As autoridades de saúde do Alasca confirmaram, a 9 de
fevereiro, o primeiro caso fatal de varíola do Alasca, o Alaskapox, naquele
Estado dos Estados Unidos da América (EUA) – doença viral recentemente
descoberta, pode fazer lesão cerca de 10 dias após o início dos sintomas.
Segundo relata, o Anchorage
Daily News, um idoso imunocomprometido da península de Kenai, ao sul de
Anchorage, morreu durante o tratamento, no final de janeiro. E as autoridades
de saúde dizem que a espécie recentemente descoberta do vírus de ADN (ácido
desoxirribonucleico) de fita
dupla, identificada no Alasca, em 2015, vem do mesmo género da varíola, da
varíola dos macacos (Monkeypox) e da
varíola bovina (Vaccinia). Ocorre,
sobretudo, em pequenos mamíferos como ratazanas e musaranhos, incluindo a
ratazana-de-dorso-vermelho do Norte.
De acordo com um boletim da Seção de Epidemiologia do
Alasca, do Departamento de Saúde Pública do Alasca, divulgado a 9 de fevereiro,
que fornece informações sobre a morte, este homem é um dos sete casos de
infeção relatados de varíola do Alasca, até ao momento.
No dizer das autoridades estaduais de saúde, o caso
fatal, que levou meses a ser diagnosticado, é significativo, porque o Alaskapox
só havia resultado em infeções leves e porque o caso foi relatado, pela
primeira vez, fora da área de Fairbanks, a maior cidade do interior do Estado e a segunda maior de
todo o Alasca, atrás apenas de Anchorage.
Até dezembro, os relatos de infeção envolviam uma
doença relativamente leve, consistindo em erupção localizada, gânglios linfáticos
inchados e dores articulares e/ou musculares. Nenhum dos infetados precisava de
tratamento, mas todos tinham sistema imunológico saudável, segundo o chefe de
epidemiologia do Alasca, Dr. Joe McLaughlin. Pode o estado imunocomprometido do
homem ter contribuído para a gravidade da sua doença, dizem as autoridades.
O caso revela que o vírus pode estar mais difundido
nos roedores e em outros pequenos animais do Alasca do que se pensava, o que
levou a recomendações estatais para que os prestadores de cuidados de saúde se
certifiquem de que conseguem reconhecer os sintomas.
“As pessoas não deveriam necessariamente estar
preocupadas, mas sim mais conscientes”, disse Julia Rogers, epidemiologista
estadual e coautora do boletim. “Portanto, esperamos conscientizar os médicos
sobre o que é o vírus Alaskapox, para que possam identificar sinais e
sintomas.”
As autoridades de saúde disseram que a atenção
adicional deste caso pode aumentar o número de casos do vírus Alaskapox no Estado,
à medida que mais pessoas reconheçam os sintomas e façam o teste. A causa do
caso fatal permanece ainda obscura, segundo as autoridades.
É possível que o homem, que morava sozinho em local
remoto (numa floresta) e não viajara para nenhum lugar, tenha contraído o vírus
de um gato de rua que caçava pequenos mamíferos e o arranhou próximo ao local
onde começaram os primeiros sintomas, segundo o aludido boletim. O gato testou
negativo para o vírus, mas poderia tê-lo carregado nas garras. O homem notou um
inchaço vermelho sensível na axila, em setembro, pelo que recebeu prescrição de
antibióticos, depois de procurar atendimento médico, várias vezes, ao longo de
seis semanas, lê-se no boletim. Em meados de novembro, os sintomas passaram a
incluir fadiga e dor. Foi hospitalizado na Península de Kenai e, depois,
transferido para Anchorage, onde relatou sintomas cada vez mais urgentes e mais
lesões semelhantes a varíola.
Uma “bateria de testes” – realizada pelos Centros de
Controle de Doenças – deu resultado positivo para varíola bovina. O homem
começou a melhorar cerca de uma semana após o tratamento com medicamentos
intravenosos, mas faleceu, no final de janeiro, após apresentar insuficiência
renal e outros declínios sistémicos.
As autoridades de saúde recomendam que qualquer pessoa
com lesão a cubra com um curativo e relate quaisquer possíveis sintomas de
varíola do Alasca a um médico. Os habitantes do Alasca devem praticar uma boa
higiene, ao caçar e ao capturar animais de estimação que possam entrar em contacto
com animais como ratazanas ou musaranhos.
Um residente da área de Fairbanks com Alaskapox
relatou que o seu cachorro rolou em animais mortos. Porém, como disse o Dr. Joe
McLaughlin, não está claro se o contacto com o cachorro foi a causa da infeção
do paciente. Várias pessoas que, mais tarde, confirmaram positivo para
Alaskapox, pensaram, inicialmente, que tinham picadas de aranha, disseram as
autoridades, vincando a capacidade do vírus de passar despercebido pelo radar
médico.
O boletim inclui nove recomendações, que vão desde
exortar os habitantes do Alasca a usar práticas seguras em relação à vida
selvagem até a clínicas que tomem medidas, para proteger pacientes e
funcionários imunocomprometidos, ao lidar com o vírus.
***
O novo vírus
que pertence ao género dos causadores da varíola, os orthopoxvirus,
alertou as autoridades científicas do Alasca, nos EUA, em 2015, após a
identificação de segundo caso da doença infeciosa cuja origem intrigou
cientistas em todo o Mundo, pensando-se que a doença seja transmitida por alguma
espécie de roedor selvagem. Porém, tal espécie não estava identificada, assim
como o modo como ocorria a contaminação.
O primeiro
sintoma da paciente diagnosticada, em agosto de 2020, foi uma lesão acinzentada
no braço esquerdo, cercada por um eritema (inflamação ruborizada da pele). Em
seguida, a mulher apresentou adenopatia (aumento dos gânglios linfáticos), dor
no ombro, fadiga e febre noturna. Após seis semanas, a lesões curaram-se, mas
ficou a cicatriz na área lesionada.
Os meios de
transmissão despertaram curiosidade, pelo facto de a paciente não ter saído
daquele Estado, nos últimos três anos, e de nenhum dos familiares próximos ter viajado
para fora dos EUA. Outro fator importante é que ninguém do seu convívio mais
próximo apresentou sintomas semelhantes aos dela, o que mostra não haver evidências
de que o vírus possa proliferar por meio da contaminação de um ser humano para
o outro.
Segundo as
informações fornecidas pela imprensa americana, a família da paciente tinha dois
gatos que capturavam pequenos roedores à volta da residência. Entretanto, a
mulher afirmava que não teve contacto com nenhum desses animais mortos
capturados. Já os filhos da mulher tinham o costume de levar para casa carcaças
de esquilos que caçavam com arma de ar comprimido, facto que também levantava
hipóteses sobre o caso.
Preocupadas
com a contaminação, as autoridades de saúde da região analisaram objetos
pessoais, para saber se a transmissão pode ter acontecido pelo contacto com
algum item contaminado. No entanto, não foi encontrada nenhuma evidência. Além
disso, pesquisas com mais de uma dezena de animais encontrados nas redondezas
também não levantam nenhuma hipótese.
Esse foi o
segundo caso notificado dessa nova e desconhecida doença, pois, o primeiro foi
descoberto em 2015. Desde então, a enfermidade recebeu o nome de
Alaskapox (alusão ao nome, em Inglês, da varíola, Smallpox). Na ocasião, uma
moradora da cidade de Fairbanks apresentou uma pequena úlcera de bordas
esbranquiçadas cercada por eritema e teve febre e fadiga. Nesta situação, foram
seis meses até que a lesão cicatrizasse. Em nenhum dos dois casos, as pacientes
precisaram de ser internadas.
***
Estes casos
da saúde não estão desligados do contexto. A 12 de março de 2023, a CNN Portugal referiu que as temperaturas
quentes no Ártico descongelam o permafrost – camada congelada de
subsolo formada de gelo, de terra e de rochas –, podendo ativar vírus que, adormecidos
durante dezenas de milhares de anos, põem em risco a saúde animal e humana. A pari, os resíduos químicos e
radioativos, que remontam à Guerra Fria e têm o potencial de prejudicar a vida
selvagem e perturbar os ecossistemas, podem ser libertados com o degelo.
O permafrost cobre
um quinto do Hemisfério Norte e esteve na base da tundra ártica e das florestas
boreais do Alasca, do Canadá e da Rússia, durante milénios. É uma de cápsula do
tempo a preservar – além de vírus antigos – restos mumificados de vários animais
extintos que os cientistas desenterraram e estudaram, nos últimos anos,
incluindo duas crias de leão das cavernas e um rinoceronte lanoso. O permafrost é bom meio de
armazenamento, por ser frio e por, sendo livre de oxigénio, a luz não o penetrar.
Mas, como as temperaturas no Ártico sobem mais do que no resto do planeta, enfraquecem
a camada superior do permafrost na região.
A mostrar os
riscos de vírus congelados, Jean-Michel Claverie, professor emérito de Medicina
e de Genómica na Faculdade de Medicina da Universidade de Aix-Marseille, em
Marselha, França, testou amostras de terra retiradas do permafrost siberiano,
para ver se as suas partículas virais ainda são infeciosas. Buscando o que diz
serem “vírus zombie”, achou alguns.
Claverie estuda
um tipo específico de vírus que descobriu em 2003. São os vírus gigantes, muito
maiores do que a variedade típica, e visíveis sob um microscópio de luz normal,
em vez de um microscópio mais potente. Os seus esforços para detetar vírus
congelados em permafrost foram parcialmente inspirados por
uma equipa de cientistas russos que, em 2012, ressuscitou uma for selvagem de
um pedaço de semente com 30 mil anos, achado na toca de um esquilo.
Em 2014,
reanimou um vírus que ele e a sua equipa isolaram do permafrost,
tornando-o infecioso, pela primeira vez em 30 mil anos, depois de inserido em
células cultivadas. Por razões de segurança, estudou um vírus que só pode
atingir amebas unicelulares, e não animais ou humanos.
Repetiu o
feito em 2015. E, na última pesquisa, publicada em fevereiro de 2023, na
revista Viruses, Claverie e a sua equipa
isolaram várias estirpes de vírus antigos a partir de várias amostras de permafrost retiradas
de sete locais diferentes da Sibéria, mostrando que cada uma pode infetar
células de amebas cultivadas. Estas estirpes representam cinco novas famílias
de vírus, para lá das duas que ressuscitara anteriormente. A mais antiga tinha
quase 48.500 anos, com base na datação por radiocarbono do solo, e provinha de amostra
de terra retirada de um lago subterrâneo, 16 metros abaixo da superfície; e as
mais novas tinham 27 mil anos.
O facto de os
vírus que infetam amebas serem infeciosos, após tanto tempo, é indicativo de um
problema potencialmente maior, o de as pessoas não perceberem a possibilidade
de vírus antigos voltarem à vida e constituírem ameaça à saúde pública. “Estão no
permafrost. Não sabemos é se estão vivos e capazes de infetar os seus hospedeiros”,
diz o cientista.
Uma amostra
do pulmão de corpo de mulher exumado do permafrost numa
aldeia da Península de Seward, no Alasca, tinha material genómico da estirpe de
gripe responsável pela pandemia de 1918. Em 2012, os cientistas confirmaram que
os restos mumificados com 300 anos de mulher enterrada na Sibéria tinham
assinaturas genéticas do vírus que causa a varíola. E um surto de antraz na
Sibéria que afetou dezenas de humanos e mais de duas mil renas, em julho-agosto
de 2016, foi associado ao degelo mais profundo do permafrost em
verões muito quentes, permitindo que esporos de Bacillus anthracis ressurgissem de antigos cemitérios ou de carcaças
de animais.
Sem alarmismo,
os cientistas sustentam que, se há vírus oculto no permafrost, não
será suficiente a nossa defesa imunitária. Por isso, há que ser proativo e não
só reativo. E uma forma de combater o medo é o conhecimento. Não se sabe quanto
tempo os vírus permanecem infeciosos, se expostos às condições atuais, e nem todos
são agentes patogénicos ou causadores de doença; alguns são benignos ou até
benéficos para os seus hospedeiros. Além disso, o Ártico é, ainda, um local
pouco povoado, pelo que é baixo o risco de exposição humana a vírus antigos.
Contudo, para Claverie, “o risco tende a aumentar no contexto do aquecimento
global.”
Em 2022, uma
equipa de cientistas publicou um estudo sobre amostras de solo e de sedimentos
lacustres retirados do Lago Hazen, lago de água doce do Canadá localizado no
Círculo Polar Ártico. Sequenciou o material genético nos sedimentos para
identificar as assinaturas virais e os genomas dos potenciais hospedeiros –
plantas e animais – na área. E, utilizando uma análise de modelo computorizado,
sugeriu que o risco de um vírus se espalhar para novos hospedeiros era maior em
locais próximos de grandes quantidades de água derretida glacial a fluir para
um lago – cenário mais provável à medida que o clima aquece.
A identificar
vírus e outros perigos contidos no permafrost é o primeiro
passo para compreender o risco que representam para o Ártico, considerou Kimberley Miner, do laboratório da NASA (National Aeronautics and Space Administration). Outros desafios são: quantificar
lugares, tempos, rapidez e profundidade do descongelamento do permafrost.
O degelo pode ser processo gradual de centímetros por década, ou acontecer mais
rapidamente, como em grandes quedas de terra que podem expor, subitamente,
camadas profundas e antigas de permafrost. O processo liberta
metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera –
fator negligenciado e subestimado das alterações climáticas.
Um artigo de
Miner, publicado na revista cientifica Nature
Climate Change, em 2021, catalogou perigos potenciais congelados no permafrost ártico,
que incluem resíduos enterrados da extração de metais pesados e produtos químicos,
como o pesticida DDT (dicloro-difenil-tricloroetano),
proibido no início dos anos 2000. E tem sido despejado no Ártico material
radioativo – pela Rússia e pelos EUA – desde os testes nucleares dos anos 1950.
“O degelo
abrupto expõe rapidamente velhos horizontes de permafrost,
libertando compostos e microrganismos sequestrados em camadas mais profundas”,
observou Miner, que rotulou a infeção direta de humanos com patogénios antigos
libertados do permafrost de “atualmente improvável”. Porém,
Miner está reocupada com o que chamou “microrganismos de Matusalém” (nome
derivado da figura bíblica com o maior tempo de vida). São organismos que podem
trazer a dinâmica de ecossistemas antigos e extintos para o Ártico, com
consequências desconhecidas.
O
reaparecimento de microrganismos antigos, se alterar a composição do solo e o
crescimento vegetativo, acelerará os efeitos das alterações climáticas. “Não
sabemos ao certo como esses micróbios vão interagir com o ambiente moderno”, reconheceu
Miner, para sentenciar: “O melhor curso de ação é tentar travar o degelo e a
crise climática mais vasta, e manter estes perigos enterrados no permafrost para
sempre.”
***
É, pois,
necessário prestar atenção ao corpo, cuidar da saúde e respeitar o ambiente. A
Natureza não perdoa. As alterações climáticas estão aí e os seis efeitos já são
visíveis!
2024.02.11 –
Louro de Carvalho
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