sábado, 17 de fevereiro de 2024

Morreu Alexei Navalny, principal opositor de Vladimir Putin

 

Após anos de perseguição política pelos próceres do Estado russo, morreu, aos 47 anos de idade, na prisão, a 16 de fevereiro, Alexei Navalny, a principal figura da oposição silenciada. Estava preso, no país, desde que decidiu regressar à Rússia, em 2021, a partir da Alemanha, onde estava exilado e a ser tratado de um envenenamento de que tinha sido vítima.

A morte de Navalny, cuja causa está por apurar, surge a menos de um mês das eleições que darão ao presidente Vladimir Putin mais seis anos no poder.

Segundo o comunicado do Serviço Prisional Federal, Navalny sentiu-se mal, depois de um passeio, e perdeu a consciência. Foi chamada uma ambulância, que não o conseguiu reanimar, tendo acabado por morrer. Isto sucedeu na colónia penal da cidade de Kharp, na região de Yamalo-Nenets, perto do Ártico, a cerca de 1.900 quilómetros a nordeste de Moscovo.

Antes e depois da tentativa de assassinato por envenenamento, em 2020, foi o principal instigador de várias manifestações contra o regime de Vladimir Putin. Em 2013, já visto como principal opositor do presidente russo, foi candidato a presidente da Câmara de Moscovo, mas ficou segundo lugar. Em 2018, foi impedido de se candidatar às eleições presidenciais.

Autor de vários documentários sobre a corrupção na Rússia, liderava a Fundação Anticorrupção e o partido Rússia do Futuro. Foi detido, várias vezes, pelas autoridades.

Após o regresso à Rússia, em 2021, foi condenado a 19 anos de prisão por “extremismo” e, nesse mesmo ano, galardoado com o Prémio Sakharov, do Parlamento Europeu (PE).

Face ao veredito de prisão, Navalny disse que compreendia que estava “a cumprir uma pena de prisão perpétua, que é medida pela duração da minha vida ou pela duração da vida deste regime”.

O Comité de Investigação da Rússia abriu já um inquérito à sua morte de, mas nunca fez inquérito sobre o seu envenenamento ou, pelo menos, nunca publicou os resultados.

Nas palavras de um funcionário da UE, Navalny foi “lentamente morto” na prisão.

A equipa do opositor, alegando não ter ainda recebido uma confirmação oficial, enviou o advogado de Navalny para a região onde alegadamente morreu.

***

Como foi referido, Navalny era visto como o mais feroz adversário político do presidente russo, Vladimir Putin, e a maior ameaça ao seu domínio do poder.

Foi galardoado com o Prémio Sakharov, do PE, pela liberdade de pensamento, em 2021, pela sua luta incansável contra a corrupção e contra os abusos dos direitos humanos na Rússia, apesar de várias tentativas do Kremlin de o ameaçar, o torturar e o envenenar.

A sua filha Daria Navalnaya, que recebeu o prémio, enquanto o pai cumpria pena de prisão numa colónia de trabalho forçado russo, transmitiu a seguinte mensagem ao PE, em nome dele: “Diz-se que ninguém pode ousar desafiar o regime de Putin. A Rússia é uma parte da Europa. Esforçamo-nos para nos tornar parte dela. […] Mas também queremos que a Europa se esforce por si mesma, por essas ideias incríveis, que estão no seu cerne. Nós lutamos por uma Europa de ideias, a celebração dos direitos humanos, a democracia e a integridade.”

Em 2020, Navalny foi evacuado com urgência de um hospital siberiano para a Alemanha, onde foi tratado depois de ser envenenado com um agente nervoso do tipo Novichok.

Apesar da aparente tentativa de assassinato pelo regime russo, Navalny retornou à Rússia em 2021, onde foi condenado a 19 anos de prisão efetiva numa colónia penal sob a acusação de extremismo. Inicialmente, cumpria a sentença numa prisão no centro da Rússia, mas foi transferido, em 2023, para a colónia penal de “regime especial” acima do Círculo Polar do Ártico.

***

As reações internacionais à sua morte não tardaram. Ao invés, o trágico desaparecimento desta proeminente figura da oposição silenciada da Rússia concitou a condenação internacional de Vladimir Putin.

A União Europeia (UE), que saúda, há muito, a luta inabalável de Navalny pela democracia russa, já havia tentado exercer pressão sobre o Kremlin pela repressão sistemática dos críticos do governo. Agora, os líderes da UE culpam da sua morte – que abalou Bruxelas e as capitais da União – “a Rússia de Putin”.

Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, diz que a União Europeia (UE) “considera o regime russo [exclusivamente] responsável por essa morte trágica”, ou seja, aponta o Kremlin como responsável pela morte do opositor. Porém, assegura que “os lutadores morrem, mas a luta pela liberdade nunca morre”.

As palavras de Charles Michel foram replicadas por Joseph Borrel, o alto representante da UE para assuntos externos, que disse: “Vamos ser claros: esta é a única responsabilidade de Putin.” De acordo com um alto-funcionário do gabinete liderado por Borrell, “todo o bloco europeu considerou a Rússia de Putin diretamente responsável pela morte de Navalny”.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, mostrou-se “profundamente perturbada” com a notícia. “Uma lembrança sombria do que Putin e seu regime são capazes”, vincou.

A presidente do PE, na plataforma X, que “a Rússia tirou a liberdade e a vida [a Navalny], mas não a sua dignidade”, disse Roberta Metsola.

De Portugal, a reação ao desaparecimento do opositor político de Putin veio de João Gomes Cravinho. O ministro dos Negócios Estrangeiros também culpou Putin pela sua morte.
O presidente da Lituânia, Gitanas Nausėda reforçou as palavras de Roberta Metsola, ao referir que Navalny foi morto pela “brutalidade do Kremlin”, que tinha como “objetivo silenciar a oposição a qualquer custo”.
“A morte de Alexei Navalny é mais uma sombria lembrança do regime desonesto com o qual estamos a lidar – a Rússia e todos os responsáveis devem ser responsabilizados por cada um de seus crimes”, frisou Kaja Kallas, primeira-ministra da Estónia, que foi recentemente colocada na lista dos mais ‘procurados’ pelo Kremlin, sob acusações que Moscovo afirma estarem relacionadas com a memória histórica.
“O regime de Putin prendeu e, agora, torturou até à morte um dos últimos símbolos da democracia na Rússia”, disse a primeira-ministra da Letónia, Evika Silina, que atirou: “Peço à Rússia que pare de reprimir a oposição política e liberte todos os presos políticos.”.
Os três Estados bálticos da EU, firme e unanimemente, apoiam Kiev, apelaram a medidas severas da UE contra a Rússia para a sua guerra na Ucrânia e repressão no seu país, e condenam Putin por esta morte.  

O presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Joe Biden, considerou que Washington não sabe exatamente o que aconteceu, mas sustenta que “não há dúvida de que a morte de Navalny foi uma consequência de algo que Putin e os seus capangas fizeram”. Navalny “poderia ter vivido em segurança no exílio”, mas regressou a casa, apesar de saber que poderia ser preso ou morto, “porque acreditava profundamente no seu país, a Rússia”, vincou.

Na Alemanha, o chanceler Olaf Scholz disse que Navalny, “provavelmente, pagou por essa coragem com a sua vida”.

Este acontecimento mostra “que a sentença na Rússia, agora, para a oposição, não é apenas a prisão, mas a morte”, disse Nigel Gould-Davies, ex-embaixador britânico na Bielorrússia e membro sénior da Rússia e Eurásia no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos em Londres.

***

Embora não espante o silenciamento das oposições políticas e a morte misteriosa de opositores em regimes totalitários, estranha-se e lamenta-se o que se passa com opositores russos de projeção internacional. São envenenados, caem de avião, caem a caminhar e ficam inconscientes ou há qualquer outro acidente – tudo factos que ninguém parece interessado em explicar.

Desta feita, como não bastassem as circunstâncias misteriosas em que a morte ocorreu, adicionam-se, alegadamente, outros factos: a mãe de diz que a morgue recusa entregar corpo do filho; e a polícia russa prende mais de 100 pessoas em eventos de homenagem a Navalny.

A mãe do opositor de Putin exige o corpo do filho, depois de a morgue ter dito que não está lá.

Não se sabe onde se encontra o corpo do líder da oposição russa Alexei Navalny, afirmou a sua equipa, no dia 17, depois de confirmar a sua morte. 

A equipa de Alexei Navalny acrescentou que o seu líder foi “assassinado” e exige que os seus restos mortais sejam entregues, “imediatamente”, à família.

A porta-voz de Navalny, Kira Yarmysh, publicou, na rede social X, que a mãe de Navalny tinha viajado para a colónia penal de “regime especial”, acima do Círculo Polar do Ártico onde ele estava detido e recebeu uma mensagem oficial de que ele tinha morrido em 16 de fevereiro às 14h17, hora local. Foi então informada de que o corpo tinha sido transferido pelos investigadores para Salekhard. Porém, quando ela e o seu advogado chegaram à morgue, esta estava fechada. “O advogado ligou para o número de telefone que estava na porta. Disseram-lhe que era a sétima pessoa a telefonar hoje. O corpo de Alexei não está na morgue”, escreveu Yarmysh, que acrescentou: “Exigimos que o corpo de Alexey Navalny seja imediatamente entregue à sua família.”

Maria Pevchikh, chefe do conselho da Fundação Anticorrupção de Navalny, disse que o líder da oposição “viverá para sempre em milhões de corações”. “Navalny foi assassinado. Ainda não sabemos como vamos continuar a viver, mas juntos, vamos pensar em algo”, escreveu no X.

Segundo o OVD-Info, um grupo que monitoriza a repressão política na Rússia, mais de 100 pessoas foram detidas, no dia 16, em várias cidades russas, quando foram depositar flores em memória de Navalny em memoriais às vítimas das purgas da era soviética.

As homenagens foram retiradas durante a noite, mas as pessoas continuaram a chegar com flores no dia seguinte. Em Moscovo, um grande grupo de pessoas gritou: “Vergonha!” – enquanto a polícia arrastava uma mulher que gritava, de acordo com um vídeo partilhado nas redes sociais.

Mais de 10 pessoas foram detidas num memorial em São Petersburgo, incluindo um padre que foi ali celebrar uma missa por Navalny. Noutras cidades do país, a polícia isolou alguns dos memoriais e os agentes tiraram fotografias aos presentes e anotaram os seus dados pessoais, numa clara tentativa de intimidação.

***

Os cidadãos dos países livres, sobretudo os que nunca experimentaram a dor que a opressão e a repressão causam nos espíritos e nos corpos, não apreciam a liberdade e a democracia. E este é mais um caso a advertir-nos para o valor da liberdade, que nunca está definitivamente assegurada. Tantos são os arautos do sebastianismo que, mal cheguem ao poder, cavarão a desigualdade económica, social, comunicacional e cultural, restando os mecanismos da democracia formal, onde é liberdade é reduzida ao ar que respiramos, ao dinheiro que tenhamos e ao “clube” de que sejamos adeptos.

2024.02.17 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário