sábado, 3 de fevereiro de 2024

Agricultores europeus contestam PAC e acordos de livre comércio

 

Há semanas, a França é o epicentro da mais recente vaga de protestos do setor agrícola, que afloram, de forma dramática, em outros países. Na Itália, na Bélgica, na Alemanha, na Grécia, na Polónia, na Roménia, em Espanha e também em Portugal, milhares de agricultores contestam a quebra de rendimentos, face à subida da inflação e dos preços da energia, à legislação ambiental, à concorrência desleal de alguns mercados externos e aos acordos de comércio livre.

A fim de obviar aos bloqueios de estradas, os governos desdobram-se em anúncios de medidas e de pacotes financeiros. Porém, a maior parte ddescontentamento dirige-se a Bruxelas, que impõe, em nome da “transição verde”, medidas ambientais com altos custos e sobrecarregadas de burocracia, tal como se insurge contra a importação de bens de países terceiros a baixos preços, em particular de cereais e de outros produtos agrícolas da Ucrânia, e contra os acordos de livre comércio que a União Europeia (UE) tem assinado nos últimos anos, incluindo o que deveria ser ratificado, em breve, com os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).

É conhecida a oposição do Presidente francês, Emmanuel Macron, ao acordo entre a UE e aquele bloco regional. A 30 de janeiro, Eric Mamer, porta-voz do Executivo comunitário, confirmou não estarem reunidas as condições para fechar o acordo, mas que “as negociações prosseguem”, contrariando o pedido de Paris para que fossem encerradas.

Entretanto, Macron pediu uma revisão sobre as importações da Ucrânia, assunto que foi discutido num encontro, a 31 de janeiro em Bruxelas com Ursula von der Leyen, e debatido entre os 27 Estados-membros, na cimeira europeia de 1 e 2 de fevereiro.

Antevendo o Conselho Europeu, o Executivo comunitário propôs, a 31 de janeiro, medidas de salvaguarda que limitam os volumes de certos produtos sensíveis, como aves de capoeira, ovos e açúcar, prevendo um travão de emergência, para estabilizar as importações, pondo como limite os volumes médios de importação em 2022 e 2023. Se tais valores médios forem ultrapassados, serão repostas as taxas e direitos aduaneiros. Estas medidas surgem no quadro da prorrogação, a partir de junho, da isenção de taxas alfandegárias à importação de produtos agrícolas ucranianos. O objetivo é apoiar Kiev e proteger os agricultores mais afetados na UE, nomeadamente nos países vizinhos. Outra proposta é renovar, por mais um ano, a suspensão das taxas a importações da Moldova, em vigor desde julho de 2022, o que, tal como as restantes medidas, tem de receber luz verde do Parlamento Europeu (PE) e do Conselho da UE.

O governo francês estima que dez mil pessoas participam nas manifestações, em diferentes pontos do país. Em resposta às exigências de melhor rendimento pelos seus produtos, menos burocracia e proteção contra importações baratas, o novel primeiro-ministro, Gabriel Attal, anunciou a implementação de controlos sobre produtos alimentares estrangeiros, a fim de garantir concorrência leal no setor agrícola, e prometeu multas para os retalhistas de alimentos que não cumpram a lei destinada a garantir uma parcela justa das receitas para os agricultores, enquanto o ministro da Agricultura, Marc Fesneau, anunciou, em entrevista à Sud Radio, um pacote de 80 milhões de euros para os produtores de vinho, para cobrir as perdas e aumentar a liquidez, aguardando mais propostas antes do final da semana.

Os protestos multiplicam-se por toda a França, desde o outono, em boa parte contra a nova política agrícola comum (PAC) da UE e contra o fardo da transição verde. As principais reivindicações são remuneração para os seus produtos, menos burocracia e proteção contra as importações. O governo reforçou a presença policial, sobretudo em Paris, para impedir que os manifestantes entrem na capital, depois de terem cercado a região com barricadas congestionadas.

Porém, segundo a agência France Presse, a maioria dos sindicatos agrícolas franceses apela à suspensão dos bloqueios de estradas. “O movimento não para, transforma-se”, declarou o presidente da Federação Nacional dos Sindicatos Agrícolas (FNSEA), Arnaud Rousseau, em conferência de imprensa, prometendo novas mobilizações, se os anúncios feitos pelo primeiro-ministro não forem concretizados no prazo de 15 dias e se não entrarem em vigor em junho.

Na Bélgica, os agricultores bloquearam o acesso ao porto de Zeebrugge, um dos principais do país, encheram Namur de tratores e protestaram no exterior da sede da Comissão Europeia.

Neste clima de descontentamento, o Executivo comunitário anunciou que aprovaria, a 1 de fevereiro, a revogação temporária das normas que obrigam a manter algumas terras em pousio, outra questão criticada nas manifestações em curso na UE, tendo o governo francês já pedido nova revogação da obrigatoriedade de deixar 4% das terras em pousio.

Na Alemanha, a mobilização dos agricultores tem cariz mais nacional, pois a indignação foi causada pelo anúncio da redução nas subvenções e, em particular, a eliminação de benefícios fiscais sobre o gasóleo agrícola. Do governo de Olaf Scholz exige-se a isenção de impostos sobre os veículos agrícolas e florestais e o apoio ao gasóleo agrícola. A Associação Alemã dos Agricultores, principal organizadora das manifestações, criticou, em carta aberta ao chanceler, a vontade “até agora irreconhecível” do governo federal de fazer mais concessões ao setor agrícola, apelando a um “sinal claro de que a agricultura na Alemanha deve ter futuro e que está assegurada a [sua] competitividade”.

Na Grécia, milhares de agricultores e criadores de gado têm organizado protestos, com bloqueio de estradas, contra o aumento dos custos de produção e a diminuição dos rendimentos. Embora o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis, tenha anunciado, 30 de janeiro, que o governo aumentará a ajuda – de dois mil euros para o máximo de dez mil euros – a cada produtor da região central do país, onde as cheias de setembro dizimaram as colheitas, os agricultores consideram a medida insuficiente e exigem que as indemnizações do Estado sejam pagas desde já.

Outras das principais reivindicações são a revisão da PAC da UE, cuja aplicação reduz o rendimento para metade, e a redução dos custos de produção, através de isenções fiscais para os combustíveis, bem como uma indemnização pela diminuição de lucros e por uma série de catástrofes naturais.

As três principais organizações agrícolas espanholas prometeram mobilizações em todo o país. A Associação Agrária Jovens Agricultores (Asaja), a UPA – União de Pequenos Agricultores e Ganadeiros e a Coordenadora de Organizações de Agricultores e Ganadeiros (COAG) querem mudanças, a nível da UE, nas políticas governamentais e na aplicação pelas comunidades autónomas. Destacam a concorrência desleal e a luta dos agricultores contra um mercado desregulado que importa de países terceiros, a preços baixos, e com regulamentos desiguais. É “contradição e hipocrisia” que põem em causa a viabilidade de milhares de explorações agrícolas.

Por isso, exigem a suspensão da ratificação dos acordos com o Mercosul e com a Nova Zelândia, e a das negociações com o Chile, o Quénia, o México, a Índia e a Austrália, bem como o aumento dos controlos das importações provenientes de Marrocos. Os motivos dos protestos em Espanha abrangem a PAC, que implica burocracia insuportável e com custos ambientais.

A nível nacional, pedem a alteração e o alargamento da lei sobre a cadeia agroalimentar, para proibir práticas desleais, de modo que os preços dos agricultores cubram os custos de produção, e apelam à criação do observatório das importações e que a batalha em Bruxelas seja reforçada, para exigir reciprocidade para todos os produtos agrícolas e pecuários que entram no território da UE. E, nas comunidades autónomas, exigem “reformas urgentes em termos de simplificação dos procedimentos burocráticos que asfixiam os profissionais da agricultura”.

Também centenas de agricultores portugueses se juntam aos protestos dos noutros países europeus. De norte a sul, cortando o acesso a várias estradas e autoestradas, reclamam a valorização do setor e condições justas.

protesto foi da iniciativa do Movimento Civil de Agricultores e decorre a partir do anúncio, pelo governo, de um pacote de mais de 400 milhões de euros para mitigar o impacto provocado pela seca e para reforçar o Plano Estratégico da Política Agrícola Comum (PEPAC). O pacote abrange apoio à produção, no valor de 200 milhões de euros, cujo maior impacto será nas regiões mais afetadas, como o Alentejo e o Algarve, e uma linha de crédito de apoio à tesouraria de 50 milhões de euros, com taxa de juro zero. Por outro lado, o governo baixará o imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) do gasóleo agrícola para o mínimo permitido, “uma redução de 4,7 cêntimos por litro para 2,1 cêntimos”, ou seja 55%, de acordo com a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, que vem dialogando com os agricultores. E está previsto um reforço de 60 milhões de euros no primeiro pilar do PEPAC, nos apoios à produção, de modo a assegurar as candidaturas aos ecorregimes agricultura biológica e produção integrada.

segundo pilar do PEPAC será reforçado, com 60 milhões de euros, para assegurar, “até fevereiro”, o pagamento das candidaturas às medidas de ambiente e de clima.

Para a Confederação de Agricultores de Portugal (CAP), este compromisso “dá razão às suas exigências e corrige o erro de gestão do Ministério da Agricultura, possibilitando que o setor agroflorestal invista nos modos de produção biológica e integrada”. Porém, em comunicado de 31 de janeiro, em que afirma entender a revolta do setor, o presidente da CAP, Álvaro Mendonça e Moura, ressalva não ser aceitável pôr em causa o funcionamento do mercado único europeu, através de bloqueios que impedem a circulação de mercadorias, levando à deterioração de produtos e que impõem elevados prejuízos aos produtores. E avançou que o governo vai reverter os cortes previstos para os agricultores, no âmbito do PEPAC, que poderiam, no caso da agricultura biológica, ascender a 35%. Porém, a reversão carece de autorização especial da Comissão Europeia, que o Ministério da Agricultura comprometeu-se a agilizar de imediato.

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Além dos motivos de protesto comuns aos demais agricultores europeus, há protestos específicos dos agricultores portugueses e até diferentes de região para região.  

Se, na zona Centro, as principais preocupações são os elevados custos dos fatores de produção e os apoios ao setor através do PEPAC, mais a sul, especialmente na Península de Setúbal e no Alentejo, mais afetados pela seca, os agricultores pedem que o governo regule os preços e conceda licenças para fazer furos ou captações de água para rega. Os agricultores da zona de Aveiro protestam contra custos elevados de produção; e os do Baixo Mondego querem garantia de ajudas do PEPAC, até 2027. Em Lamego, onde os setores da fruta e do leite são os mais representados, a crítica visa os atrasos nos seguros das colheitas (sobretudo tendo em conta os prejuízos advenientes da geada e do granizo), a morosidade da aprovação das candidaturas para a construção de mecanismos de proteção antigeada e antigranizo, os elevados custos de produção e a discrepância das regras entre Portugal e Espanha.

Mais a sul do país, como é óbvio, os problemas dos agricultores têm a ver, sobretudo, com a seca e com a alimentação dos animais. E, em Vila Verde de Ficalho, a três quilómetros de Espanha, apelou-se por um “tratamento igual” ao que recebem os agricultores no país vizinho, bem como pela devolução das ajudas da agricultura biológica e da produção integrada.

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Estes dramáticos protestos afetam outros setores, nomeadamente o das empresas de transporte de mercadorias, e podem fazer claudicar os mecanismos de distribuição, pelo que a Comissão Europeia prepara, com a presidência semestral belga do Conselho, proposta de redução de encargos administrativos dos agricultores, a debater pelos ministros da Agricultura dos 27 Estados-membros da UE, a 26 de fevereiro. Contudo, é de assinalar, que, apesar de estarmos a cavar o inferno climático, a transição energética e verde torna-se muito custosa e envolve inúmeras contradições, como a subsidiação a combustíveis fósseis (gasóleo), o aumento da circulação automóvel, a magreza da ferrovia e a sua não eletrificação.    

2024.02.03 – Louro de Carvalho

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