domingo, 16 de novembro de 2014

Vaticano atento a grandes problemas que grassam pelo mundo

As sementes lançadas por Francisco, apesar das resistências na Cúria e fora dela, não deixam de surtir o seu efeito. E pouco a pouco, cardeais e monsenhores manifestam audácia notória, quer no campo da justiça e preocupações com o estado e destino dos povos, quer nos campos do ecumenismo e do diálogo inter-religioso. E as famílias, os jovens e sobretudo os que não tinham vez e voz começam a fazer ouvir-se cada vez com maior nitidez.
No dia 25 de julho de 2013, dirigindo-se aos jovens argentinos, na Catedral de São Sebastião, do Rio de janeiro, formulava a seguinte orientação:
Aqui, no Rio, farão barulho, farão certamente. Mas eu quero que se façam ouvir também nas dioceses, quero que saiam, quero que a Igreja saia pelas estradas, quero que nos defendamos de tudo o que é mundanismo, imobilismo, nos defendamos do que é comodidade, do que é clericalismo, de tudo aquilo que é viver fechados em nós mesmos. 

A razão de ser desta orientação pelo barulho juvenil (que o Presidente Cavaco Silva, se fosse o Papa, talvez chamasse de sobressalto eclesial) assenta na crise civilizacional e cultural que atravessa o mundo e leva ao descarte e à exclusão, sobretudo dos idosos e dos jovens. Por isso, o Papa, que alguns consideram incorrigível (ou que dizem que quanto mais o criticam, mais se excita), fala:
A civilização mundial ultrapassou os limites, ultrapassou os limites porque criou um tal culto do deus dinheiro, que estamos na presença de uma filosofia e uma prática de exclusão dos dois polos da vida que constituem as promessas dos povos. A exclusão dos idosos, obviamente: alguém poderia ser levado a pensar que nisso exista, oculta, uma espécie de eutanásia, isto é, não se cuida dos idosos; mas há também uma eutanásia cultural, porque não se lhes deixa falar, não se lhes deixa agir. E a exclusão dos jovens: a percentagem que temos de jovens sem trabalho, sem emprego, é muito alta e temos uma geração que não tem experiência da dignidade ganha com o trabalho. Assim, esta civilização levou-nos a excluir os dois vértices que são o nosso futuro.

Contra este desmando civilizacional dos últimos tempos, só há um duplo caminho, o dos jovens e o dos idosos:
Por isso os jovens devem irromper, devem fazer-se valer; os jovens devem sair para lutar pelos valores, lutar por estes valores; e os idosos devem tomar a palavra, os idosos devem tomar a palavra e ensinar-nos! 

E, no dia 27 do mesmo mês e ano, na mesma Catedral, aos bispos sacerdotes, religiosos e seminaristas, o Papa exortava:
Não podemos ficar encerrados na paróquia, nas nossas comunidades, na nossa instituição paroquial ou na nossa instituição diocesana, quando há tanta gente esperando o Evangelho! Mas sair… enviados. Não se trata simplesmente de abrir a porta para que venham, para acolher, mas de sair pela porta fora para procurar e encontrar. Incitemos os jovens para sair. Vão certamente fazer asneiras... não tenhamos medo! Os Apóstolos fizeram-nas antes de nós. Incitemo-los para sair.

O Pontífice propõe um ponto de partida diferente para a ação pastoral, confiante no acompanhamento da Virgem Maria, a mãe de todo o apostolado:  
Decididamente, pensemos a pastoral a partir da periferia, daqueles que estão mais afastados, daqueles que habitualmente não frequentam a paróquia. Eles são os convidados VIP. Saiamos à sua procura nos cruzamentos das estradas. (…) Que Ela [a Virgem Maria] nos incite para sair ao encontro de tantos irmãos e irmãs que estão na periferia, que têm sede de Deus e não há quem lho anuncie. Que não nos ponha fora de casa, mas nos incite a sair de casa. E assim seremos discípulos do Senhor.

Por outro lado, em carta de 16 de outubro ao Diretor-Geral da FAO, alerta:
Também este ano, o Dia Mundial da Alimentação se faz eco do brado de tantos nossos irmãos e irmãs que em diversas partes do mundo não têm o alimento diário. Por outro lado, ele faz-nos refletir sobre a enorme quantidade de alimentos desperdiçados, produtos destruídos, especulações dos preços em nome do deus lucro. Este é um dos paradoxos mais dramáticos do nosso tempo ao qual assistimos impotentes, mas muitas vezes também indiferentes, «incapazes de nos compadecermos ao ouvir os clamores alheios [...] como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe» (EG, 54).

E especifica pondo o acento, não na ação paliativa, mas nas medidas estruturantes:
Para eliminar a fome não é suficiente superar as carências com ajudas e doações a quantos vivem situações de emergência. Ao contrário, é preciso mudar o paradigma das políticas de ajuda e de desenvolvimento, modificar as regras internacionais em matéria de produção e comércio dos produtos agrícolas, garantindo aos países onde a agricultura representa a base da economia e da sobrevivência uma autodeterminação do próprio mercado agrícola.
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No quadro das preocupações enunciadas pelo Bispo de Roma, a Academia Pontifícia das Ciências, em colaboração com as associações ‘Global freedom network’ e ‘Vinculos en red’, organizou para os dias 15 e 16 deste mês de novembro, no Vaticano, um simpósio internacional sobre prostituição e tráfico de seres humanos – sob o tema “Jovens contra a prostituição e o tráfico de pessoas: violência extrema contra o ser humano” – com a participação de mais de 100 jovens que, nos seus países, lutam contra estas realidades, que são verdadeiros flagelos sobre a humanidade.
Estas práticas configuram modalidades virulentas de escravidão moderna, que, de acordo com as palavras de D. Marcelo Sánchez Sorondo, secretário da mencionada Academia Pontifícia das Ciências, “é uma das consequências da globalização da indiferença”. Mas servem cabalmente a linha do hedonismo e do negócio, contra a dignidade da pessoa humana.
A iniciativa, que surgiu na sequência das acutilantes intervenções do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, que decorreu em 2013, no Rio de Janeiro, tem em vista procurar “fortalecer o compromisso dos jovens na obra de sensibilização da opinião pública sobre a gravidade e as consequências do problema do tráfico de seres humanos”.
Segundo a Rádio Vaticano, citada pela agência Ecclesia, “estima-se que, a nível global, cerca de 21 milhões de homens, mulheres, crianças sejam enganados, vendidos, obrigados ou submetidos a condições de escravidão de várias formas e em diversos setores, como a agricultura, o serviço doméstico, a prostituição, a pornografia, o turismo sexual ou o tráfico de órgãos.
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Também chegou ao seu termo, no passado dia 14 de novembro, o terceiro seminário do Fórum católico-muçulmano, que decorreu em Roma, em torno do tema “Trabalhar juntos para servir aos outros”. A delegação católica foi liderada pelo presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, o cardeal Jean-Louis Tauran; e os participantes muçulmanos, pelo professor da Universidade George Washington, Seyyed Hossein.
Estão em causa valores fundamentais como o bom senso, o respeito, a autonomia, a tolerância, a cooperação e a educação – em que o homem tem de estar acima das ideologias, dos interesses e das próprias religiões.
A declaração final afirmou a inaceitabilidade da invocação e utilização da religião (é a tentação a Deus ou a invocação do santo nome de Deus em vão – proscritas pelos Livros Santos) para justificar o terrorismo, as perseguições, as violências contra inocentes, a profanação de lugares sagrados ou a destruição do património cultural.
Os participantes no encontro, na linha do recorrente apelo do Papa à construção da cultura do encontro, destacam a “importância da cultura do diálogo inter-religioso para aprofundar a compreensão recíproca”. Para tanto, há necessidade de “superar preconceitos, distorções, suspeitas e generalizações inapropriadas que prejudicam a convivência pacífica”.
No âmbito dos esforços para a consecução da cultura do encontro, o Fórum católico-muçulmano apela a que a “educação dos jovens” se processe de forma intensificada e esclarecida nos diversos ambientes – família, escola, igreja, mesquita… – dado que ela se reveste da “máxima importância” para a promoção da construção de “uma identidade que ensine o respeito pelos outros”. Por outro lado, os participantes entendem que os programas escolares e os livros didáticos devem representar “uma imagem objetiva” das realidades e de respeito pelos outros.
A declaração final incentiva ainda os cristãos e muçulmanos a “multiplicarem as oportunidades de encontros e cooperação” em torno de projetos conjuntos para o bem comum.
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O mesmo o cardeal Jean-Louis Tauran enviara, a 6 de novembro, uma mensagem aos Sikhs, por ocasião da festa do Prakash Diwas, em que ressalta o tema “Cristãos e sikhs: juntos pela promoção do serviço compassivo”.
Nessa mensagem, o presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso, tendo em conta que o crescendo das “tendências materialistas, consumistas e individualistas “do mundo de hoje torna as pessoas cada vez mais egocêntricas, insensíveis e indiferentes às necessidades e sofrimentos do próximo, expõe um oportuno ponto de vista inerente a todas as religiões:
Desempenhar um serviço compassivo significa ir ao encontro dos pobres, dos necessitados, doentes, idosos, portadores de deficiência, migrantes, refugiados, explorados e perseguidos, superando qualquer espécie de obstáculo e renunciando aos próprios interesses e comodidades, porque também eles são parte do que Deus criou e, como tais, são nossos irmãos e irmãs e fazem parte da nossa única grande família humana. 

Já a 20 de outubro, em mensagem aos hindus, por ocasião da festa do Deepavali, sob o tema “Promover a cultura da inclusão”, tinha afirmado:
Face à crescente discriminação, violência e exclusão em todo o mundo, “fazer crescer a cultura da inclusão” pode ser, justamente, considerada em toda a parte uma das aspirações mais genuínas das pessoas. (…) As consequências negativas da globalização, como a difusão do materialismo e do consumismo, tornaram os indivíduos ainda mais egocêntricos, sedentos de poder e indiferentes em relação aos direitos, às necessidades e aos sofrimentos dos outros.

Por isso, conclui o cardeal Tauran:
Fazer crescer uma cultura da inclusão torna-se portanto uma chamada comum e uma responsabilidade partilhada, que deve ser assumida com urgência. É um projeto que envolve todos os que se preocupam com a saúde e a sobrevivência da família humana aqui na terra e que se deve levar por diante no meio das forças que perpetuam a cultura da exclusão e não obstante elas.
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Por seu turno, Monsenhor Dominique Mamberti, representante da Santa Sé na Assembleia Geral da INTERPOL (3 a 7 de novembro passado), na sua intervenção, denunciou a notória agudização da criminalidade transnacional e organizada, tanto do ponto de vista quantitativo como do da violência das suas manifestações, colocando em grande risco o progresso da humanidade. E aponta o dedo à utilização perversa dos instrumentos que a globalização e o progresso tecnológico puseram à disposição de todos, facilitando o manuseamento daqueles instrumentos, a transferência de fundos e a arregimentação das pessoas. Por conseguinte, a atividade criminosa torna-se mais grave pela agressividade e pela crueldade das ações. Apresenta, a este respeito, o exemplo dos últimos meses com o aparecimento do terrorismo do denominado Estado Islâmico, que não se limita à prática das ações criminosas, mas procede à filmagem e exposição pública das mesmas.
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Já o arcebispo Bernardito Auza, representante da Santa Sé nas Nações Unidas, interveio clara e vigorosamente no âmbito da 69.ª sessão da Assembleia Geral, que decorreu no passado mês de outubro, abordando os seguintes temas candentes: “Os dezassete objetivos de desenvolvimento sustentável”; “O Estado de Direito”;  “Medidas que levem à eliminação das armas de destruição massiva”; “Desenvolvimento sustentável: proteção do clima mundial para as gerações presentes e futuras”; “Cooperação Internacional no uso pacífico do espaço extra-atmosférico”; “Políticas de desenvolvimento em prol das populações indígenas”; “Situação no Oriente Médio, incluindo a questão da Palestina”; “Erradicação da pobreza”; “Globalização e interdependência”; “Desenvolvimento agrícola, segurança alimentar e nutrição”; e “Direitos Humanos”.
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Tudo isto me sugere que talvez se esteja a tomar posição sobre muitas matérias significativas para a humanidade, do lado dos homens e mulheres da Igreja (tanto ao mais alto nível como a outros níveis médios ou comuns), e o comum dos mortais, principalmente o mundo dos crentes, não se aperceba de tal. Importa, por isso, que mantenhamos um olhar atento à realidade e àquilo que se faz para a sustentar ou para a alterar, de modo que o nosso espírito crítico se estribe em bases cada vez mais razoáveis e mais sustentáveis.

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