domingo, 4 de fevereiro de 2024

Protesto das forças de segurança endurece e torna-se perigoso

 
O movimento anónimo de polícias denominado INOP – Polícia de Segurança Pública (PSP) e Guarda Nacional (GNR) – agenda entrega das armas de serviço para 7 de fevereiro (a partir das 22 horas), dia em que passa um mês desde o início do protesto (então) solitário de Pedro Costa, de 32 anos, agente da Divisão de Segurança Aeroportuária da PSP. A promoção do protesto, associado à ação que deu como inoperacionais vários carros-patrulha da PSP –, corre veloz nas redes sociais e tem sido anunciado nos canais do Movimento Zero, na plataforma Telegram.
Pedro Costa, a 7 de janeiro, iniciou uma vigília diante das escadarias da Assembleia da República (AR) – dando azo à onda de protestos que junta milhares de colegas das forças de segurança do País – anunciou que iria “voluntariamente entregar a arma de fogo”, nas instalações policiais onde presta serviço, até ter a valorização e o reconhecimento que exige pelo Estado, e prometeu repetir o protesto, diariamente, até que “a situação esteja resolvida”.
O INOP pegou na sugestão e decidiu alargar esta ação, desafiando todos os polícias e guardas a imitarem o gesto, a 7 de fevereiro. Neste sentido, os elementos das forças de segurança devem entregar, às 22h, as armas de fogo ao graduado de serviço, após o que terá início uma vigília à porta das respetivas esquadras, postos ou unidades.
É de recordar que a revolta escalou, em dezembro, após a aprovação, pelo governo, do pagamento de um suplemento de missão, no valor de cerca de 700 euros, aos inspetores da Polícia Judiciária (PJ). A PSP e a GNR dizem que estas forças de segurança estão a ser “desconsideradas pelo governo” e afirmam que tal decisão foi a “machadada final”.
Os protestos começaram no início de janeiro, quando Pedro Costa, polícia há cinco anos, resolveu fazer vigília solitária às portas da AR. Tem permanecido ali, insistindo que a ação de protesto decorre “24 horas [por dia], sem data ou hora para terminar”. Dorme numa carrinha estacionada em São Bento. Centenas de polícias têm passado, diariamente, pelo local, para lhe prestarem apoio, juntando-se (em silêncio) à ação. Nas últimas semanas, grupos de polícias têm marcado presença nas bancadas de eventos desportivos, por todo o país, onde se têm feito notar, entoando o hino nacional. Isso até aconteceu, a 20 de janeiro, em Santa Maria da Feira, no âmbito do Cortejo Cívico, que integra a Festa das Fogaceiras ou de S. Sebastião
A 24 de janeiro, a plataforma sindical de polícias organizou uma manifestação de polícias, que classificou de histórica. Os sindicatos garantem que terão participado 15 mil pessoas. E, a 31 de janeiro, ocorreu a que é considerada a maior manifestação de sempre de polícias, em Portugal, com a presença de 20 mil pessoas nas ruas da cidade Invicta.
Entretanto, a plataforma de sindicatos continua a reunir com os partidos, mas os polícias parecem não lhe reconhecer legitimidade e capacidade para encontrar respostas para as reivindicações.
Em vídeo, Pedro Costa alerta os políticos: “Aqueles que nos representam querem somente um suplemento de missão. Não é isso que os polícias querem […]. Esqueçam fazer algum acordo com aqueles senhores, porque isso não irá a lado nenhum. Foram vocês que causaram o problema […] e vão ter de ser vocês a resolver o problema”, afirma, sem clarificar o que quer dizer.
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Os recentes desenvolvimentos dão a entender que o protesto das forças de segurança está para durar. Ameaçam paralisar a Liga Portugal (futebol) e boicotar as eleições de 10 de março.
Polícias destacados para o jogo Famalicão-Sporting meteram baixa médica e o presidente do Sindicato Nacional da Polícia, Armando Ferreira, alerta que “isto vai alastrar a todo o país”. Na SIC Notícias, a 3 de fevereiro, lembrou que é a PSP “quem transporta as urnas de voto”, pediu diálogo “rápido” com o governo e disse que os polícias gostavam de ver Marcelo.
Admitiu que, depois do Famalicão-Sporting, também os jogos do Porto e do Benfica possam ter de ser cancelados por falta de policiamento. E, avisando que o protesto “é grave”, disse que pode pôr em causa a realização das eleições de 10 de março, se o governo não resolver o problema. “É evidente que os polícias estão descontentes e estão a desligar cada vez mais do seu serviço de segurança pública e isso é grave”, afirmou, vincando que “é ainda mais grave termos um governo que não resolve a situação, empurrando os polícias para soluções mais radicais”.
O dirigente sindical frisou que os colegas que faltaram ao policiamento do jogo Famalicão-Sporting meteram baixa médica. E assumiu que o facto de o governo, face aos protestos dos agricultores, ter atuado rápido deixou os polícias mais descontentes. “Em 24 horas resolveram” a questão – prometendo apoios perto dos 500 milhões –, o que contribuiu para agravar o mau estar na classe policial que pede aumentos de subsídios iguais aos da PJ. “Os nossos protestos começaram quando o governo ainda não estava em gestão e o governo nada fez”, insistiu, alertando S. Bento: “Se o governo continuar sem dizer ou fazer nada, temo que o senhor primeiro-ministro não vá ficar em funções só até 10 de março.”
Lembrando que “quem transporta as urnas de voto no dia das eleições são as forças de segurança”, admitiu que “pode haver a possibilidade” de tentativa de boicote ao ato eleitoral.
Os apelos também não pouparam o Presidente da República que, embora tenha defendido que os apoios à PSP e GNR devem ser equiparados aos da PJ, os polícias gostariam de o ver junto dos profissionais que têm dormido em protesto em frente à AR. “Os polícias não compreendem e esperam que o Presidente vá lá dar uma palavra” alertou, referindo que lá esteve o presidente da câmara de Lisboa.
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A plataforma que congrega sindicatos da PSP e associações da GNR anunciou, a 3 de fevereiro, ter escrito ao primeiro-ministro (PM) sobre a “situação limite” dos profissionais que representa, alertando para eventual “extremar posições”, face à ausência de resposta do governo.
Em ofício datado de 3 fevereiro e enviado na véspera, a plataforma (que congrega 11 sindicatos da PSP e associações da GNR) transmite ao PM que “os polícias chegaram ao limite, podendo desesperadamente extremar posições, como as que estão a desenvolver-se por todo o país”. Manifestando “preocupação […] quanto ao que poderá provir daqui em diante”, a plataforma, que, até aqui, conseguiu manter a ação reivindicativa nos limites da lei, realça que “não tem condições de enquadrar” todas as formas de protesto, antecipando que “atingirão proporções indesejáveis”. Lamenta a falta de disponibilidade do PM para reunir e justifica a “necessidade de alargar e amplificar os motivos” do descontentamento: “É imprescindível e urgente uma responsável atuação por parte do governo.”
O PM, que ainda não recebeu carta dos sindicatos e associações das forças de segurança, responderá, se e quando a receber, disse à Lusa fonte do seu gabinete. “Quando a carta chegar, merecerá a devida análise e a resposta do primeiro-ministro”, disse a assessoria.
Já depois da divulgação da carta, os protestos levaram, como ficou dito à suspensão do jogo Famalicão-Sporting e colocaram em causa a realização do FC Porto-Rio Ave.
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A Liga Portugal, referindo que o encontro entre Famalicão e Sporting não se realizou no dia 3, nem se realizará no dia 4, por falta de “condições de segurança”, tece duras críticas à atuação das forças policiais, que não compareceram ao jogo, “alegando baixa médica”, tendo as autoridades garantido, na reunião de preparação, “todas as condições” para que o encontro decorresse normalmente. E, dizendo que os polícias puseram “em causa a paz pública e a integridade física dos milhares de adeptos”, não admite “que o futebol seja, em virtude da sua enorme visibilidade, instrumentalizado para a resolução de assuntos com os quais não tem qualquer relação”. Por isso, exige ao governo a instauração de processo de inquérito “com caráter de urgência”, para apurar os acontecimentos de Famalicão e sublinha que “exigirá ser ressarcida pelos danos provocados por ações irresponsáveis às quais é totalmente alheia”.
A Liga dá conhecimento público de que o jogo entre FC Famalicão e Sporting CP, referente à jornada 20 da Liga Portugal Betclic, foi adiado, por acordo dos clubes, para data a definir, após ter recebido informações do responsável pela força policial presente no Estádio Municipal de Famalicão de não haver condições de segurança. E repudia os incidentes ocorridos no exterior do estádio, enquanto os adeptos dos dois clubes aguardavam pela abertura de portas para acederem ao interior do recinto, atrasada pelo facto de os agentes destacados para o policiamento do jogo, não terem comparecido no estádio.
Por outro lado, recorda que, na reunião de preparação que organiza, na semana que antecede todos os jogos das suas competições, foram garantidas, pelas autoridades, todas as condições de segurança para a realização da partida, tendo a Liga Portugal sido surpreendida, em cima da hora, com a informação de que os agentes destacados para o FC Famalicão – Sporting CP teriam, como forma de protesto, alegado baixa médica, para não marcarem presença no local, pondo em causa a paz pública e a integridade física dos milhares de adeptos que aguardavam a entrada no recinto, bem como total desrespeito por todos aqueles que, alguns percorrendo centenas de quilómetros, se deslocaram ao recinto desportivo.
A Liga Portugal e os Clubes, que despendem, anualmente, milhões de euros, para garantir a segurança nas competições profissionais, e estão empenhados em promover o regresso das famílias aos estádios, não admitem que o Futebol seja instrumentalizado para a resolução de assuntos com os quais não tem qualquer relação, pondo em causa o normal desenrolar das competições profissionais e a preparação da participação internacional dos Clubes presentes em provas da UEFA [União das Associações Europeias de Futebol] e, mais grave, a segurança dos adeptos que pretendem assistir aos jogos.
Por isso, a Liga Portugal exige ao governo, em especial ao ministro da Administração Interna, a instauração de processo de inquérito com caráter de urgência, para apurar responsabilidades pelo sucedido, em defesa dos adeptos e das famílias, e informa que exigirá, nas instâncias próprias, ser ressarcida dos danos causados por ações irresponsáveis às quais é totalmente alheia.
Entretanto, a Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública referiu, logo a 3 de fevereiro, que foi surpreendida por um número anormal de agentes com baixa médica, o que levou ao adiamento do Famalicão-Sporting, da I Liga de futebol. Garantindo que tinha sido “planeado e preparado o efetivo policial adequado e necessário” para o encontro da 20.ª jornada, adiantou que, “antes do início do policiamento ao evento, um número não habitual de polícias informaram que se encontravam doentes, comunicando baixa médica”.
“A PSP, prontamente, acionou meios policiais de outras unidades de polícia, meios esses que também vieram a comunicar situações de indisposição, com deslocação para unidades hospitalares”, lê-se no comunicado, de acordo com o qual “foram ainda acionados meios da Força Destacada da Unidade Especial de Polícia no Porto e da Guarda Nacional Republicana, visando reforçar o policiamento ao evento desportivo”. “Porém, tendo existido alguns incidentes de ordem pública junto ao Estádio Municipal de Famalicão, mesmo tendo sido possível reforçar as imediações do mesmo, a PSP, em coordenação com o organizador e o promotor do evento, decidiu que não se encontravam reunidas as condições necessárias para a realização do jogo.”.
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Mesmo admitindo que os riscos da PJ possam, eventualmente, na investigação criminal, assumir uma gravidade diferente dos da PSP e da GNR, é inqualificável a alta diferença da valorização do risco nas diversas polícias. Não obstante, o protesto não pode colocar em causa a ordem pública, nem a segurança de pessoas e bens. Ao mesmo tempo, não se percebe a oportunidade do protesto policial desproporcionado a ameaçar boicotar eleições, entregar armas, não policiar estádios, como não se entende que não haja compromisso dos partidos do arco da governação para a resolução do problema, logo que possível. Estão em causa a ordem pública e o Estado de direito, que todos os implicados juraram promover e defender.

2024.02.03 – Louro de Carvalho

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