O
jornal Público, de hoje, 12 de
novembro, na minissecção “Sim/Não”, salienta positivamente a atuação da
Direção-Geral de Saúde e do próprio Ministério da Saúde no tratamento do surto
de legionella, “pela transparência da
comunicação, pelo evitar do alarmismo e pelo respeito pela privacidade” (o que
podia dizer, de forma imparcial e com a mesma verdade, dos autarcas de Vila
Franca de Xira). Porém, em paralelo, vitupera as personalidades de Ferro
Rodrigues e Vieira da Silva pelas suas “críticas à posição do Presidente por
não antecipar as eleições, fundadas na crise de julho de 2013”, que
alegadamente “não passam de um álibi habilidoso. Além disso, a voz crítica
desta local do Público mais longe ao
clamar que “de putativos senadores, espera-se mais”.
Não
posso deixar de fazer o meu reparo, porquanto estas personalidades partidárias
são simplesmente deputados e não senadores, nem reais nem putativos. E devo
colocar a liberdade de crítica do cidadão, do dirigente partidário e do
deputado acima de qualquer limitação. É, porém, certo que o crítico deve
utilizar a dose de sensatez que seja necessária para dignificar a crítica, pelo
que não vejo com bons olhos que se diga que, a propósito da entrevista de Cavaco
Silva ao Expresso, se deva concluir
que a insensatez chegara ao nível mais elevado. Demais, todos já sabemos quem é
Cavaco Silva, quais as suas virtualidades políticas e quais as suas
dificuldades em conviver com ideias e situações que o contradigam. E de uma
certa insensatez todos nós podemos sofrer de vez em quando. É, no entanto, necessário
estar vigilantes para que ela se extinga e, ainda, para que ela não se disfarce
de sensatez, pela eventual similitude de posicionamento e de sintomas, como
refere o veterotestamentário livro dos Provérbios, que alerta para o disfarce
da insensatez, em torno do alegórico tema A Senhora Insensatez imita a Sabedoria, de acordo com a versão bíblica dos Capuchinhos, a partir
dos textos originais:
A
Senhora Insensatez é irrequieta, uma estulta que não sabe nada.
Ela
senta-se à porta da sua casa, sobre uma cadeira, no lugar mais alto da cidade, para
convidar os viandantes que seguem retamente o seu caminho: “Quem é simples
venha cá”!
E aos
insensatos diz: “As águas roubadas são mais doces e o pão, comido às
escondidas, é mais saboroso”. Esses ignoram que ali está a morte e que os seus
convidados jazem nas profundezas da mansão dos mortos.
(Pr
9,13-18)
Se
é certo que muitos sofrem de insensatez (e todos nós poderemos ter algo a ver
com ela) – até porque, segundo parece, ela é de origem virosal e se transmite
das algas dos rios e lagos aos humanos – será demasiado e quiçá injusto acoimar
de insensato o Presidente, ainda que, por vezes, ele se exponha em demasia e desnecessariamente
ao escrutínio dos críticos.
Por
seu turno, em carta à diretora, um cidadão de Moncorvo escalpeliza a crítica
feita pelo Presidente ao estado a que chegou a PT, atirando a seta venenosa
contra os seus acionistas e gestores, alguns deles por si condecorados
publicamente (ex: Horta e Costa; Henrique Granadeiro e Zeinal Bava). Também
Cavaco Silva vem exercendo o cargo de moderador da República desde 2006. É o
horizonte temporal em que a SONAE lançou uma OPA à PT, sem êxito, como esta
empresa se aliou e fundiu com a congénere brasileira, seguindo a via das demais
empresas que foram privatizadas desde o pico do consulado primoministerial de
Sua Excelência, no pressuposto de que as empresas entregues a privados eram
mais rendíveis e os custos para os clientes seriam mais em conta (o que não se
verifica).
Sendo
assim, o aludido cidadão transmontano vê naquele treno cavaquista um lance de
mera retórica política, mas esperava que o Presidente “não tivesse sequer o
ensejo de a formular como, de resto, vimos e ouvimos nos canais televisivos”. E
cita o propósito cívico-político de Santana Lopes, que “teve, há alguns anos,
após uma expectável derrota eleitoral, uma das suas célebres tiradas
conceituais: Vou andar por aí”.
Ora,
o cidadão das margens do Sabor aplica aquela tirada conceitual ao “périplo
cavaquista na Presidência da República”, o qual, na sua judiciosa opinião, se
limitou a andar por aí. Menciona, a
propósito, a metáfora do sorriso das vacas açorianas, como poderia referir-se à
compostura das vacas que, numa exploração agropecuária moderna, espontaneamente
se punham em fila e se sujeitavam com felicidade à ordenha mecânica e aludir ao
facto de a mulher nunca ter ido à Capadócia ou não ter suficiente pensão de
reforma com que sobreviver.
Também
quanto a andar por aí, é o que
acontece a muitos quando não têm um futuro pessoal, profissional, social ou
político bem definido, andando à espera do momento próprio para marcar a agenda.
Outros resignam-se a andar por aí,
porque não têm projeto de vida, matam o tempo ou vivem parasitariamente e/ou à margem.
Dos
Chefes de Estado esperava-se que se apresentassem como o Presidente, no
cumprimento das atribuições constitucionais e como garante das instituições,
usando do poder da palavra sempre que tal fosse necessário e útil. Mas parece
que pretenderam imitar as presidências abertas de Mário Soares, como designações
diferentes, não fazendo brilhar cada um o seu estilo.
***
Mas,
atentando em declarações do Presidente, quero recordar que Sua Excelência, em
resposta aos remoques de Ferro Rodrigues e de outros, disse algo que nunca
devia ter dito. Se é verdade que os políticos e outros, antes de fazerem
determinadas críticas, devem fazer o trabalho de casa e ler a Constituição e as
leis, também o Presidente, por maioria de razão, o deveria ter feito, dada a
autoridade que a Constituição lhe reconhece. Foi o próprio Marcelo Rebelo de
Sousa, muito parco em criticar o Presidente, quem lhe apontou a falha
jurídico-constitucional pelo facto de ele ter afirmado que, se houvesse
eleições antecipadas em junho passado como antevira em 2013, seriam para
iniciar legislatura, o que não é verdade. Também o professor de Direito reparou
que, ao referir-se ao nosso sistema de representação proporcional no Parlamento,
Cavaco afirmou que só com líderes carismáticos é que é possível um só partido
conseguir maioria absoluta. Aqui, segundo Marcelo, o Professor Cavaco Silva
estava a incluir, sem pensar, José Sócrates no rol dos líderes carismáticos.
Marcelo opinou que o Presidente estaria a pensar em Sá Carneiro (mas Marcelo
não reparou que as efémeras maiorias absolutas de Sá Carneiro resultaram de
coligação pré-eleitoral) e em si próprio, esquecendo-se de Sócrates.
Não
é a primeira vez que o Presidente Aníbal Cavaco Silva fala publicamente como se
ainda fosse o professor. É caso para dizer que à academia, o que é da academia;
e à política e à presidência, o que é próprio delas. Nada na Constituição nos
permite olhar para o Presidente da República como o mestre, o doutor, o
professor. Não lhe pediu o eleitorado que ensinasse, mas que presidisse, que moderasse
– tal como a Soares e a Sampaio não se pedia que fossem os advogados na nação
ou a Eanes que fosse o militar-mor. Demais, que Aníbal se lembre de que
professores há muitos e Presidente da República há só um. O que se lhe pede é
que seja o provedor dos cidadãos e das instituições; e que o seu magistério de influência
ou o seu poder da palavra seja não o do ensino, mas o da persuasão rumo ao
compromisso, que ele não tem conseguido obter. E este poder da palavra nem sempre
o Presidente o preserva e valoriza como convém.
De
resto, muitos interventores políticos assumem o caráter professoral. Estão neste
caso Freitas do Amaral e Marcelo. Só que estes, não obstante o seu mérito
académico, a que não havia necessidade de acrescentar o ar professoral, não são
presidentes da república. Um já esteve à beira de o ser; o outro poderá vir a
sê-lo.
Quanto
a Aníbal, é recorrente ele apelar para o seu estatuto de professor ou de
remeter para os manuais de economia ou genericamente para os livros.
Já
no atinente ao seu status político, não
é por acaso que o BE o apelidou recentemente de verdadeiro vice-primeiro-ministro
deste Governo. É ´óbvio que não concordo, mas percebo. Não há dúvida de que – desde
a denúncia da erosão do sistema político ao alinhamento com as principais
medidas governativas e à pressa com que promulga determinados diplomas ou ao discurso
pós-troika – o Presidente parece um primeiro-ministro honorário, que, às vezes,
se torna efetivo. Mas já o era no tempo de Sócrates até surgir o problema do
estatuto político-administrativo dos Açores e, sobretudo, o famigerado das
alegadas escutas pelo Governo ao Palácio de Belém.
Circunscrevendo-me
à minha área profissional, pergunto quem não se lembra, por exemplo, dos rasgados
elogios que fazia à então Ministra da Educação Maria de Lurdes Rodrigues e da pressa
com que promulgou diplomas do Governo de Sócrates sobre a alteração ao regime dos
exames nacionais do ensino secundário e sobre a avaliação de desempenho dos
docentes.
Desta
vez, aquele que diz tantas vezes estar e colocar-se acima dos partidos veio ironicamente
lembrar que as alterações de 1999 à lei eleitoral para a Assembleia da
República foram propostas pelo PS e aprovadas com os votos do PS, do PCP e dos
Verdes, tendo votado contra o PSD e o CDS. Ora, esse é um pormenor de índole
histórico-política, que o Presidente, que se arroga de institucionalista, se
deveria abster de comentar, até porque isso não pesa na validade da lei. Além disso,
os partidos evoluem na disputa dos seus interesses e na sua forma de encarar o
interesse nacional. Por outro lado, não é crível que a atual maioria abdique da
sua teimosia de manter, por si, o calendário eleitoral.
Já,
quando se intrometeu na interpretação da lei de limitação de mandatos, o
Presidente também quis suprir inutilmente, pela via linguística, a falta de vontade
do Parlamento em fornecer a interpretação autêntica da lei ou a sua alteração clarificadora
apelando à distinção entre as expressões “presidente da câmara” e “presidente da
junta”, utilizadas na versão que o Parlamento aprovou e o Presidente promulgou,
contra as expressões “presidente de câmara” e “presidente de junta”, constantes
do texto publicado. Tiveram, como se recordam, de ser os tribunais a dirimir a
questão.
Sendo
assim e sem prejuízo para a interdependência dos poderes (complementar da
exigência da separação), pede-se ao Parlamento que legisle e fiscalize o
Governo, ao Presidente que presida e modere, ao Governo que governe e
superintenda na Administração Pública e aos Tribunais que apliquem as leis e
julguem com equidade.
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