Aqui
há dias, numa das minhas voltas rotineiras, passei pelas imediações de uma
escola básica (do 2.º e 3.º CEB) recentemente inaugurada. E a placa testemunho
do ato solene de inauguração despertou a minha curiosidade. Ao ler, vi que
rezava (vou omitir data e nome) que no dia x
do mês y do ano z, foi inaugurada pelo senhor Presidente
da Câmara Municipal de L, Dr N, na presença de Sua Excelência o
Ministro da Educação.
Não
tenho gosto absolutamente nenhum em acudir ao lugar e posição do Ministro, que
tão pouco adequado se tem revelado ao jeito da pasta ministerial que sobraça.
Se ele não se interessou, quem sou eu para levantar lebres. No entanto,
trata-se de uma escola e de um Ministro da Educação. E, se aos manifestantes se
reconhece o direito e a liberdade de expressão, mesmo que intempestiva, à
autarquia postula-se uma pouco de humildade cidadã, devendo prevalecer o seu
estatuto de exemplaridade em termos da cidadania. O poder político local é a
base do poder democrático, pelo lado da proximidade dos cidadãos e das
comunidades e pelo lado da rampa de lançamento de muitos para outros patamares
da ação política. A Constituição da República, o legislador ordinário e os
poderes fazem o jus devido à sua importância.
Todavia,
a boa casa, quando convida alguém de valia superior e até igual, oferece-lhe a
primazia de honra. Todos nós o fazemos. O nosso convidado de honra tem, na
nossa casa, o primeiro lugar. Ou seja, do meu ponto de vista, a presidência do
ato inaugural cabia ao Ministro, com menção expressa do Presidente da Câmara, o
anfitrião, já que terá sido a autarquia municipal quem assumiu o ónus de “dono
da obra”.
É
certo que a “Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português” (Lei n.º 40/2006, de 25 de agosto), querendo
esclarecer situações ambíguas anteriores, acabou por, de algum modo, baralhar algumas
questões. Claro ficou o papel subalterno do lugar dos governadores civis ao do
presidente da câmara, entidades que o atual governo extinguiu juntamente com os
respetivos governos civis. A Constituição tinha-lhes previsto o fim, mantendo-os
até à implementação das regiões administrativas, o que ainda não aconteceu. Porém,
parece que, apesar de o Governo ter colocado o carro à frente dos bois, ninguém
derramou lágrimas por aquelas entidades e por aqueles serviços! E para quando a
regionalização determinada constitucionalmente?
É
certo que o art.º 31.º da supracitada lei estabelece, no seu n.º 1, que “os
presidentes das câmaras municipais, no respetivo concelho, gozam do estatuto
protocolar dos ministros”. Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo determina que
“os presidentes das câmaras municipais presidem a todos os atos realizados nos
paços do concelho ou organizados pela respetiva câmara, exceto se estiverem
presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou
o Primeiro-Ministro, e, nas regiões autónomas, têm ainda precedência o
Representante da República, o Presidente da Assembleia Legislativa e o
Presidente do Governo Regional”. Far-se-á a mesma ressalva para o Presidente da
Assembleia e para o Presidente do Governo de região administrativa, quando ela
tiver sido criada? Ou as regiões administrativas terão um estatuto de menoridade
em relação às regiões autónomas?
Porém,
qualquer normativo deve ser lido de forma articulada. Nestes termos, há que ter
em conta o n.º 4 do art.º 14.º, que estabelece: “Nas cerimónias do âmbito de
cada ministério, o respetivo ministro tem a precedência”.
Ora,
não me parece que a inauguração duma escola esteja fora da área de intervenção
do Ministério da Educação; e o Ministro estava presente. Por outro lado, não é
crível nem plausível que seja a câmara a organizar sozinha uma festa de inauguração
de escola, ignorando as autoridades escolares. Também, que me conste, a
inauguração de escola não se realiza nos paços do concelho. Demais, se dúvidas
persistissem, nada tão bom como a observância do princípio da deferência, no
âmbito da cortesia, para com uma entidade que, a convite, visita o
empreendimento por ocasião de um ato solene.
***
Esta
reflexão crítica conduz-me a outra, talvez ainda mais critica. Sempre a escola
procurou educar para a cidadania, quer pela atenção aos valores e pela
observância de regras no âmbito do saber ser e do saber estar, quer pela ministração
de conteúdos em áreas ou disciplinas de civismo e/ou formação cívica, quer
ainda pela insistência na transversalidade de alguns conceitos, atitudes e comportamentos,
que revelam valores axiais e valores conexos comummente aceites.
Recordo-me
de que, em 2001, o sistema educativo inseriu no quadro do ensino básico uma
área curricular não disciplinar, que, para lá da atenção à índole transversal
da educação para a cidadania, constituía um espaço privilegiado para esta dimensão
educativa. E, dez anos depois, em 2011, o plano curricular do 10.º ano
inscrevia uma disciplina de formação cívica.
Cumpre
também referir que, após a aprovação, promulgação e publicação da Lei de Bases
do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de outubro), se estabeleceu a
existência de uma disciplina de Desenvolvimento Pessoal e Social, alternativa à
de Educação Moral e Religiosa Católica, para a qual se qualificaram alguns
docentes, mas cuja aplicação no terreno foi residual, para não dizer nula.
O
Ministério da Educação, de Nuno Crato, argumentando com a índole
transdisciplinar da educação para a cidadania, acabou por retirar do currículo
de qualquer nível de educação e ensino a formação cívica como área ou
disciplina autónoma, deixando às escolas a possibilidade de a assumir ad libitum no âmbito da oferta de escola
ou de oferta complementar ou, ainda, no âmbito dos projetos e clubes de escola.
Seja
como for, além deste empobrecimento curricular, imposto por critérios
economicistas do corte remendo e de busca obsessiva de resultados em exame
nacional ou prova final nacional – entendimento desgraçadamente redutor da
educação e ensino pelo próprio presidente do IAVE, IP – o MEC faz mais
estragos. No pressuposto de que o ano letivo é milimetricamente programado a régua
e esquadro segundo o desenho curricular e os conteúdos programáticos (atente-se
na paranoia das aulas suplementares de que todos falam para as disciplinas de
exame/prova final, mesmo nos anos
não de final de ciclo), as aulas, uma vez iniciadas, não podem ser interrompidas
por motivo algum, a não ser nos precisos termos indicados no calendário escolar.
E
vai daí, algumas escolas obrigam alunos e professores a compensar as aulas
perdidas com visitas de estudo (das turmas a que faltaram os professores que
acompanharam as visitas de outras turmas; e algumas escolas, mesmo as das turmas
que integram as visitas). Também, por motivos semelhantes, deveriam compensar então
as aulas perdidas com os testes intermédios, os testes da própria disciplina,
as faltas do aluno, as faltas do professor, os nevões, as falhas de luz, as faltas
de água, as faltas de giz e apagador, os cortes de Internet e a ausência de
computador e/ou de quadros interativos, as interrupções de aula por mau comportamento
dos alunos, os simulacros, os atrasos do almoço, a falta de pontualidade dos transportes…
Em
nada, muito menos na educação, se devem cortar as unhas muito rentes. Lembro-me
de um professor que tive, o qual, tendo regressado de Roma, não conseguia dar
integralmente a aula conforme tinha planeado. O tempo nunca lhe chegava; o que
sobrava era conteúdo. Porém, no segundo semestre, convencido de que o que se
aprende na Faculdade não é para transmitir ipsis
verbis, habituou-se a gerir os tempos e os conteúdos. E, muito mais solto e
mais próximo dos alunos, obteve melhores resultados.
Vem
a talho de foice este chorrilho de sugestão de compensações e a memória do
velho professor para fazer o meu ato de censura às escolas que marcam a cerimónia
do “dia do diploma” para dia e/ou hora em que a comunidade escolar não pode participar
ou as que marcam as inaugurações e outras solenidades sem a participação da
maior parte dos elementos da comunidade escolar, contentando-se com a chamada
comunidade educativa.
Uma
educação para a cidadania ou o civismo e formação cívica implicariam, do meu
ponto de vista, a participação de toda a comunidade escolar nalguns eventos. Os
docentes deveriam ser motivados à paciência de acompanhar os alunos e a
ensiná-los a participar, mesmo que pelo silêncio, a determinados atos públicos.
A sociedade dos cidadãos inscreve no seu devir atos públicos deste jaez. Ou será
que a escola quer cidadãos autónomos, conscientes e responsáveis que deem
secretários de Estado das áreas da educação que não se saibam dirigir ao Parlamento?
Aconteceu no tempo de Sócrates, o político!
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