terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Campanha eleitoral: deixem falar os partidos!

 

Sempre que há eleições de interesse nacional – presidenciais, legislativas, europeias (não refiro as autárquicas, pois, excetuando os municípios de Lisboa ou do Porto e, episodicamente, o de outra grande cidade, têm interesse local) –, os órgãos de comunicação social organizam debates entre os diversos candidatos no sistema de frente a frente e, às vezes, entre todos os candidatos.

Habitualmente, os candidatos a Presidente da República (PR) exprimem-se como entendem, sem que os jornalistas e os comentadores lhes criem grandes ruídos na comunicação, a não ser em casos excecionais. Nas eleições para o Parlamento Europeu (PE), praticamente não se fala das questões europeias; ao invés, é usual aproveitar a campanha para fazer o ajuste de contas com o governo em funções, no alinhamento com (ou ao arrepio da) maioria parlamentar.

Já para as eleições legislativas – de escolha dos deputados à Assembleia da República (AR), da qual dimanará o governo, em condições a aferir pelo PR – a situação torna-se mais complexa.

Não estão agora, diretamente, em causa políticas mundiais ou europeias, tidas como bastante longínquas, nem projetos pessoais, face ao país que temos, ou as funções restritas que a Constituição da República (CRP) reserva para o chefe de Estado.

Na preparação das eleições legislativas, discutem-se projetos de governação e luta-se por lugares na AR, a qual, segundo o nosso ordenamento político-constitucional, se arvora ao estatuto de casa da maior representação possível dos cidadãos portugueses. Por isso, organizam-se debates a nível nacional, em rádio e televisão, com os líderes dos diversos partidos, mormente com os líderes dos partidos com assento parlamentar, e dá-se vez e voz a todos os partidos nas páginas dos jornais. Além disso, organizam-se debates em cada círculo eleitoral (nos 18 distritos do Continente, nas duas Regiões Autónomas, no círculo da Europa e no circulo de fora da Europa), em que intervêm os cabeças de lista; e há tempos ou espaços de antena nos meios de comunicação social.

Ora, eu gostaria de ver e de ouvir os candidatos e creio que os cidadãos, em geral, também gostam e precisam de os ouvir. Porém, cria-se tal ruído em torno da sua comunicação que é difícil percebê-los.

Antes de mais, os candidatos interrompem-se e mutuamente e acusam-se, também mutuamente, de serem interrompidos. Por outro lado, passam demasiado tempo no ajuste de contas com governações passadas, com sentido de voto diferente do que agora defendem, com alegadas faltas de competência ou de experiência e com o enrolamento de algumas verdades em meia dúzia de inverdades ou de meias verdades. Assim, pouco tempo resta para a apresentação e clarificação das suas estratégias e propostas.

Depois, vem o papel dos moderadores de debate. Em vez de levantarem, sucintamente, as questões e distribuírem, equitativamente, o tempo pelos intervenientes, jugulando as interrupções (têm de ter habilidade para isso), insistem nas questões, encarecem pormenores, acusam o candidato que não respondeu minimamente e questão e, às vezes, tentam conduzir o debate, deixando entrever tendências pessoais ou partidárias. Sei que é difícil o papel do moderador, mas é necessário que seja bem desempenhado.  O moderador deve saber gerir o tempo de debate.

E, quando três operadoras de televisão organizam um debate mais longo com os ditos dois principais candidatos, dos quais só um deles virá ao ser primeiro-ministro (PM), cada um dos três moderadores quer marcar posição ou fazer render o peixe, em nome próprio ou da estação de televisão que serve.

Sobre o moderador ou entrevistador que tenta condicionar a resposta, recordo o sucedido com Álvaro Cunhal e Margarida Marante, in illo tempore. A entrevistadora disse que o entrevistador não respondera à pergunta, dando a entender que pretendia um determinado tipo de reposta. Porém, Cunhal retorquiu: “À senhora cabe orientar a pergunta e a mim cabe orientar a resposta.” (cito de cor) E sobre o espaço que o moderador deve dar aos intervenientes num debate, ficou famoso o remoque de Álvaro Cunhal a uma farpa política de Mário Soares, sei interlocutor: “Olhe que não, senhor doutor, olhe que não!” (cito de cor)

Depois de cada debate, vem o esquadrão de repórteres, a mostrar as entradas e saídas dos candidatos, eventuais episódios de bastidores ou de rua, e de comentadores (jornalistas e ou políticos). A reportagem de rua e de bastidores pode não ter interesse, mas é inócua. Não são assim os comentários, que têm feito perverso.

É passar um atestado de menoridade ou de incompetência aos ouvintes ou aos telespectadores, enxamearem de comentários os temas que foram objeto de debate. Cada cidadão que viu e ouviu deve ter o ensejo (direito e dever) de tirar as suas conclusões. Entendo que seja útil uma súmula do que foi dito, mas não um outro debate longo, em que pontificam posições pessoas e partidárias dos comentadores. Os cidadãos, tratados como ignaros, ficam perplexos com o que ouvem e são levados a acreditar nos comentadores, em vez de acreditarem nos candidatos.

Recordo que, a princípio, gostava muito dos comentários de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. Nem sempre concordava com o comentador, mas ele dava a panorâmica do que tinha sucedido na semana. E confesso que até aprendi bastante. Porém, irritavam-me duas coisas. Quando queria encerrar uma questão, sentenciava: “Ponto final, parágrafo!” Tique de professor primário a ditar. E, como pretexto para esmiuçar a resposta a uma determinada questão, dizia: “É preciso explicar ao povo, as pessoas não entendem…” Ou: “O povinho não entende!” Presunção excessiva.

Não juro, mas creio que tudo isto é propositado. Os grupos económicos que administram estações de rádio e de televisão tentam organizar-se para orientarem o sentido de voto dos eleitores, tal como as diversas empresas de sondagens. Todos dizem que as sondagens valem o que valem, mas elas são publicadas dia após dia, mesmo em campanha eleitoral. Houve tempo em que era proibida a sua publicação no tempo mais forte da campanha eleitoral. Porém, como tal proibição estava conotada com legislação do dito “Verão Quente” de 1975, teve de ser revogada, tal como foi reformulada a legislação sobre reportagem de congressos e sobre tempos de antena, em nome de um novo pluralismo e da suposta maior liberdade de expressão e de informação.   

Pior do que tudo isto, é a avaliação que um grupo alargado de jurados dá à prestação de cada candidato no debate, chegando à conclusão, por vezes, unânime de que foi este candidato que ganhou o debate e foi o outro que perdeu. Às vezes, vem o empate baralhar os ânimos.

Ora tudo se faz em nome do pluralismo, mas é um pluralismo aparente e enviesado, pois, disfarçado de prestação de serviço público de esclarecimento ao eleitor, pretende condicionar o voto. Alguns eleitores dispensam-se de ouvir e ou de ver os debates, bastando-lhes saber, no dia seguinte, quem ganhou o debate.

Depois, admiramo-nos do crescimento da abstenção e do desinteresse dos cidadãos pela política!           

***

Em quase todas as campanhas eleitorais, mormente para as eleições legislativas, se tem afirmado que os debates são pobres, superficiais e que não abordam as questões que mais interessam. Por isso, fiquei espantado, ao ouvir um comentador político televisivo dizer que os debates eram bons, desta vez, e que os candidatos estiveram bem. Não sei se já mudou de ideias. No entanto, devo dizer que os debates importam, embora não esgotem a estratégia eleitoral. E, se são melhores do que em outras ocasiões, isso deve-se aos candidatos, mas também à situação política internacional de guerra mundial aos pedaços, às contradições do projeto europeu e à magnitude da situação nacional, com problemas de habitação, de escola, de gestão da saúde, de carga fiscal, etc.

É claro que muita da movimentação contestatária se fundamenta em necessidades reais, no desleixo governativo (inspirado numa certa filosofia neoliberal europeia e norte-americana) pelos problemas dos cidadãos e na tensão criada pela transição energética e climática, mas há também um intuito desestabilizador que está escondido por trás das movimentações europeias e nacionais, algumas das quais, protagonizadas por alguns movimentos inorgânicos (por alegada falta de operacionalidade do movimento reivindicativo tradicional), não são genuínas nem consequentes.       

Quanto a matérias não abordadas ou abordadas de forma inadequada, verifica-se que os jornalistas (moderadores), que são seletivos, formatam as perguntas pelo diapasão dos clichés, pelo viés estabelecido, reiterando, em excesso, temas colados a cada partido, pelos casos, pelas polémicas embaraçosas e pelas bandeiras mais berrantes, alimentando o ciclo vicioso dos sound bytes.

Assim, perguntam sobre política externa, se querem encostar o Partido Comunista Português (PCP) à parede, a propósito da Ucrânia. Perguntam pela NATO e por política de Defesa, para focarem divergências entre o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Socialista (PS), pela possibilidade de coligação pós-eleitoral. E ficam em branco as questões do Mundo, da União Europeia (UE) e da geoestratégia, como se o país fosse uma ilha, “desgarrado da Europa, imune a dinâmicas geopolíticas e a crises internacionais”, como escreve Capicua no Jornal de Notícias (JN) de 20 de fevereiro, em artigo intitulado “Os jurados”.

Os candidatos só são questionados pela viabilidade ou pela validade de uma medida, se está em causa impedimento da venda de imóveis a não residentes, o condicionamento das diretrizes da UE. Não se questiona o Chega, quando promete tudo e mais alguma coisa, sem suporte em meios de financiamento sustentáveis e sem ter em conta a sanidade das contas públicas, a necessidade da redução da dívida e a de manter o superavit. Não se questiona a Iniciativa Liberal (IL) e, em certa medida, a Aliança Democrática (AD), quando acenam com o choque fiscal diminuindo largamente os impostos, mas garantindo maior qualidade dos serviços públicos.

Em contrapartida, perguntam – e reperguntam –, no que são acompanhados por comentadores políticos ilustres sobre a configuração das coligações pós-eleitorais e sobre se viabilizam um governo minoritário da força política contrária que tenha vencido as eleições sem conseguir maioria parlamentar (Isso, à partida, também condiciona o voto). Porém, quando um candidato anuiu a dizer que viabilizaria um governo de minoria da adversária força política (ficando o outro interveniente no silêncio), garantindo que, em nome da humildade democrática, não apresentaria moção de rejeição do programa de governo nem votaria a favor de qualquer outra, logo veio a questão se viabilizaria o primeiro Orçamento do Estado, ao que o interpelado respondeu que seria temerário comprometer-se com um documento que se desconhece

Como observa Capicua no JN, “os jornalistas, que têm o triplo do tempo de antena dos candidatos (!), queixam-se [de] que estes não falam de coisas fundamentais, peroram sobre os assuntos ausentes, sobre a falta de profundidade das explicações, lamentando que não haja rasgo e que se rebatam mais as propostas alheias do que se exponham as próprias”. E, a seguir, comenta: “[…] Pontuam e avaliam como jurados de um concurso de danças de salão. […] Muitas vezes, avaliam como vitorioso o dançarino despreparado, que pisa todos os pares […] e pontapeia os adversários quando a música não o favorece, tomando-o como o centro da coreografia política, apontando as luzes para a sua ridícula prestação e aplaudindo a sua capacidade de impactar a plateia.”

Os jornalistas equiparam polos de extrema-esquerda, com aduções baseadas em números e em factos, e de extrema-direita, com propostas irrealistas e mal relacionadas com a verdade.    

***

Tudo isto seria evitável, se dessem mais espaço e voz aos partidos, ou seja, se comentadores e jornalistas não quisessem protagonizar o espaço pré-eleitoral e praticar um novo caciquismo.

Sejam só jornalistas ou só comentadores, não protagonistas nem avaliadores. Deixem falar os partidos e não façam lavagem ao cérebro dos eleitores, que já são maiores e sabem avaliar!  

2024.02.20 – Louro de Carvalho

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