possui no seu plantel jogadores de várias etnias e nacionalidades, mas chamou
estupidez ao que aconteceu.
É verdade
que Pinto da Costa tem razão em parte na sua conclusão de que houve ali
estupidez. Com efeito, uma claque duma formação desportiva com atletas de várias
etnias e nacionalidades deveria estar a ver-se ao espelho e reparar que tem do
seu lado os mesmos valores (certos ou equívocos) que os da formação desportiva
que é o objeto das suas atoardas. É óbvio que ninguém gosta de perder e é
legítimo mostrar descontentamento, mas sem raiar as malhas do insulto, da
indignidade e, neste caso, do racismo.
Não obstante,
a existência da estupidez não apaga o fenómeno racista que o episódio patenteou.
Chamar macaco, grunhir como macacos ou lançar bananas para dentro do relvado
são comportamentos que, além de configurarem insulto e ofensa à dignidade do
atingido – como aqueles palavrões e doestos do grosseiro calão com que se
presenteiam outros jogadores no futebol, bem como outras entidades, incluindo
polícias –, são marcas de racismo, assim reconhecidas pela generalidade dos
cidadãos. Tanto assim é que, além do SOS Racismo, muitas figuras públicas (Presidente
da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Ministra
da Justiça e alguns partidos, sobretudo à esquerda) vieram condenar o comportamento
da predita claque e o Ministério Público abriu um processo de inquérito-crime e
já identificou alguns dos suspeitos.
Infelizmente
o episódio não é tão isolado como isso, não se circunscreve ao futebol (são
sobejamente conhecidos os caos que se apontam a alguns agentes policiais) nem exclusivo de Portugal e do
seu futebol. É de facto uma vergonha o que sucedeu em Guimarães e os responsáveis
devem ser acusados, julgados e, eventualmente, condenados de forma justa,
proporcionada e eficaz. E o clube e a sua claque devem ser punidos nos termos
previstos nas respetivas organizações reguladoras. Na verdade, estas punições têm
acontecido noutros países e com vários clubes.
Porém,
não deve passar em claro a postura do jogador. Obviamente é legítimo que festejasse
o golo (um
golo é sempre um golo, que dá sempre satisfação a quem o concretiza e a quem
dele beneficia),
sobretudo por ter desfeito um empate, como era expectável que a euforia contagiasse
os colegas e a claque do FCP. Não obstante, é de admitir que endereçar o júbilo
do golo à bancada que apoia a formação desportiva contrária e perdedora tem de
ser entendido como um ato de provocação, acentuado por eventuais gestos obscenos
e por gesto (ou gestos)
que denote uma certa afirmação de supremacia rácica ao contrário, o que também
é censurável, embora não desculpe as atoardas racistas dum coletivo organizado,
legalizado e com lugar privilegiado nos estádios em que jogue a equipa que
apoia.
Na verdade,
algum racismo é alimentado por este tipo de provocação, bem como por alguns episódios
em que os presumivelmente atacados se arvoram em vítimas. E isto deve ser
combatido. Contudo, o grande mal do racismo está naqueles que se sentem confortáveis
por integrarem a maioria dos cidadãos, que muito embora não seja racista, alberga
de bom grado no seu interior o discurso racista e a contemplação com atitudes e
comportamentos racistas – achaques a que nem a escola nem a família está imune.
Assim,
penso que deve ser combativo o racismo discursivo e comportamental, tal como a vitimização
e as provocações, como se deve fazer tudo para banir qualquer resquício de
racismo estrutural. Com efeito, as maiorias têm o direito a dispor democraticamente
do poder, mas não podem ignorar, contrariar ou enfraquecer os direitos das
minorias. A pari, estas não podem
deixar de se sujeitar às leis e regulamentos do território em que vivem, não
reivindicando desnecessariamente situações de exceção. E não é lícito às maiorias,
estáveis ou conjunturais, abusar do seu poder democrático e legislar ao arrepio
do sensus populi.
Há muito
caminho a fazer e a percorrer na integração de pessoas e grupos de outras
etnias no respeito pela sua dignidade e pelos seus direitos, na criação de
condições humanas de habitação e de trabalho, no acesso indiscriminatório aos
bens da educação, saúde e segurança (física e social), bem como na motivação para o
justo cumprimento das suas obrigações para com o Estado e a sociedade. E, ao mesmo
tempo, o Estado e a sociedade têm de reforçar as condições de dignidade da vida
dos demais cidadãos – direitos, habitação, trabalho, educação, saúde, segurança
(física
e social) e
cumprimento de todas as obrigações cívicas.
É a
falta de equilíbrio e zelo políticos nestas matérias que faz surgir e engrossar
tanto a estupidez como as formações partidárias populistas dispostas a pôr para
um lado os bons e cumpridores e para o outro os maus e parasitas – o que
redunda no aprofundamento do fosso entre ricos e pobres, cidadãos de primeira e
de quase cidadãos. E atenção, que não é por se verificar e dizer lhanamente que
este ou aquele é negro, judeu, árabe, amarelo ou vermelho que se está a ser
racista. Como avisava um pedagogo, “Nada de exageros!”.
Também há
um facto cuja razão não percebo: para denominar um lápis de cor bege ou rosa
claro, generalizou-se a designação de lápis cor de pele. Não sei qual a base
científica ou estética (ou se as há) para tal designação. Pode não
ter intuitos racistas, mas é de duvidosa ortodoxia. E não há necessidade. Rosa
claro, bege esbatido… seriam boas designações como o são rosa velho, cor de pedra,
branco sujo, castanho dourado, verde alface, verde-mar, verde-azeitona, verde-garrafa.
Sem equívocos. Aliás, há muita cor de pele. Mesmo, entre os brancos, há claros,
morenos, tisnados, etc. Todo o racismo, além de ser acientífico, é estúpido.
Enfim, é
preciso que o bom senso, o direito e o Estado de direito prevaleçam.
2020.02.20 –
Louro de Carvalho
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