domingo, 11 de fevereiro de 2024

Autoridades de saúde do Alasca confirmam caso fatal de Alaskapox

As autoridades de saúde do Alasca confirmaram, a 9 de fevereiro, o primeiro caso fatal de varíola do Alasca, o Alaskapox, naquele Estado dos Estados Unidos da América (EUA) – doença viral recentemente descoberta, pode fazer lesão cerca de 10 dias após o início dos sintomas.

Segundo relata, o Anchorage Daily News, um idoso imunocomprometido da península de Kenai, ao sul de Anchorage, morreu durante o tratamento, no final de janeiro. E as autoridades de saúde dizem que a espécie recentemente descoberta do vírus de ADN (ácido desoxirribonucleico) de fita dupla, identificada no Alasca, em 2015, vem do mesmo género da varíola, da varíola dos macacos (Monkeypox) e da varíola bovina (Vaccinia). Ocorre, sobretudo, em pequenos mamíferos como ratazanas e musaranhos, incluindo a ratazana-de-dorso-vermelho do Norte. 

De acordo com um boletim da Seção de Epidemiologia do Alasca, do Departamento de Saúde Pública do Alasca, divulgado a 9 de fevereiro, que fornece informações sobre a morte, este homem é um dos sete casos de infeção relatados de varíola do Alasca, até ao momento.

No dizer das autoridades estaduais de saúde, o caso fatal, que levou meses a ser diagnosticado, é significativo, porque o Alaskapox só havia resultado em infeções leves e porque o caso foi relatado, pela primeira vez, fora da área de Fairbanks, a maior cidade do interior do Estado e a segunda maior de todo o Alasca, atrás apenas de Anchorage.

Até dezembro, os relatos de infeção envolviam uma doença relativamente leve, consistindo em erupção localizada, gânglios linfáticos inchados e dores articulares e/ou musculares. Nenhum dos infetados precisava de tratamento, mas todos tinham sistema imunológico saudável, segundo o chefe de epidemiologia do Alasca, Dr. Joe McLaughlin. Pode o estado imunocomprometido do homem ter contribuído para a gravidade da sua doença, dizem as autoridades.

O caso revela que o vírus pode estar mais difundido nos roedores e em outros pequenos animais do Alasca do que se pensava, o que levou a recomendações estatais para que os prestadores de cuidados de saúde se certifiquem de que conseguem reconhecer os sintomas.

“As pessoas não deveriam necessariamente estar preocupadas, mas sim mais conscientes”, disse Julia Rogers, epidemiologista estadual e coautora do boletim. “Portanto, esperamos conscientizar os médicos sobre o que é o vírus Alaskapox, para que possam identificar sinais e sintomas.”

As autoridades de saúde disseram que a atenção adicional deste caso pode aumentar o número de casos do vírus Alaskapox no Estado, à medida que mais pessoas reconheçam os sintomas e façam o teste. A causa do caso fatal permanece ainda obscura, segundo as autoridades.  

É possível que o homem, que morava sozinho em local remoto (numa floresta) e não viajara para nenhum lugar, tenha contraído o vírus de um gato de rua que caçava pequenos mamíferos e o arranhou próximo ao local onde começaram os primeiros sintomas, segundo o aludido boletim. O gato testou negativo para o vírus, mas poderia tê-lo carregado nas garras. O homem notou um inchaço vermelho sensível na axila, em setembro, pelo que recebeu prescrição de antibióticos, depois de procurar atendimento médico, várias vezes, ao longo de seis semanas, lê-se no boletim. Em meados de novembro, os sintomas passaram a incluir fadiga e dor. Foi hospitalizado na Península de Kenai e, depois, transferido para Anchorage, onde relatou sintomas cada vez mais urgentes e mais lesões semelhantes a varíola.

Uma “bateria de testes” – realizada pelos Centros de Controle de Doenças – deu resultado positivo para varíola bovina. O homem começou a melhorar cerca de uma semana após o tratamento com medicamentos intravenosos, mas faleceu, no final de janeiro, após apresentar insuficiência renal e outros declínios sistémicos.

As autoridades de saúde recomendam que qualquer pessoa com lesão a cubra com um curativo e relate quaisquer possíveis sintomas de varíola do Alasca a um médico. Os habitantes do Alasca devem praticar uma boa higiene, ao caçar e ao capturar animais de estimação que possam entrar em contacto com animais como ratazanas ou musaranhos.

Um residente da área de Fairbanks com Alaskapox relatou que o seu cachorro rolou em animais mortos. Porém, como disse o Dr. Joe McLaughlin, não está claro se o contacto com o cachorro foi a causa da infeção do paciente. Várias pessoas que, mais tarde, confirmaram positivo para Alaskapox, pensaram, inicialmente, que tinham picadas de aranha, disseram as autoridades, vincando a capacidade do vírus de passar despercebido pelo radar médico.

O boletim inclui nove recomendações, que vão desde exortar os habitantes do Alasca a usar práticas seguras em relação à vida selvagem até a clínicas que tomem medidas, para proteger pacientes e funcionários imunocomprometidos, ao lidar com o vírus.

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O novo vírus que pertence ao género dos causadores da varíola, os orthopoxvirus, alertou as autoridades científicas do Alasca, nos EUA, em 2015, após a identificação de segundo caso da doença infeciosa cuja origem intrigou cientistas em todo o Mundo, pensando-se que a doença seja transmitida por alguma espécie de roedor selvagem. Porém, tal espécie não estava identificada, assim como o modo como ocorria a contaminação.  

O primeiro sintoma da paciente diagnosticada, em agosto de 2020, foi uma lesão acinzentada no braço esquerdo, cercada por um eritema (inflamação ruborizada da pele). Em seguida, a mulher apresentou adenopatia (aumento dos gânglios linfáticos), dor no ombro, fadiga e febre noturna. Após seis semanas, a lesões curaram-se, mas ficou a cicatriz na área lesionada.

Os meios de transmissão despertaram curiosidade, pelo facto de a paciente não ter saído daquele Estado, nos últimos três anos, e de nenhum dos familiares próximos ter viajado para fora dos EUA. Outro fator importante é que ninguém do seu convívio mais próximo apresentou sintomas semelhantes aos dela, o que mostra não haver evidências de que o vírus possa proliferar por meio da contaminação de um ser humano para o outro.

Segundo as informações fornecidas pela imprensa americana, a família da paciente tinha dois gatos que capturavam pequenos roedores à volta da residência. Entretanto, a mulher afirmava que não teve contacto com nenhum desses animais mortos capturados. Já os filhos da mulher tinham o costume de levar para casa carcaças de esquilos que caçavam com arma de ar comprimido, facto que também levantava hipóteses sobre o caso.

Preocupadas com a contaminação, as autoridades de saúde da região analisaram objetos pessoais, para saber se a transmissão pode ter acontecido pelo contacto com algum item contaminado. No entanto, não foi encontrada nenhuma evidência. Além disso, pesquisas com mais de uma dezena de animais encontrados nas redondezas também não levantam nenhuma hipótese.

Esse foi o segundo caso notificado dessa nova e desconhecida doença, pois, o primeiro foi descoberto em 2015.  Desde então, a enfermidade recebeu o nome de Alaskapox (alusão ao nome, em Inglês, da varíola, Smallpox). Na ocasião, uma moradora da cidade de Fairbanks apresentou uma pequena úlcera de bordas esbranquiçadas cercada por eritema e teve febre e fadiga. Nesta situação, foram seis meses até que a lesão cicatrizasse. Em nenhum dos dois casos, as pacientes precisaram de ser internadas.

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Estes casos da saúde não estão desligados do contexto. A 12 de março de 2023, a CNN Portugal referiu que as temperaturas quentes no Ártico descongelam o permafrost – camada congelada de subsolo formada de gelo, de terra e de rochas –, podendo ativar vírus que, adormecidos durante dezenas de milhares de anos, põem em risco a saúde animal e humana. A pari, os resíduos químicos e radioativos, que remontam à Guerra Fria e têm o potencial de prejudicar a vida selvagem e perturbar os ecossistemas, podem ser libertados com o degelo.

permafrost cobre um quinto do Hemisfério Norte e esteve na base da tundra ártica e das florestas boreais do Alasca, do Canadá e da Rússia, durante milénios. É uma de cápsula do tempo a preservar – além de vírus antigos – restos mumificados de vários animais extintos que os cientistas desenterraram e estudaram, nos últimos anos, incluindo duas crias de leão das cavernas e um rinoceronte lanoso. O permafrost é bom meio de armazenamento, por ser frio e por, sendo livre de oxigénio, a luz não o penetrar. Mas, como as temperaturas no Ártico sobem mais do que no resto do planeta, enfraquecem a camada superior do permafrost na região.

A mostrar os riscos de vírus congelados, Jean-Michel Claverie, professor emérito de Medicina e de Genómica na Faculdade de Medicina da Universidade de Aix-Marseille, em Marselha, França, testou amostras de terra retiradas do permafrost siberiano, para ver se as suas partículas virais ainda são infeciosas. Buscando o que diz serem “vírus zombie”, achou alguns.

Claverie estuda um tipo específico de vírus que descobriu em 2003. São os vírus gigantes, muito maiores do que a variedade típica, e visíveis sob um microscópio de luz normal, em vez de um microscópio mais potente. Os seus esforços para detetar vírus congelados em permafrost foram parcialmente inspirados por uma equipa de cientistas russos que, em 2012, ressuscitou uma for selvagem de um pedaço de semente com 30 mil anos, achado na toca de um esquilo.

Em 2014, reanimou um vírus que ele e a sua equipa isolaram do permafrost, tornando-o infecioso, pela primeira vez em 30 mil anos, depois de inserido em células cultivadas. Por razões de segurança, estudou um vírus que só pode atingir amebas unicelulares, e não animais ou humanos.

Repetiu o feito em 2015. E, na última pesquisa, publicada em fevereiro de 2023, na revista Viruses, Claverie e a sua equipa isolaram várias estirpes de vírus antigos a partir de várias amostras de permafrost retiradas de sete locais diferentes da Sibéria, mostrando que cada uma pode infetar células de amebas cultivadas. Estas estirpes representam cinco novas famílias de vírus, para lá das duas que ressuscitara anteriormente. A mais antiga tinha quase 48.500 anos, com base na datação por radiocarbono do solo, e provinha de amostra de terra retirada de um lago subterrâneo, 16 metros abaixo da superfície; e as mais novas tinham 27 mil anos.

O facto de os vírus que infetam amebas serem infeciosos, após tanto tempo, é indicativo de um problema potencialmente maior, o de as pessoas não perceberem a possibilidade de vírus antigos voltarem à vida e constituírem ameaça à saúde pública. “Estão no permafrost. Não sabemos é se estão vivos e capazes de infetar os seus hospedeiros”, diz o cientista.

Uma amostra do pulmão de corpo de mulher exumado do permafrost numa aldeia da Península de Seward, no Alasca, tinha material genómico da estirpe de gripe responsável pela pandemia de 1918. Em 2012, os cientistas confirmaram que os restos mumificados com 300 anos de mulher enterrada na Sibéria tinham assinaturas genéticas do vírus que causa a varíola. E um surto de antraz na Sibéria que afetou dezenas de humanos e mais de duas mil renas, em julho-agosto de 2016, foi associado ao degelo mais profundo do permafrost em verões muito quentes, permitindo que esporos de Bacillus anthracis ressurgissem de antigos cemitérios ou de carcaças de animais.

Sem alarmismo, os cientistas sustentam que, se há vírus oculto no permafrost, não será suficiente a nossa defesa imunitária. Por isso, há que ser proativo e não só reativo. E uma forma de combater o medo é o conhecimento. Não se sabe quanto tempo os vírus permanecem infeciosos, se expostos às condições atuais, e nem todos são agentes patogénicos ou causadores de doença; alguns são benignos ou até benéficos para os seus hospedeiros. Além disso, o Ártico é, ainda, um local pouco povoado, pelo que é baixo o risco de exposição humana a vírus antigos. Contudo, para Claverie, “o risco tende a aumentar no contexto do aquecimento global.”

Em 2022, uma equipa de cientistas publicou um estudo sobre amostras de solo e de sedimentos lacustres retirados do Lago Hazen, lago de água doce do Canadá localizado no Círculo Polar Ártico. Sequenciou o material genético nos sedimentos para identificar as assinaturas virais e os genomas dos potenciais hospedeiros – plantas e animais – na área. E, utilizando uma análise de modelo computorizado, sugeriu que o risco de um vírus se espalhar para novos hospedeiros era maior em locais próximos de grandes quantidades de água derretida glacial a fluir para um lago – cenário mais provável à medida que o clima aquece.

A identificar vírus e outros perigos contidos no permafrost é o primeiro passo para compreender o risco que representam para o Ártico, considerou Kimberley Miner, do laboratório da NASA (National Aeronautics and Space Administration). Outros desafios são: quantificar lugares, tempos, rapidez e profundidade do descongelamento do permafrost. O degelo pode ser processo gradual de centímetros por década, ou acontecer mais rapidamente, como em grandes quedas de terra que podem expor, subitamente, camadas profundas e antigas de permafrost. O processo liberta metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera – fator negligenciado e subestimado das alterações climáticas.

Um artigo de Miner, publicado na revista cientifica Nature Climate Change, em 2021, catalogou perigos potenciais congelados no permafrost ártico, que incluem resíduos enterrados da extração de metais pesados e produtos químicos, como o pesticida DDT (dicloro-difenil-tricloroetano), proibido no início dos anos 2000. E tem sido despejado no Ártico material radioativo – pela Rússia e pelos EUA – desde os testes nucleares dos anos 1950.

“O degelo abrupto expõe rapidamente velhos horizontes de permafrost, libertando compostos e microrganismos sequestrados em camadas mais profundas”, observou Miner, que rotulou a infeção direta de humanos com patogénios antigos libertados do permafrost de “atualmente improvável”. Porém, Miner está reocupada com o que chamou “microrganismos de Matusalém” (nome derivado da figura bíblica com o maior tempo de vida). São organismos que podem trazer a dinâmica de ecossistemas antigos e extintos para o Ártico, com consequências desconhecidas.

O reaparecimento de microrganismos antigos, se alterar a composição do solo e o crescimento vegetativo, acelerará os efeitos das alterações climáticas. “Não sabemos ao certo como esses micróbios vão interagir com o ambiente moderno”, reconheceu Miner, para sentenciar: “O melhor curso de ação é tentar travar o degelo e a crise climática mais vasta, e manter estes perigos enterrados no permafrost para sempre.”

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É, pois, necessário prestar atenção ao corpo, cuidar da saúde e respeitar o ambiente. A Natureza não perdoa. As alterações climáticas estão aí e os seis efeitos já são visíveis!  

2024.02.11 – Louro de Carvalho

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