sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Tribunal Mundial analisa ocupação israelita de 57 anos

 

A Human Rights Watch espera que, de 19 a 16 de fevereiro, em Haia, nos Países Baixos, um número sem precedentes de países e organizações internacionais – 52 países e três organizações – participe, nas audiências orais do Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) sobre a ocupação de Israel. A ampla participação nas audiências e as muitas participações escritas refletem o crescente impulso global à resolução do fracasso de décadas em garantir o respeito pelo direito internacional do território palestiniano ocupado (TPO).

Pela primeira vez, desde o início do seu funcionamento em 1946 (foi criado, em 1945, pela Carta das Nações Unidas), o TIJ, o principal órgão jurisdicional da Organização das Nações Unidas (ONU) está preparado para considerar, de forma ampla, as consequências dos maus-tratos infligidos ao povo palestiniano por Israel. Assim, “os governos que argumentam perante o TIJ deveriam destacar os graves abusos que as autoridades de Israel estão a cometer contra os Palestinianos, incluindo os crimes contra a Humanidade, de apartheid e de perseguição”, afirmou Clive Baldwin, consultor jurídico sénior da Human Rights Watch.  

Os procedimentos em referência decorrem do pedido da Assembleia Geral da ONU, de dezembro de 2022, para que o TIJ exare parecer consultivo sobre as consequências jurídicas das políticas e práticas de Israel no TPO. “O tribunal tem a oportunidade” escreve a Human Rights Watch, em comunicado divulgado a 16 de fevereiro, “de abordar a ocupação prolongada, de considerar as práticas e políticas de Israel que violam as proibições legais internacionais contra a discriminação racial, incluindo os crimes contra a Humanidade, [os crimes] do apartheid e da perseguição, e de avaliar as responsabilidades legais de outros países e da ONU para abordar as violações do direito internacional decorrente da ocupação”.

A Human Rights Watch vinca a importância destas audiências, frisando que o número de países e de organizações que se inscreveram para nelas participarem é o maior de qualquer outro caso desde que o mais alto tribunal do Mundo começou a funcionar. E, porque as responsabilidades da potência ocupante relativamente aos direitos da população ocupada aumentam ao longo do tempo, apela a Israel a que reconheça aos Palestinianos no território ocupado direitos, ao menos, iguais aos que reconhece aos seus cidadãos, além da observância do direito internacional.

Este procedimento é diferente do levado ao TIJ pela África do Sul a alegar que Israel está a violar a Convenção do Genocídio, no meio das hostilidades entre as forças israelitas e os grupos armados palestinianos, que aumentaram após o ataque do Hamas, a 7 de outubro de 2023.

A Assembleia Geral solicitara, em dezembro de 2003, ao TIJ parecer consultivo conexo com o TPO. E, em julho de 2004, o dito parecer concluía que a rota da barreira de separação de Israel violava o direito internacional, pelo que deveria ser desmantelada. Todavia, o pedido agora em análise é mais abrangente. O tribunal pronunciar-se-á sobre as consequências jurídicas decorrentes da contínua violação, por Israel, do direito do povo palestiniano à autodeterminação, da sua prolongada ocupação e anexação do TPO, incluindo a “adoção de legislação e de medidas discriminatórias relacionadas”, bem como sobre as consequências jurídicas da ocupação e das práticas de Israel para todos os Estados e para a ONU.

O TIJ julga disputas entre Estados e emite pareceres consultivos sobre o direito internacional, mas não tem jurisdição sobre a conduta de grupos armados não estatais (caso do Hamas). Já o Tribunal Penal Internacional (TPI) aborda crimes internacionais graves alegadamente cometidos por indivíduos e por grupos armados. E gabinete do procurador do TPI vem conduzindo, desde março de 2021, uma investigação sobre alegados crimes de atrocidades cometidos em Gaza e na Cisjordânia, desde 2014, pois o tribunal tem jurisdição sobre crimes internacionais cometidos por todas as partes nas hostilidades entre Israel, a Palestina e grupos armados.

O TIJ é composto por 15 juízes eleitos para um mandato de nove anos pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e tem dupla função: resolver, de acordo com o direito internacional, os litígios que lhe são submetidos pelos Estados; e emitir pareceres consultivos sobre questões jurídicas que lhe sejam submetidas por órgãos e por agências da ONU. Embora, no segundo caso, os pareceres consultivos do TIJ não sejam vinculativos, podem ter grande autoridade moral e jurídica e, em última análise, tornar-se parte do direito internacional consuetudinário, que é juridicamente vinculativo para os Estados.

Foram 57 os Estados e as organizações internacionais que apresentaram declaração escrita para este processo, em julho de 2023; e 15 Estados e organizações internacionais apresentaram comentários escritos adicionais, em outubro e novembro do mesmo ano. Entre os participantes nos processos orais, estão a Palestina, a África do Sul, a Bélgica, o Brasil, os Estados Unidos da América (EUA), a Rússia, a França, a China, a Namíbia, o Paquistão, a Indonésia, o Reino Unido, a Suíça e a União Africana. Já Israel apresentou uma declaração escrita, mas optou por não participar nas audiências orais. E o TIJ emitirá parecer jurídico em data a determinar, mas a prática usual sugere que será emitido antes do final de 2024.

***

Entretanto, é difícil a situação da comunidade cristã que permanece na Faixa de Gaza. Desde a intensificação do conflito, em outubro, morreram 30 cristãos na região: 17 vítimas de ataque à paróquia ortodoxa grega, onde há refugiados, duas mulheres assassinadas por franco-atiradores na paróquia católica da Sagrada Família, e 11, por doenças crónicas que não puderam ser tratadas. Com os cuidados médicos em níveis críticos, outros 10 cristãos estão em risco de não sobreviver por falta de tratamento, alertou a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), a 16 de fevereiro.

Um dos que não resistiram sofria de doença renal crónica, pelo que necessitava de diálise regular. Porém, como os hospitais da zona norte – onde se encontra a paróquia da Sagrada Família, que dá refúgio à maioria dos cristãos – deixaram de funcionar, teve de deslocar-se para sul, em busca de tratamento. No entanto, mercê ao aumento do número de ataques, os hospitais dessa parte de Gaza não puderam continuar a fornecer tratamentos, e o homem, de 48 anos, morreu sozinho, longe da mulher e dos filhos. Não lhe foi permitido regressar para se despedir da família e foi enterrado no sul, onde não há clero, nem um cemitério cristão.

“Apesar das dificuldades, um padre e sete religiosas de três congregações continuam a apoiar os cristãos que encontraram refúgio na paróquia católica da Sagrada Família”, informa a AIS, que, recordando que chegaram a estar 700 cristãos reunidos no complexo pertencente ao Patriarcado Latino de Jerusalém, assinala que o número diminuiu, nas últimas semanas, devido à migração e à morte. Atualmente, vivem no complexo paroquial 184 famílias – ao todo 560 cristãos (católicos e ortodoxos, incluindo 140 crianças com menos de 18 anos, das quais 60 com deficiência – e 84 pessoas acima dos 65 anos.

Muitos dos cristãos residentes com uma segunda nacionalidade deixaram a Faixa de Gaza, procurando segurança em países como o Egito, o Canadá e a Jordânia. Embora, no início, tenham resistido a partir, a situação dos últimos quatro meses obrigou-os a tomar essa decisão.

Os que permanecem refugiados podem sair do complexo, mas com precaução, pois a situação, que pode agravar-se, a qualquer momento, é muito arriscada. Qualquer movimento suspeito ou perigoso porá a sua vida em risco e poderá ser o último. Depois de quatro meses sob cerco, estão cansados e muitos estão doentes. A higiene tornou-se um problema grave, especialmente para as crianças, que adoecem, devido à falta de água e de produtos básicos, como farinha e fraldas. E é quase impossível obter energia: 20 litros de gasóleo custam 200 euros e só fornecem energia para os geradores durante duas horas.

Face a este cenário, que se agrava a cada hora, os que permanecem estão apreensivos quanto ao futuro da comunidade. De acordo com algumas agências internacionais e da ONU ativas no terreno, 62% das casas foram totalmente destruídas e a reconstrução durará até 2093. Com tudo isto, pergunta-se: “Que futuro têm os Cristãos no país? O que vai acontecer? Ninguém sabe. Por isso, pedem orações e que não se esqueça o sofrimento dos Cristãos naquela parte do Mundo.

***

A 13 de fevereiro, a Amnistia Internacional (AI) acusou Israel de ataques ilegais em Rafah, no território palestiniano da Faixa de Gaza, que provocaram “enorme número de vítimas civis, existindo um risco real de genocídio”. As “novas provas” recolhidas “demonstram como as forças israelitas continuam a desrespeitar o direito humanitário internacional, destruindo famílias inteiras com total impunidade”.

Em comunicado, a AI nota que morreram, “pelo menos, 95 civis (dos quais 42 crianças)” em quatro ataques ilegais em Rafah, que é uma província definida pelos Israelitas como “segura”.

De acordo com a organização, “mais de um milhão de pessoas [encontram-se] encurraladas numa área de 63 km2, na sequência de sucessivas vagas de deslocação em massa”. Esta operação – três ataques, em dezembro de 2023, após o fim da pausa humanitária, e em janeiro de 2024 – terá “consequências devastadoras”, advertiu a AI. “Há famílias inteiras dizimadas por ataques israelitas, depois de terem procurado refúgio em zonas consideradas seguras e sem qualquer aviso prévio por parte das autoridades israelitas. Estes ataques fazem parte de um padrão contínuo das forças israelitas, que viola, descaradamente, o direito internacional e contradiz as afirmações das autoridades do Estado de Israel de que estão a tomar precauções acrescidas para minimizar os danos causados aos civis”, sublinhou Erika Guevara-Rosas, diretora sénior de investigação, defesa, política e campanhas da AI.

Para a AI, “os quatro ataques são provavelmente ataques diretos contra civis e objetos civis e devem ser investigados como crimes de guerra”. A AI não encontrou indicação de que os edifícios residenciais atingidos pudessem ser considerados objetivos militares legítimos ou de que as pessoas que se encontravam nos edifícios fossem alvos militares. Ao invés, as provas recolhidas indicam que os militares israelitas não avisaram, pelo menos, de forma eficaz, as pessoas que viviam nos locais atingidos, antes de efetuarem os ataques. Tal como aconteceu com os outros ataques, as autoridades israelitas não apresentaram uma razão para este ataque.

As provas foram recolhidas em visitas aos locais dos quatro ataques, com captação de fotografias e vídeos da destruição e entrevistas a 18 pessoas, incluindo 14 sobreviventes e quatro familiares que participaram nas operações de salvamento. O Laboratório de Evidências de Crise da AI analisou imagens de satélite, fotografias e vídeos, para localizar geograficamente e verificar os ataques e a destruição resultante.

No referido comunicado, a AI da conta de “vários testemunhos aterradores de sobreviventes”.

Já morreram mais de 28 mil Palestinianos e mais de 60 mil ficaram feridos, desde o início da ofensiva israelita, há quatro meses, no meio de uma catástrofe humanitária sem precedentes. E a organização lembra que “as sucessivas vagas de deslocação em massa transformaram Rafah na zona mais sobrelotada da Faixa de Gaza” e que “a população desta província quintuplicou, em relação à população de antes da guerra”.

***

Foi, pois, com razão que as ruas de várias cidades de Portugal foram ocupadas, a 10 de fevereiro, por manifestantes, em iniciativa conjunta de dezenas de organizações almejando o fim do genocídio do povo palestiniano, o cessar-fogo permanente e a abertura de caminhos para a criação de um estado livre e independente. As exigências ao Estado português incluíam a pressão internacional para o cessar-fogo imediato; o fim de colaboração militar ou logística com Israelita; o apoio à queixa apresentada pela África do Sul no TIJ e à apresentada pelo México e pelo Chile no TPI, contra a agressão de Israel à Faixa de Gaza; e o reconhecimento imediato e incondicional, pelo Estado Português, do Estado da Palestina.

2024.02.16 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário