A comunhão fraterna das Igrejas particulares com a Igreja de Roma

O Papa Francisco recebeu hoje, dia 10 de novembro, os Bispos da Conferência Episcopal do Senegal, Cabo Verde, Mauritânia e Guiné-Bissau, por ocasião da sua visita “ad Limina Apostolorum”. Estava presente o cardeal Théodore-Adrien Sarr, arcebispo de Dakar, capital do Senegal, mas quem dirigiu as palavras de saudação ao Papa em nome dos bispos foi o bispo de Kaolack, também do Senegal, presidente da Conferência Episcopal.

Francisco, em resposta, na alocução doutrinal, de confirmação na fé e de animação, apresentou-se na linha petrina da proximidade e do companheirismo, expressos no afeto pessoal e no propósito de presença – com o pensamento e a oração, no caminho da sua vida cristã – “ junto dos “sacerdotes, pessoas consagradas e, de modo particular, das famílias”. Por outro lado, encomenda-se “à oração de cada um de vós e de cada uma das vossas comunidades”.

Saliento esta dimensão humana e cristã, não porque ela seja inédita em Papas e Bispos e de modo especial no atual Bispo de Roma, mas porque nem sempre é valorizada como convém, ficando remetida para o setor das palavras de circunstância, quando é nisto que assenta a “humanitas” genuína e o dinamismo cristão.

Aliás, o Pontífice, logo na sua primeira apresentação à multidão concentrada na Praça de São Pedro, teve este género de atitude, carregada de humanismo e ser cristão, ao referir a figura de Bento XVI e incitar à oração pública por ele, bem como ao pedir a todos uma prece por si, prévia à bênção apostólica que ia lançar Urbi et Orbi.

Depois, reitera o conteúdo da parte final do seu discurso no encerramento da recente assembleia sinodal, quando refere que esta visita/peregrinação dos bispos dá ocasião de “estreitar a comunhão fraterna que as Igrejas particulares mantêm com a Igreja de Roma e o seu Bispo”. E, sendo importante esta dimensão das igrejas particulares com a Igreja de Roma, ela pressupõe, para ser coerente, o reforço contínuo dos “laços de caridade que existem entre vós, pois cada Bispo deve conservar no seu coração a solicitude de todas as Igrejas, vivendo assim a colegialidade”.

Aqui, permito-me salientar o aspeto parcelar do discurso papal quando, noutras ocasiões, chegou a apontar o dedo aos bispos de aeroporto, os que passam demasiado tempo em viagens. É certo que o bispo tem o dever de cuidar do seu rebanho e apostar na presença, proximidade, acompanhamento e atravessar-se junto de Deus e dos poderes pelo seu rebanho. No entanto, não se deve voltar literalmente ao estabelecimento da obrigatoriedade da residência no sentido do concílio tridentino. Os bispos não podem perder de vista o dever da solicitude pelas outras Igrejas e do exercício da colegialidade em torno do Romano Pontífice (pela participação nos concílios e nos sínodos, bem como pela resposta pronta e fundamentada às solicitações da Cúria Romana) e a nível local e regional – ao nível da estrutura metropolitana e da conferência episcopal, obviamente sem interferências abusivas.

Ora, neste discurso aos membros desta conferência episcopal de um conjunto de quatro países, o Papa enuncia o dever da solicitude e da colegialidade e tira consequências:

Isto representa um sério desafio para uma Conferência Episcopal que reúne Bispos vindos de quatro países diversos entre si pela língua, a geografia, a cultura e a história – Senegal, Mauritânia, Cabo Verde e Guiné-Bissau – e, no entanto, sente a necessidade de se encontrar e apoiar mutuamente no ministério.

A primeira consequência é, sem dúvida, a aceitação e interiorização do desafio da diversidade linguística, geográfica, cultural e histórica. Depois, é preciso criar, manter e fortalecer a comunhão na diferença, dando dela vigoroso testemunho:

É importante poderdes manifestar esta comunhão na diferença, o que, em si, já constitui um autêntico testemunho prestado a Cristo ressuscitado, num mundo onde demasiados conflitos dividem os povos, porque “o anúncio de paz (...) [é] a convicção de que a unidade do Espírito harmoniza todas as diversidades. Supera qualquer conflito numa nova e promissora síntese” (Evangelii Gaudium, 230).

Depois de ter recordado um aspeto importante do que é considerado por muitos como a súmula do seu programa pontifical, a exortação apostólica Evangelii Gaudium, incita os bispos “a perseverar no mútuo acolhimento”, que se manifesta através dos frequentes “encontros e trabalhos comuns”, arredando o desânimo perante as dificuldades, deixando-lhes clara a certeza de que é o Espírito de Cristo que faz a união e “infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia” (EG, 259).

Porém, o Papa não se limita a emitir orientações doutrinais e/ou pastorais. Confirma o pensar e sentir dos bispos, que sentem o desafio da “necessidade de enraizar mais profundamente a fé nos corações de modo que seja realmente posta em prática na vida”. Mais: este desafio aplica-se não só “nas regiões de primeira evangelização” como “nos lugares onde o Evangelho tem vindo a ser anunciado desde há muito tempo”. Os bispos, mesmo que muito ligados ao dinamismo da fé, não podem vez alguma esquecer que “a fé constitui um dom que é conveniente fortificar sempre, mas hoje de modo particular, porque está ameaçado de muitas maneiras”. E Francisco recorda: as inúmeras “propostas religiosas mais fáceis e atraentes no plano moral”; e “o fenómeno da secularização que afeta também as sociedades africanas”.

E, a este propósito, articula o seu pensamento de adesão a Cristo com as palavras que assume de Bento XVI no n.º 1 da encíclica Deus caritas est:

Para permanecer fiéis a Cristo, não obstante as dificuldades, é necessário amá-Lo e unir-se ardentemente a Ele até ao ponto de verificar como o encontro com Ele “dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”.

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Deste pressuposto e premente desafio decorre uma ação pastoral consistente.

Em primeiro lugar, é necessária a colaboração entre os sacerdotes, os institutos religiosos e os leigos – com a devida atenção às associações e aos movimentos – em ordem ao cuidado da sólida formação dos leigos ao nível doutrinal e espiritual; depois, o apoio constante à sua capacidade de “testemunhar Cristo nos seus ambientes de vida” e “impregnar de forma duradoura a sociedade com os princípios do Evangelho”, de modo que a fé apareça integrada na vida pública.

Igual atenção merece a pastoral familiar, na linha do recente sínodo dos bispos, já que “a família é a célula basilar da sociedade e da Igreja” e “o lugar onde se ensinam os rudimentos da fé, os princípios elementares de vida comunitária e, muitas vezes, o lugar onde nascem as vocações sacerdotais e religiosas” necessárias às Igrejas locais.

Por outro lado, o Papa insiste na formação dos sacerdotes como determinante para o futuro, com relevo para a qualidade, mesmo que em detrimento da quantidade. E, para ser uma formação válida, tem de assumir as diversas dimensões – espiritual, intelectual, comunitária e pastoral – simultânea e interativamente, o que exige enorme esforço e um sem número de recursos.

Também o bispo deve esforçar-se por permanecer junto dos sacerdotes, sobretudo nos primeiros anos de exercício pastoral, a certificar-se de que os mesmos, depois da Ordenação, perseveram na formação permanente e na vida de oração, beneficiando de um assíduo acompanhamento espiritual. Poderão, assim,” enfrentar os desafios que se lhes apresentam: para uns, um certo isolamento, para outros, a pobreza material e a carência de recursos, para outros ainda, a atração do mundo, etc.”.

Não devem os bispos descurar a preocupação ecuménica, através do contacto com as outras religiões, “realidade particularmente presente em algumas dioceses africanos”, onde é fortemente maioritário o Islão. Haverá aí que gerar condições de relações recíprocas entre comunidades muito diferentes de um lugar para outro. Para isso, será “importante que os sacerdotes recebam no Seminário uma formação mais estruturada, para poderem desenvolver no terreno um diálogo construtivo com os muçulmanos, diálogo esse cada vez mais necessário para viver com eles uma coabitação pacífica”. E cita mais uma vez texto de Bento XVI:

Se todos nós, crentes em Deus, queremos servir a reconciliação, a justiça e a paz, devemos trabalhar juntos para banir todas as formas de discriminação, intolerância e fundamentalismo confessional (Africae Munus, 94).

Além disso, a Igreja deve testemunhar incessantemente o amor de Deus, criador de todos os homens, não fazendo distinção religiosa na sua ação social (cf. Ibid.,94).

Quanto à relação dos bispos com a sociedade civil e as autoridades políticas, o Papa Francisco solicita que não hesitem “em ocupar todo o espaço” que lhes pertence “na sociedade civil” e que tenham “o cuidado de manter boas relações com as autoridades políticas, visando favorecer o reconhecimento oficial das estruturas eclesiais, que muito facilita o trabalho de evangelização”. Salienta o trabalho perseverante dos bispos do Senegal e da Guiné-Bissau pela paz e pela reconciliação; e menciona a existência de um Acordo-Quadro entre o Estado de cabo Verde e a Santa Sé.

Reconhece, entretanto, que, “mesmo onde a Igreja aparece assaz minoritária – e até completamente à margem da vida civil –, ela é apreciada e reconhecida pelo seu significativo contributo nas áreas da promoção humana, da saúde e da educação”. Por isso, enquanto exprime o seu reconhecimento pelas obras que os bispos realizam nas suas dioceses e que já constituem “uma autêntica evangelização em ato” – “na maioria das vezes graças ao empenhamento perseverante das congregações religiosas e dos numerosos leigos associados” – exorta a que não hesitem “em manter uma reflexão mais sistemática sobre estas questões e fomentar verdadeiros projetos de solidariedade e educação da juventude”.

Finalmente, enquanto dá graças a Deus pela coragem e generosidade destas pequenas e frágeis Igrejas no anúncio da fé e no dinamismo apostólico, encoraja os pastores a avançar decididamente na condução das suas comunidades na resposta aos diversos desafios com que se defrontam, na certeza de que o Espírito de Jesus os conduz: “Ele vem em auxílio da nossa fraqueza, (...) pode curar-nos de tudo o que nos faz esmorecer no compromisso missionário (...) e bem sabe o que faz falta em cada época e em cada momento” (Evangelii Gaudium,280).

Parece-me uma alocução ajustada àquela parcela do continente africano, sem deixar de focar os aspetos essenciais da espiritualidade eclesial, da doutrina e da solicitude pastoral em termos holísticos e setoriais, com pés assentes num presente fiel ao passado e de olhar para o futuro.