O n.º 1134 da revista Visão, de 27 de novembro, insere dois
trabalhos que me levam à reflexão sobre o tema referenciado em epígrafe. O primeiro
vem subordinado ao título “Ricos (pouco) solidários”; e o segundo glosa o tema “Ganhar
a vida a ajudar os outros”.
Não é novidade a assunção da
função social da propriedade em consonância com a essencialidade da dimensão
social do homem – sempre ele e as suas circunstâncias, o ser relacional, o ser num
presente conexo com uma tradição constructa (decorrente de um passado
acumulador de valores e prenhe de promissor futuro), o ser eminentemente
cultural – e com o destino universal dos bens. Por outro lado, por motivos
vários, a maior parte dos empresários inscreve nos seus orçamentos e/ou no das
coletividades que tutelam e/ou administram, o bolo social e cultural. Não sei
se o que dita esta vertente orçamental é a racionalidade gestionária, a
convicção humanista ou a imagem do empresário e da organização. O certo é que hoje
não há praticamente empresa nenhuma de larga dimensão que não tenha como anexa
uma instituição ou um departamento de pendor social e/ou cultural. Recordo a,
título de exemplo, a fundação de vocação social e humanitária da Microsoft, a
Fundação EDP, a Fundação Manuel dos Santos (ligada ao Grupo Jerónimo Martins) ou
a Culturgest (ligada à CGD).
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A mencionada revista Visão, em relação ao primeiro dos
aludidos trabalhos, traz a indicação de que, segundo um estudo da Sair da Casca e da Informa DB, “uma em cada cinco empresas portuguesas fez, pelo menos,
um donativo de cariz social. O predito estudo analisou os relatórios de 294 mil
sociedades. E os números referentes a 2012 cifram-se em 112,6 milhões euros de
donativos, ou seja, 1,9% dos lucros antes de impostos. De acordo com o mesmo
documento, entre 2010 e 2012, regista-se um decréscimo de 11% no número de empresas
que procederam a contribuições de índole social e uma redução de 15% no
respetivo valor.
Também é verdade que aqueles que
mais gastam na vertente social são os homens mais ricos em Portugal, mas os
valores despendidos em filantropia não são diretamente proporcionais aos seus valores
de fortuna. Os três maiores filantropos são, nominalmente e por esta ordem,
Belmiro de Azevedo (Missão Sorriso, Instituto de Imunologia Molecular da Universidade
do Porto e JAP/empreendedorismo
escolar), Alexandre Soares dos Santos (Alimentação)
e Américo Amorim (bolsas de estudo para jovens licenciados). É certo que as
ações de filantropia empresarial estendem-se a muitas outras entidades, como a
Mota Engil e as já referidas CGD e EDP. Todavia, embora pareça contradição, os
portugueses com maiores habilitações e mais rendimentos são aqueles que dão menos
importância às questões de solidariedade – conclui um estudo desenvolvido pela
Universidade Católica em parceria com o Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento
Humano, que mostra, ainda, que, não obstante a existência de maior tolerância a
grupos discriminados pela sociedade, o individualismo cresceu cerca de 10% nos últimos
dez anos em Portugal.
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Mas, no atinente ao segundo trabalho,
é reconfortante saber que, neste mundo de egoísmo, “há empreendedores que
avaliam o sucesso dos seus negócios mais pelo impacto social que provocam do
que pela maximização do lucro”. No entanto, sabem que a sustentabilidade é
necessária como garantia da eficácia da sua missão, que se perspetiva na
possibilidade de ganhar dinheiro a mudar o mundo (negócios com alma e coração),
contrariamente a muitos que, pela ganância, querem ganhar dinheiro a destruir o
mundo da natureza e o do homem.
Sem falarmos na plêiade de
voluntários e de profissionais que trabalham nos mais diversos setores em
desgaste pela vida dos outros – Igrejas, Banco Alimentar, Cáritas, Cruz
Vermelha, Bombeiros, instituições particulares de solidariedade social,
instituições públicas e privadas de saúde e educação, forças policiais e forças
armadas, autarquias e tantas outras modalidades de projeto e ação (muitas e excelentes
muitas delas) – a revista faz uma pequena súmula de projetos e empresas que
avançam na linha dos ditos negócios com alma e coração.
Destaca-se, logo de início, a empresa
Vitaminos, criada por Ana Quintas, professora
de Geografia em Cascais, depois de ler a Carta Europeia da Luta Contra a Obesidade,
que promove a atividade física e a alimentação saudável e se financia através dum
serviço de cafetaria e organização de eventos pagos, promovendo ainda companhas
de sensibilização nas escolas.
Por seu turno, Joana Santiago
criou uma IPSS, designada por Banco de Informação
de Pais para Pais (BIPP), que se destina a dar formação, em parceria com o
Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, onde se realizam os cursos do
projeto “Semear”, e promover a inserção dos formandos (com deficiência) no
mercado de trabalho, garantindo desde já 15 empregos. Para tanto, dispõem da
exploração de uma quinta com 20 hectares e de uma exploração com o Grupo
Jerónimo Martins, que garante o escoamento dos produtos agrícolas, a ajuda no
pagamento de salários e a continuidade dos cursos de formação, nomeadamente em
operadores agrícolas, com recurso a ferramentas manuais e à maquinaria agrícola.
Depois, alinhado na dinâmica do “negócio
social”, expressão inventada pelo Nobel da Paz Muhammad Yumus, criador do
microcrédito, Miguel Alves, docente de empreendedorismo social na Nova SBE, em
Lisboa, e no Instituto de Empreendedorismo Social (IES), de que é cofundador,
acredita, apesar de ainda não dispormos do figurino de empresa social (mas já
de significativa dimensão social em algumas empresas) que, no futuro próximo,
teremos líderes dotados de uma consciência mais afinada sobre a importância e o
potencial deste setor, o que redundará num aumento do PIB pelo lado da economia
social (que hoje se cifra apenas em 3%, ocupando 5% da população ativa), a qual
tem uma representação de cerca de 25% do PIB em países como a França e o Reino
Unido. Com o fito de conseguir a captação de investimento nesta área, criaram,
em parceria com a EDP, a partir de Leiria, o Speak, a escola de línguas que combate a exclusão social de
imigrantes.
Convém advertir que nem todas as
respostas sociais têm de ser negócio e que, apesar de algumas empresas
manifestarem grande ceticismo na existência de profissionalismo na economia
social (mais atreita a estilos assistencialistas), muitos deixaram empregos marcados
pela estabilidade e lucro de mercado (de efeito imediato) e voltaram-se para o
trabalho social, encarando o negócio social como espaço de deteção de problemas
e encontro de soluções sustentáveis com impacto social. Passa isto pela utilização
dos mecanismos de mercado para operar mudanças sociais.
Ressalta também o papel da
Comunicação para a Economia Social (CES), uma agência de comunicação
especializada no terceiro setor, com escritório no Porto. A sua equipa tenta
adaptar os preços às possibilidades de cada cliente, esbarrando com a
dificuldade em sensibilizar as organizações para a questão, mas recebendo apoios
vários.
Salienta-se ainda o papel da Ajuda sem Fronteiras, com equipas de voluntários,
em Lisboa, que recebeu turistas da Impact
TRIP e se dedica a várias atividades, nomeadamente a distribuição de
refeições, roupas e conversação aos sem-abrigo, bem como o projeto Marias, cofundado pela Fundação EDP e
que funciona como uma agência de empregadas domésticas, recrutando pessoas de
contextos sociais vulneráveis, sobretudo do mundo imigrante.
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A leitura dos trabalhos da Visão permite-nos concluir que
iniciativas destas tiveram origem em contactos com literatura social elaborada
e aprovada a nível internacional, em experiência da vida pessoal, por vezes,
aflitiva e a apresentar a necessidade de superação, a premência social, o
exemplo de outrem e naturalmente a crise sistémica de enorme impacto social que
se instalou também entre nós, a causar os seus estragos e de forma bem
caprichosa.
Não sei se a mesma crise não terá,
por outro lado, inibido alguns de continuarem a prestação solidária e se não
terá colocado algumas pessoas no bastião defensivo dos haveres considerados
cada vez mais exíguos. No entanto, a solidariedade fraterna é a dimensão que
melhor responde ao pré-requisito do destino universal dos bens, de modo a
satisfazer as necessidades e as justas aspirações de cada um, ao ditame
profundo da realização pessoal e ao desígnio da construção do tal mundo novo,
que é urgente e em que todos caibam com a dignidade que lhes é devida por
direito.
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