sexta-feira, 28 de novembro de 2014

A dimensão social da atividade e da empresa

O n.º 1134 da revista Visão, de 27 de novembro, insere dois trabalhos que me levam à reflexão sobre o tema referenciado em epígrafe. O primeiro vem subordinado ao título “Ricos (pouco) solidários”; e o segundo glosa o tema “Ganhar a vida a ajudar os outros”.
Não é novidade a assunção da função social da propriedade em consonância com a essencialidade da dimensão social do homem – sempre ele e as suas circunstâncias, o ser relacional, o ser num presente conexo com uma tradição constructa (decorrente de um passado acumulador de valores e prenhe de promissor futuro), o ser eminentemente cultural – e com o destino universal dos bens. Por outro lado, por motivos vários, a maior parte dos empresários inscreve nos seus orçamentos e/ou no das coletividades que tutelam e/ou administram, o bolo social e cultural. Não sei se o que dita esta vertente orçamental é a racionalidade gestionária, a convicção humanista ou a imagem do empresário e da organização. O certo é que hoje não há praticamente empresa nenhuma de larga dimensão que não tenha como anexa uma instituição ou um departamento de pendor social e/ou cultural. Recordo a, título de exemplo, a fundação de vocação social e humanitária da Microsoft, a Fundação EDP, a Fundação Manuel dos Santos (ligada ao Grupo Jerónimo Martins) ou a Culturgest (ligada à CGD).
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A mencionada revista Visão, em relação ao primeiro dos aludidos trabalhos, traz a indicação de que, segundo um estudo da Sair da Casca e da Informa DB, “uma em cada cinco empresas portuguesas fez, pelo menos, um donativo de cariz social. O predito estudo analisou os relatórios de 294 mil sociedades. E os números referentes a 2012 cifram-se em 112,6 milhões euros de donativos, ou seja, 1,9% dos lucros antes de impostos. De acordo com o mesmo documento, entre 2010 e 2012, regista-se um decréscimo de 11% no número de empresas que procederam a contribuições de índole social e uma redução de 15% no respetivo valor.
Também é verdade que aqueles que mais gastam na vertente social são os homens mais ricos em Portugal, mas os valores despendidos em filantropia não são diretamente proporcionais aos seus valores de fortuna. Os três maiores filantropos são, nominalmente e por esta ordem, Belmiro de Azevedo (Missão Sorriso, Instituto de Imunologia Molecular da Universidade do Porto e JAP/empreendedorismo escolar), Alexandre Soares dos Santos (Alimentação) e Américo Amorim (bolsas de estudo para jovens licenciados). É certo que as ações de filantropia empresarial estendem-se a muitas outras entidades, como a Mota Engil e as já referidas CGD e EDP. Todavia, embora pareça contradição, os portugueses com maiores habilitações e mais rendimentos são aqueles que dão menos importância às questões de solidariedade – conclui um estudo desenvolvido pela Universidade Católica em parceria com o Instituto Luso-Ilírio para o Desenvolvimento Humano, que mostra, ainda, que, não obstante a existência de maior tolerância a grupos discriminados pela sociedade, o individualismo cresceu cerca de 10% nos últimos dez anos em Portugal.
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Mas, no atinente ao segundo trabalho, é reconfortante saber que, neste mundo de egoísmo, “há empreendedores que avaliam o sucesso dos seus negócios mais pelo impacto social que provocam do que pela maximização do lucro”. No entanto, sabem que a sustentabilidade é necessária como garantia da eficácia da sua missão, que se perspetiva na possibilidade de ganhar dinheiro a mudar o mundo (negócios com alma e coração), contrariamente a muitos que, pela ganância, querem ganhar dinheiro a destruir o mundo da natureza e o do homem.
Sem falarmos na plêiade de voluntários e de profissionais que trabalham nos mais diversos setores em desgaste pela vida dos outros – Igrejas, Banco Alimentar, Cáritas, Cruz Vermelha, Bombeiros, instituições particulares de solidariedade social, instituições públicas e privadas de saúde e educação, forças policiais e forças armadas, autarquias e tantas outras modalidades de projeto e ação (muitas e excelentes muitas delas) – a revista faz uma pequena súmula de projetos e empresas que avançam na linha dos ditos negócios com alma e coração.
Destaca-se, logo de início, a empresa Vitaminos, criada por Ana Quintas, professora de Geografia em Cascais, depois de ler a Carta Europeia da Luta Contra a Obesidade, que promove a atividade física e a alimentação saudável e se financia através dum serviço de cafetaria e organização de eventos pagos, promovendo ainda companhas de sensibilização nas escolas.
Por seu turno, Joana Santiago criou uma IPSS, designada por Banco de Informação de Pais para Pais (BIPP), que se destina a dar formação, em parceria com o Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, onde se realizam os cursos do projeto “Semear”, e promover a inserção dos formandos (com deficiência) no mercado de trabalho, garantindo desde já 15 empregos. Para tanto, dispõem da exploração de uma quinta com 20 hectares e de uma exploração com o Grupo Jerónimo Martins, que garante o escoamento dos produtos agrícolas, a ajuda no pagamento de salários e a continuidade dos cursos de formação, nomeadamente em operadores agrícolas, com recurso a ferramentas manuais e à maquinaria agrícola.
Depois, alinhado na dinâmica do “negócio social”, expressão inventada pelo Nobel da Paz Muhammad Yumus, criador do microcrédito, Miguel Alves, docente de empreendedorismo social na Nova SBE, em Lisboa, e no Instituto de Empreendedorismo Social (IES), de que é cofundador, acredita, apesar de ainda não dispormos do figurino de empresa social (mas já de significativa dimensão social em algumas empresas) que, no futuro próximo, teremos líderes dotados de uma consciência mais afinada sobre a importância e o potencial deste setor, o que redundará num aumento do PIB pelo lado da economia social (que hoje se cifra apenas em 3%, ocupando 5% da população ativa), a qual tem uma representação de cerca de 25% do PIB em países como a França e o Reino Unido. Com o fito de conseguir a captação de investimento nesta área, criaram, em parceria com a EDP, a partir de Leiria, o Speak, a escola de línguas que combate a exclusão social de imigrantes.
Convém advertir que nem todas as respostas sociais têm de ser negócio e que, apesar de algumas empresas manifestarem grande ceticismo na existência de profissionalismo na economia social (mais atreita a estilos assistencialistas), muitos deixaram empregos marcados pela estabilidade e lucro de mercado (de efeito imediato) e voltaram-se para o trabalho social, encarando o negócio social como espaço de deteção de problemas e encontro de soluções sustentáveis com impacto social. Passa isto pela utilização dos mecanismos de mercado para operar mudanças sociais.
Ressalta também o papel da Comunicação para a Economia Social (CES), uma agência de comunicação especializada no terceiro setor, com escritório no Porto. A sua equipa tenta adaptar os preços às possibilidades de cada cliente, esbarrando com a dificuldade em sensibilizar as organizações para a questão, mas recebendo apoios vários.
Salienta-se ainda o papel da Ajuda sem Fronteiras, com equipas de voluntários, em Lisboa, que recebeu turistas da Impact TRIP e se dedica a várias atividades, nomeadamente a distribuição de refeições, roupas e conversação aos sem-abrigo, bem como o projeto Marias, cofundado pela Fundação EDP e que funciona como uma agência de empregadas domésticas, recrutando pessoas de contextos sociais vulneráveis, sobretudo do mundo imigrante.
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A leitura dos trabalhos da Visão permite-nos concluir que iniciativas destas tiveram origem em contactos com literatura social elaborada e aprovada a nível internacional, em experiência da vida pessoal, por vezes, aflitiva e a apresentar a necessidade de superação, a premência social, o exemplo de outrem e naturalmente a crise sistémica de enorme impacto social que se instalou também entre nós, a causar os seus estragos e de forma bem caprichosa.

Não sei se a mesma crise não terá, por outro lado, inibido alguns de continuarem a prestação solidária e se não terá colocado algumas pessoas no bastião defensivo dos haveres considerados cada vez mais exíguos. No entanto, a solidariedade fraterna é a dimensão que melhor responde ao pré-requisito do destino universal dos bens, de modo a satisfazer as necessidades e as justas aspirações de cada um, ao ditame profundo da realização pessoal e ao desígnio da construção do tal mundo novo, que é urgente e em que todos caibam com a dignidade que lhes é devida por direito.

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