segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Sem homens e sem armas, chefe militar da Ucrânia enfrenta desafios

 

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, decidiu mudar a liderança militar do país, com a demissão, a 8 de fevereiro, do chefe das forças armadas, general Valeriy Zaluzhnyi – que era apenas o comandante das forças terrestres –, e com a sua substituição pelo general Oleksandr Syrskyi, decisão que está a ser muito contestada no país.

Após meses de especulação sobre possível relação tensa entre Zelensky e Zaluzhnyi, o chefe de Estado afastou de Kiev este general, popular no país, mas ressalvou que deverá “permanecer na sua equipa”. Esta mudança de peso ocorreu numa altura em que Zelensky reiterou que quer infligir “perdas sistemáticas” às forças russas, neste ano. A decisão está, contudo, a ser criticada pelos principais partidos da oposição, sustentando que se trata “de um grande erro”, que não será entendido nem pela comunidade internacional, nem pela sociedade ucraniana. E Vitali Klichko, presidente da Câmara de Kiev, atirou: “Espero que as autoridades justifiquem estas mudanças perante a sociedade.”

Entretanto, a 9 de fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, em longa entrevista ao jornalista americano Tucker Carlson, a primeira concedida a um jornalista ocidental, desde o início da guerra, disse que é “impossível” uma derrota russa na Ucrânia e garantiu que “não tem interesse” em invadir a Polónia, a Letónia ou outro país da Aliança Atlântica – Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO) –, e que só o faria, se esta atacasse o território russo.

Quanto à situação no terreno, a Rússia disse ter neutralizado 19 drones ucranianos em quatro regiões, que teriam como alvo infraestruturas energéticas no país.

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A Troca de comando surge num momento crítico da guerra com a Rússia e, provavelmente, significará uma arriscada mudança na estratégia ucraniana.

O homem que liderou as forças armadas da Ucrânia, durante dois anos, perdeu esse emprego, após 10 dias de boatos e de especulações – e meses de relacionamento desgastado. Porém, Zelensky disse que teve com Zaluzhnyi uma “discussão franca sobre o que precisa de ser mudado no exército: mudanças urgentes.” E referiu que “o sentimento de estagnação nas zonas do Sul e as dificuldades nos combates na região de Donetsk afetaram o ânimo da população”.

A remoção de Zaluzhnyi de comandante-chefe sucede quando estão as unidades ucranianas em desvantagem em várias partes da longa linha da frente, especialmente nas regiões orientais de Donetsk e Kharkiv, carentes de cartuchos e de outras munições e de soldados experientes. Ao mesmo tempo, a máquina de guerra russa funciona a todo vapor e tem um conjunto de homens muito maior do que a Ucrânia, para reabastecer as suas linhas. Além disso, a Rússia contorna as sanções internacionais e as suas receitas petrolíferas ajudam a financiar a guerra.

De acordo com uma pesquisa recente na Ucrânia, os que acreditam que os acontecimentos vão na direção errada aumentaram de 16%, em maio de 2022, para 33%, em dezembro de 2023. O clima do público é realmente mais sombrio.

É improvável que Syrskyi proporcione mudança radical de estilo, mas pensa-se que esteja mais próximo de Zelensky. Esteve no comando das forças terrestres desde a invasão russa, mas foi criticado por estender a defesa de Bakhmut com grande custo humano. Os subordinados descrevem-no como carente de empatia e alguns soldados chamam-no de “General 200” (200 é o código militar para mortos em combate). Porém, segundo Matthew Schmidt, diretor do programa de Assuntos Internacionais da Universidade de New Haven, em Connecticut, “é visto como uma escolha consensual”. Dizem que é muito soviético, ou seja, sem imaginação, mas capaz, que não aceita bem verdades incómodas – algo que Zaluzhnyi fez – e que “é o melhor do pior tipo de general.”

Schmidt diz que há poucas opções no momento. “Talvez seja uma fase da guerra em que uma escolha segura seja a atitude certa.” As tarefas mais urgentes de Syrskyi serão estabilizar as linhas da frente, reabastecer as tropas esgotadas de algumas das melhores brigadas da Ucrânia, acelerar a chegada de munições ocidentais às linhas da frente e lidar com a situação até que isso aconteça. Deve pensar a ênfase a pôr em ataques de longo alcance contra infraestruturas russas, tais como depósitos de combustível e bases militares, integração de aeronaves de combate F-16 em planos de batalha e o rápido desenvolvimento da geração de sistemas não tripulados.

Face aos constantes ataques russos em torno de Avdiivka e de Kupyansk, “a primeira prioridade é garantir manter a atual linha de contacto”, diz Schmidt, vincando que “a fraqueza tática de Putin não significa que não possa matar milhares dos seus soldados, na tentativa de tomar porções significativas de território”, tendo qualquer chefe de gabinete de respeitar esse risco.

Unidades da linha de frente em diversas áreas vulneráveis ​​disseram à CNN que tinham crónica falta de munições, sobretudo de projéteis de artilharia ocidentais de 155 mm. Numa posição de canhão, as tropas foram reabastecidas com cartuchos de fumaça, após esgotarem as suas munições altamente explosivas. “É melhor do que não ter projéteis”, disse um soldado.

O chefe da Inteligência Militar Ucraniana, tenente-general Kyrylo Budanov, disse à CNN, no final de janeiro, que a munição é um dos fatores mais decisivos. Com o pacote de ajuda militar de 61 mil milhões de dólares da administração Biden bloqueado no Congresso, os Estados Unidos da América (EUA) têm enviado pacotes mais pequenos, e a desaceleração começou a afetar o planeamento e as operações militares ucranianas. E Schmidt defende que a prioridade é enviar projéteis de artilharia para a frente, para impedir que os Russos explorem a pausa na ajuda dos EUA. Cada projétil de artilharia disponível para disparar torna menos necessária a infantaria para manter a linha.

Desobstruir o caminho de ajuda militar dos EUA e aumentar a produção europeia de munições são prioridades críticas, se a Ucrânia quer passar da posição de espera para uma reação. A União Europeia (UE) reconhece ficar muito aquém do objetivo de produzir um milhão de munições de artilharia para a Ucrânia, até março, estimando que o número será cerca de metade desse valor. Dmytro Kuleba, ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, disse é de granadas que o soldado na frente de batalha mais precisa. Sempre assim foi, é e será. “O principal objetivo é garantir que a escassez de granadas nunca se transforme em ausência de granadas, disse.

A reserva de mão-de-obra da Rússia é, pelo menos, três vezes maior do que a da Ucrânia. Budanov disse à CNN do que as forças russas dentro e perto do território ucraniano “consistem apenas em 510 mil militares”. As unidades mais profissionais da Ucrânia estão exaustas por dois anos de combate ininterrupto, com as suas fileiras reduzidas por baixas. A infantaria está dramaticamente desfalcada. A Ucrânia não refere números, mas os EUA estimam que cerca de 70 mil soldados ucranianos foram mortos e quase o dobro desse número ficaram feridos.

A escala e a velocidade da mobilização adicional na Ucrânia é questão política espinhosa e fonte do conflito entre Zelensky e Zaluzhnyi, que disse que os militares precisavam de mais meio milhão de soldados e criticou lacunas na legislação que permitem aos cidadãos fugir às suas responsabilidades. Para a CNN, Zaluzhnyi escreveu: “Devemos reconhecer a vantagem significativa desfrutada pelo inimigo na mobilização de recursos humanos e como isso se compara com a incapacidade das instituições estatais na Ucrânia de melhorar os níveis de mão-de-obra das nossas forças armadas sem o uso de medidas impopulares.”

Um projeto de lei aprovado no parlamento reduziria a idade mínima para o recrutamento de 27 para 25 anos (o que Zelensky não assinou em 2023) e introduziria punições severas para pessoas que desrespeitassem as regras de mobilização. Os cidadãos em idade militar seriam obrigados a trazer consigo os documentos de registo militar.

Versão mais ambiciosa do projeto foi retirada no meio de críticas públicas, restando saber se a nova medida é eficaz na resolução de deficiências graves. Zelensky está preocupado com a capacidade do governo de pagar exército permanente maior (o salário da linha da frente é seis vezes o salário médio ucraniano, de três mil dólares por mês) e com risco político. A população continua comprometida com a luta, como se vê nas pesquisas de opinião, mas está exausta.

Zaluzhnyi argumentou que, dada a maior reserva de mão-de-obra e blindados da Rússia, a Ucrânia precisa de mudança radical na sua tecnologia de campo de batalha: por exemplo, drones mais sofisticados e outros sistemas não tripulados forneceriam inteligência em tempo real e informações precisas sobre alvos. E sugeriu que a aceleração desse investimento, bem como a adoção da tecnologia cibernética, poderia produzir resultados dentro de cinco meses. Os Russos continuam a cometer erros, mas aprendem e adaptam-se, sobretudo, na exploração de drones de ataque e de reconhecimento e na guerra eletrónica.

Budanov disse à CNN que os russos seguira as ‘lições aprendidas’ e tiraram as suas conclusões. O número de sistemas não tripulados de todos os tipos, incluindo sistemas terrestres e assim por diante, aumentou significativamente.

Soldados ucranianos que defendem os céus ao redor da capital, Kiev, dizem que os Russos utilizam novas camuflagens, rotas de voo enganosas e inovações de engenharia, para tornar os seus drones e mísseis mais difíceis de derrubar; e exploram a tecnologia de planagem, para lançar bombas aéreas com maior precisão, uma das razões pelas quais a ofensiva ucraniana no sul fracassou no verão de 2023. Por isso, a Ucrânia tem de aumentar as suas tecnologias, como reconheceu Zelensky, no discurso em que anunciou a mudança de liderança. A indústria doméstica de drones, em expansão, é fundamental nesse esforço e já está a mostrar resultados.

Drones de primeira pessoa, ou FPV, implantados na área de Avdiivka tiveram efeito devastador nas tentativas russas de cercar a cidade, infligindo pesadas perdas a tanques e veículos de munições. São meios muito mais baratos, mas não menos eficazes, de destruir equipamento e pessoal inimigos do que os sistemas de mísseis antitanque e munições de artilharia.

A introdução dos F-16, prevista, no mínimo, para esse semestre, minará a vantagem dos Russos nos céus, mas o objetivo de Zaluzhnyi de obter a superioridade aérea absoluta para permitir à Ucrânia partir para a ofensiva parece distante. Integrar os novos aviões de combate numa estratégia de batalha global será tarefa crítica para Syrskyi.

Uma área em que os Ucranianos têm tido sucesso é a extensão dos ataques contra infraestruturas militares russas, ligações de transportes e refinarias, até lugares tão distantes como São Petersburgo e o extremo oriente russo. O recente ataque de drones ou veículos aéreos não tripulados a uma refinaria em Volgogrado foi a última vitória de uma série de ataques direcionados. Mais significativo ainda, e apesar de praticamente não ter marinha própria, as operações especiais dirigidas por Budanov e o Serviço de Segurança (SBU) “permitiram à Ucrânia reprimir a frota russa do Mar Negro, no porto, ao mesmo tempo que destruiu múltiplas defesas aéreas e locais de munição na Crimeia”, de acordo com o Instituto Naval dos EUA.

A Ucrânia foi pioneira no desenvolvimento de drones marítimos, para destruir vários navios de guerra da frota do Mar Negro. Drones aéreos, mísseis e operações de sabotagem perturbaram a logística russa. Precisam de interditar as linhas de abastecimento da Rússia na Ucrânia e de fazer com que o público russo sinta a guerra na vida quotidiana. Se Putin tiver de movimentar recursos para proteger a sua retaguarda, significa ter menos para atacar.

Ao longo de 2023, o otimismo entre os aliados e os comandantes da linha da frente da Ucrânia deu lugar a clima mais sombrio. A avaliação sombria de Zaluzhnyi, em dezembro, foi que “provavelmente não haverá um avanço profundo e bonito”, um comentário que não o tornou querido pela presidência. A exaustão interna, as disputas entre aliados (UE vs Hungria) e a paralisação no Congresso dos EUA contribuem para a perspetiva sombria, mas Putin  ficou animado com a hipótese de Donald Trump voltar à Casa Branca.

Ocupar o lugar de Zaluzhnyi não será fácil. Mick Ryan, um general australiano reformado que visitou a Ucrânia e se reuniu com funcionários do alto escalão, descreve-o como um “líder militar carismático e popular”. “É uma figura heroica – é impossível desvalorizar as suas conquistas”, disse à CNN um soldado que luta em Zaporizhzhia.

Syrskyi tem as suas próprias conquistas, especialmente a defesa de Kiev, nos primeiros dias, e a ofensiva relâmpago que recuperou áreas de Kharkiv, em setembro de 2022. Mas o conflito mudou grandemente, desde então. No futuro imediato, a liderança ucraniana deve mostrar unidade, após transição confusa. Myhailo Podolyak, conselheiro do gabinete do presidente, disse que “durante uma guerra, a competição política, especialmente ao nível do exército, dos generais e dos políticos, não parece tão boa”. E incutir novo sentido de propósito é tanto mais importante quanto a Ucrânia enfrenta uma janela de vulnerabilidade. Como diz Matthew Schmidt, Putin “pode atirar corpos ao inimigo, usando a quantidade russa para superar a qualidade ucraniana” – uma abordagem estalinista do campo de batalha que “está incorporada na cultura estratégica russa”.

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Enfim, embora em impasse, a guerra está para durar. E o Congresso dos EUA terá de continuar a disponibilizar pacotes de apoio.

2024.02.11 – Louro de Carvalho

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