Foi
há 25 anos que o mundo assistiu, entre a surpresa e o esperado, à emblemática
queda do muro de Berlim. Com a queda deste problemático separador dos dois
campos opostos da cidade a Alemanha correu para a unificação e o bastião
europeu da dita aplicação do marxismo à ordenação política implodiu.
Apontam-se
antecedentes, como: a perspetiva da Perestroika e da Glasnost, de Gorbatchev,
na União Soviética; o apoio de João Paulo II ao Solidariedade, na Polónia; o
desgaste da guerra fria; “a determinação de Reagan de incrementar colossalmente
o orçamento militar dos Estados Unidos para debilitar as finanças exangues de
Moscovo e tornar impossível a sua corrida ao armamento” (vd
M. A. Belloso, in DN, de hoje); e a própria dinâmica evolutiva
contraditória da ação política da RDA.
Por
outro lado, o chanceler Helmut Kohl, que fica para o futuro como o grande
obreiro da unificação alemã, orientou todo o processo de integração da
República Democrática Alemã e da República Federal da Alemanha, que teve início
no ano seguinte ao do colapso do muro. Porém, se o chanceler ousou assumir esse
grande desígnio político, também arrostou com as dificuldades sociais e
económicas (a elevada taxa de desemprego, por exemplo) que o processo de
integração acarretou. No entanto, a Europa reconhece-o como um dos grandes
arquitetos da União relançada em novos moldes, em tempo em que as decisões
pró-europeias ainda eram levadas a sério.
Belloso
(id et ib) considera que estes 25 anos
constituem “duas décadas e meia nefastas para a esquerda mundial”, que “jamais
digeriu o triunfo inapelável do capitalismo”.
Não
posso deixar de insistir na denúncia e apelo de João Paulo II:
Existe o perigo de substituir o marxismo por uma outra
forma de ateísmo, que
adulando a liberdade tende a destruir as raízes da moral humana e
cristã. (…) Que os povos não reabram
novos fossos de ódio e vingança; que o mundo não ceda à ilusão de um
falso bem-estar que avilta a dignidade da pessoa e compromete
para sempre os recursos da criação. (…)
Mostrai que sois Mãe dos pobres, de
quem morre de fome e sem assistência na doença, de quem sofre injustiças e
afrontas, de quem não
encontra trabalho, casa nem abrigo, de
quem é oprimido e explorado de quem desespera ou em vão procura o
repouso longe de Deus. (Fátima, 13 de maio de 1991).
Já
não falo dos malefícios da economia de mercado apontados por Bento XVI, a que
me referi em tempo, ou da tomada de posição do Papa Francisco em prol dos
pobres e explorados. A carta dirigida ao Primeiro-Ministro da Austrália por
ocasião da cimeira do G20 põe o dedo na ferida:
Gostaria de pedir aos Chefes de Estado e de
Governo do G20 que não se esqueçam de que, por detrás destes debates políticos
e técnicos, estão em jogo muitas vidas, e que seria verdadeiramente lamentável
se tais debates permanecessem puramente no plano de declarações de princípio.
No mundo, inclusive no âmbito dos próprios países pertencentes ao G20, existem
demasiadas mulheres e homens que sofrem por causa de grave subalimentação,
devido ao aumento do número de desempregados, à percentagem extremamente
elevada de jovens sem trabalho e ao crescimento da exclusão social, que pode
levar a favorecer a atividade criminosa e até o recrutamento de terroristas.
Além disso, verifica-se uma agressão constante contra o ambiente natural,
resultado de um consumismo exasperado, e tudo isto provocará sérias
consequências para a economia mundial. (6 de novembro).
E
mais adiante, no mesmo documento, avisa, com a esperança na responsabilidade do
G20:
O mundo inteiro espera do G20 um acordo cada vez
mais vasto que, no âmbito do ordenamento das Nações Unidas, possa levar a pôr
definitivamente fim, no Médio Oriente, à agressão injusta contra diferentes
grupos religiosos e étnicos, incluindo as minorias. Além disso, deveria levar a
eliminar as profundas causas do terrorismo, que alcançou proporções até agora
inimagináveis; tais causas incluem a pobreza, o subdesenvolvimento e a
exclusão. Tornou-se cada vez mais evidente que a solução para este grave
problema não pode ser exclusivamente de natureza militar, mas deve concentrar-se
também naqueles que, de um modo ou de outro, encorajam grupos terroristas com o
apoio político, o comércio ilegal de petróleo ou o fornecimento de armas e de
tecnologia. Além disso, são necessários um esforço educativo e uma consciência
mais clara de que a religião não pode ser explorada como caminho para
justificar a violência. (id et ib).
***
Neste contexto histórico geopolítico subsequente
à queda do muro de Berlim e implosão da União Soviética, a Europa que, do
Leste ao Oeste, no dizer de João Paulo II (id et ib), “não pode reencontrar a sua verdadeira identidade sem
redescobrir as suas raízes cristãs comuns”, começou a viver numa espécie de
agorafobia. Apesar de um pouco maior, porque sem
barreiras derivadas da divisão em dois blocos, passou a sentir um mal estar
consigo própria, quase a não caber dentro de si. Faz lembrar as galinhas quando se veem no
regime de ambiente aberto em manhã de neve intensa e extensa, os viandantes
bêbados pelo nevoeiro que perdem o rumo na caminhada por montes e vales ou,
ainda, a estranheza e pequenez sentidas por Paulo VI perante a multidão de peregrinos
em Fátima, a 13 de maio de 1967 (segundo a imprensa da época).
Os ditos países satélites da União Soviética recuperaram
a independência. No entanto, alguns povos como a Geórgia e a Chechénia sofreram
brutal repressão policial e militar, em vez da independência. E os
nacionalismos pulularam. Provou-se que as fronteiras de Yalta eram inteiramente
artificiais, tendo acoplado indevidamente nacionalidades inassimiláveis. E registou-se
o conflito da Bósnia-Herzegovina, o do Kosovo. Desmembrou-se a Checoslováquia. Acabou
o COMECON e o Pacto de Varsóvia.
Alguns dos países parece terem desejado voltar ao
regime anterior, devido ao uredo psicossocial criado pela mudança. Alguns acabaram
por aderir à união Europeia, mas, excetuando os três países do Báltico, com uma
posição e objetivos revestidos de inqualificável ambiguidade.
Por seu turno, as instituições europeias
manifestaram uma pressa e superficialidade no alargamento da União na última
década bem contrastantes com a lentidão e as exigências das décadas de 70 e de 80,
mesmo sem cuidar da razoabilidade democrática a nível político e económico dos
regimes internos dos Estados candidatos.
Nos países ditos da Europa Central e Ocidental,
cresceu o euroceticismo e mesmo o movimento antieuropeu; os europeístas oscilam
entre o federalismo e a manta de retalhos difusa; pulularam os partidos
radicais de direita, antidemocráticos, xenófobos; e foram tomadas medidas antimigratórias.
Que o digam as autoridades de Lampedusa, alguns setores da Alemanha, os lepenistas
franceses, os do “Podemos” espanhóis, os nacionalistas da Grécia e os Ucrânia.
Meia dezena e meia de países da Europa criaram o
sistema da moeda única, descurando a união financeira e bancária. Afinal,
sabe-se que o euro foi criado ao sabor dos interesses das grandes economias; e
os sistemas de compensação para as economias mais débeis vêm marcados por vício
originário, foram mal distribuídos e, em muitos casos, a sua utilização foi
abusiva e mesmo fraudulenta.
Perante o surto das economias emergentes, perante
a crise financeira de 2008 (que se tornou global e sistémica) ou perante os conflitos
internos ou adjacentes, a União Europeia não sabe construir uma resposta clara,
firme e solidária. Apoia quem e quando não deve apoiar.
No entanto, a Europa sabe cavar e acompanhar o anediemento
de uns tantos, os grandes ricos (pessoas e povos), o empobrecimento dos que
viviam razoavelmente e o espezinhamento dos mais fracos. Mas não sabe criar formas
de emprego e de inclusão.
Os países do norte, tornados modelo de crescimento
económico e social, acusando os países sulistas de que viveram acima das suas
possibilidades, sobrecarregaram-nos com punitivas e vigiadas medidas de
austeridade, concretizadas em estagnação e asfixiamento das suas economias,
depauperação do Estado Social e crescimento desmedido das dívidas soberanas. Entretanto,
foram alguns desses países palco de alojamento das sedes de umas boas centenas
de empresas multinacionais, que, abjurando dos sistemas fiscais de seus países de
origem (cada vez mais anémicos), pagam ali um pratito lentilhas ao fisco. E os
líderes desses países arrepelavam-se todos ante a hipótese de pagar mais uns
eurinhos pelo ajustamento financeiro de países como a Grécia, a Irlanda,
Portugal e a banca espanhola – as vítimas do resgate.
Mais: os que ajudaram a sepultar os seus países
ou os dos outros foram premiados com importantes cargos: Durão Barroso chegou a
Presidente da Comissão, onde permaneceu por uma década; Vítor Constâncio subiu
a vice-governador do BCE; Juncker, que era presidente do Eurogrupo, foi agora
guindado à presidência da Comissão.
As instâncias europeias, Parlamento, Conselho e
Comissão, – que deviam ter o poder de governança da União – mantêm-no
formalmente, mas o poder real passou nos últimos tempos a ser exercido por uma coordenação
bicéfala, Merkel e Sarkozy, acabando Merkel por assumir de facto todo o poder de
liderança (com Sarkozy ou com Hollande), a ponto de tudo lhe ser permitido
dizer, como: quando se reformar, quer passar a residir em Portugal (nas férias!);
que os trabalhadores portugueses trabalham poucas horas e são pouco
competitivos; ou que Portugal tem licenciados a mais e profissionais a menos. É
a amnésia e a miopia no seu melhor!
Assim, não admira que os cidadãos se divorciem da
política europeia e da política nacional. Para entregar o poder efetivo a
Merkel ou a homens que se limitam a copiar a legislação europeia e a preparar para
si um lugar folgado num qualquer paraíso terreal de ouro, dinheiro e entretenimento?
O remédio é vender as empresas que ainda dão
lucro, se possível, ao desbarato? Se o Estado perde a capacidade de definir a
estratégia nacional e de colocar ao serviço dela os meios adequados, como pode afirmar-se
como Estado soberano? Restar-lhe-á a capacidade de transcrever para o
ordenamento jurídico interno as diretivas europeias? Assim, ainda terá de se
demitir sob a acusação de plagiato…
Enfim, a agorafobia que venho apontando, torna-se
nos pequenos países em claustrofobia, já não só democrática, como enunciava
Paulo Rangel há uns aninhos, mas claustrofobia existencial asfixiante. Ou levam
com a carga toda ou emigram. Mas para onde emigrar, se a crise se torna pandémica?
Querem sair do euro, mas não sabem como nem qual a alhada em que se vão meter. Será
que aguentam, que têm de aguentar?
Mas não vale a pena diabolizar a Europa. Será
necessário lançar o debate sobre a Europa e também em Portugal, em vez de nos
perdermos infindamente e sem resultado nos casos dos vistos de ouro ou de prata
e na timorofilia.
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