O mês de novembro literalmente não passa de mais um mês como os outros,
embora com a particularidade de nos colocar na varanda do fim do ano. Todavia,
à sua volta, podem tecer-se algumas considerações configuradoras de perspetivas
não pouco interessantes.
As pessoas mais idosas, em alguns lugares do país, denominavam-no como o
Mês dos Santos ou o Mês das Castanhas. Era uma referência temporal com base na
matéria religiosa, no primeiro caso, e com base num tipo de produção agrícola,
no outro. Para os norte-americanos é o mês em que ocorre o dia de Ação de
Graças. Para os portugueses, o dia de ação de graças ou passa despercebido ou então
qualquer dia, sobretudo o domingo, serve para dar graças a Deus por todos os
benefícios que vem concedendo aos homens.
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Este ano, para os portugueses, novembro fica marcado pela expulsão, em 48
horas, de um grupo de magistrados que prestavam serviço em Timor-Leste – medida
tomada em circunstâncias pouco esclarecidas e que o Presidente da República de Portugal
considerou desproporcionada. Esta consideração presidencial, num contexto de
quase silêncio em torno da ação dos magistrados portugueses (se excetuarmos os órgãos
mais diretamente a eles ligados), incluindo a ambiguidade das declarações
governamentais, pode ser entendida como merecida, embora com dose excessiva. Uma
questão de dose, pasme-se”
Penso esclarecedora a posição de Mari Alkatiri, no DN, de ontem:
Timor aprovou uma lei a admitir magistrados internacionais, que fazem parte
do nosso sistema judicial. A solução passava pela revisão dessa lei, para não
permitir que esses magistrados exercessem funções executivas em Timor, mas
apenas de assessoria e formação. E isso não ofenderia ninguém. Assim, criou-se
um clima negativo. (…) A presença dos magistrados portugueses
no sistema judiciário e de justiça timorense foi uma decisão soberana de Timor.
A lei foi aprovada pelo Parlamento e promulgada pelo Presidente da República,
que era Xanana Gusmão. (…) Quando chefiei o governo, de 2002 a 2006, o plano
passava por dar cinco anos de preparação aos juízes, no Centro de Formação
Jurídica. Devia ter havido reciclagem permanente dos profissionais timorenses.
Devia ter terminado esse período de cooperação e evoluir para outro, mais
centrado na área da formação e da assessoria.
Por
outro lado, rebentou a questão dos vistos Gold,
com doze arguidos, sendo alguns altas figuras do sistema, nomeadamente nas áreas
dos Ministérios da Administração Interna, da Justiça e do Ambiente e Ordenamento
do Território. Segundo o Expresso, o
próprio diretor do SIS estaria implicado. Os arguidos estão indiciados de
corrupção, tráfico de influências, branqueamento de capitais e peculato. Vamos ver
no que isto dá ou talvez seja como de costume: dar em nada.
Porém,
o novembro deste ano marca Portugal com um dos desastres mais significativos em
saúde pública, o surto de legionella,
pelos vistos com epicentro em Vila Franca de Xira, de que resultaram sete
vítimas mortais e mais de três centenas de infetados. Como é óbvio, embora não totalmente
justo, as atenções acusatórias voltam-se para o Governo, por causa da
tergiversação legislativa em matéria de fiscalização, e para os empresários,
devido à falta de cuidado na vigilância sobre os equipamentos suscetíveis de aninhamento
e proliferação da bactéria. Depois, aponta-se o surto excecional de calor excessivo
e húmido na segunda metade de outubro.
Espera-se
que a responsabilidade não caia de todo no apóstolo São Pedro, por baralhador
das condições climáticas. E dos homens, que é dos homens?!
***
Por
sua vez, a Europa tem um novembro flagelado com a informação sobre o “LuxLeaks”.
As investigações do ICIJ (Consórcio Internacional de
Jornalistas de Investigação), que abrangem um período entre 2002 e 2010, época em que o
grão-ducado do Luxemburgo tinha como primeiro-ministro o atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker,
revelam, segundo o DN, de hoje, que a atividade financeira do
Luxemburgo é responsável por um terço das receitas fiscais,
de acordo com os dados oficiais, e representa hoje um quinto do produto interno
bruto (PIB) do
grão-ducado. Não obstante, absorve o emprego de apenas um décimo da população
ativa. O que ajuda a entender a dimensão e o impacto das revelações sobre a
atribuição de benefícios fiscais pelo governo luxemburguês a centenas de
empresas internacionais, algumas delas entre as principais no mercado mundial.
A natureza das decisões, em número de
548, que determinaram este tipo de benefícios, equivale a uma forma de garantia
jurídica que consagra benefícios fiscais. Tais decisões revestem a forma de pareceres,
também designados por acordos, em resposta a pedidos de esclarecimento das
empresas sobre qual seria o tratamento
tributário que lhes seria aplicado no grão-ducado.
O antigo
primeiro-ministro do Luxemburgo, Jean-Claude Juncker admite “responsabilidade
política”, mas desculpa-se com o alegado facto de a atuação ser “corrente”
noutros Estados. (vd DN, de
15-11-2014).
Sua Excelência o ilustre súbdito do Grão-Duque
esquece-se de que a generalização de um comportamento não transforma esse comportamento
em ação aceitável do ponto de vista ético. Ou será que ele, como cidadão de um
estado monárquico, estará dispensado da observância da ética republicana? Demais,
se nos Estados-Membros os governantes devem tirar consequências das suas responsabilidades
políticas perante erros do sistema ou de seus agentes, também o eurocrata as
deve tirar. E ainda está a tempo!
***
Regressando
à mística do mês de novembro, historicamente ele fica marcado pelo terramoto de
1 de novembro de 1755, de Lisboa, que impressionou a própria Europa pela sua
dimensão catastrófica e pela sua extensão a outras zonas do país. Para longe vá
o agouro sobre estas catástrofes!
Todavia,
gostava de aflorar o novembro como o mês da “partilha”.
Nalguns
lugares, o primeiro dia era assinalado com o peditório do “pão por Deus”. As pessoas,
sobretudo os miúdos, batiam às portas e pediam por Deus o pão de que
precisavam. É certo que o fenómeno espelha a miséria de muitos em face da
opulência de tantos. Porém, muitos dos que davam o pão não eram os mais ricos (esses
costumavam dar só por ostentação; até rezavam a Deus para que lhes desse pobres
a fim de exercerem a caridade); por outro lado, exprime uma postura de partilha
num contexto da insuficiência dos que pedem e da magra suficiência dos que dão.
Pena será se o progresso civilizacional e o desenvolvimento cultural levam à cristalização
da posse, com a avara arrecadação e retenção de tudo, deixando aos outros por resto
e caridade o que lhes é devido por direito e justiça em razão da necessidade não
culpada e/ou do mérito do seu trabalho. E o que se espera do progresso é a
partilha, à cabeça, dos recursos, das oportunidades, dos direitos, dos deveres,
ou, se quisermos, da expressão da cidadania a nível económico, cultural, social
e político.
Ao
nível da partilha cultural e social, novembro torna-se o cenário do “magusto”,
em que à roda da fogueira, se juntam os circunstantes para a permuta da castanha
assada, quentinha e de valor proteico, e do vinho novo (que alegra o povo), pretexto
e símbolo da boa disposição, da convivência e da abundância. Muitas vezes, o “verão
de São Martinho” fornece ao cenário um pouco mais de conforto, que, de vez em
quando, mima a população com o desagrado das epocais doenças, ebriedades e
zaragatas. Nem toda a partilha é desejável e plausível!
Mas
há outra partilha mais espiritual. Novembro é o mês das almas. E a tradição
está repleta de motivos conexos com esta devoção. As pessoas, singularmente
consideradas, e os povos em coletivo, sufragam os seus mortos, celebram o jubileu
das almas (confissão, ofício e missa com comunhão pelos defuntos), fazem romagem
aos cemitérios, gritam pelas ruas o brado das almas, rezam ou cantam os salmos penitenciais
e reverenciam os pequenos monumentos dedicados às almas. É o culto pela Igreja
que se purifica no Além: “uma bela recompensa espera os que morrem piedosamente
– é este um santo e piedoso pensamento” (2Mac 12,43).
O
primeiro dia deste “trintário” é dedicado à honra de todos os santos e santas,
que formam e emolduram a Igreja dita triunfante, a dos que moram na glória de
Deus e na Sua intimidade, que têm a missão de, glorificando a Deus, interceder
por nós.
E
o último domingo do ano litúrgico, um dos últimos deste mês, celebra a
solenidade de Cristo Rei e Senhor do Universo, tradicionalmente dedicados
àqueles e àquelas que, incorporados no mistério de Cristo, se dispõem a professar
a fé, a difundi-la e a utilizá-la como fermento das realidades terrestres,
embora sem lhes retirar a autonomia que lhes cabe. É a Igreja peregrina ou
militante e missionária, sempre em saída, com a força do Espírito, em prol do
que precisam.
É
neste mistério da fé, da esperança e da solidariedade por vivos e defuntos que
se inscreve esta modalidade mais nobre de partilha e comunhão, de luta pela realização
da justiça, em prol de todos quantos Deus considera seus filhos e nós temos de
considerar irmãos e próximos. É esta dinâmica da profunda e larga justiça,
inspirada na liberalidade de Deus, que fundamenta e constitui a autêntica, a
genuína caridade, em tudo contrária à caridadezinha e diferente da mera filantropia.
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