quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Importância eclesial da celebração da Festa da Cátedra de Pedro

 

Celebrou-se, a 22 de fevereiro, a festa da Cátedra de São Pedro, Apóstolo, a quem o Senhor disse: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. No dia em que os Romanos honravam a memória dos defuntos, celebra-se o dia natal de São Pedro na cátedra apostólica, que é venerada com o seu monumento no Vaticano, pois, São Pedro, o primeiro papa tinha a missão de presidir à assembleia universal da caridade, que se replica nos seus sucessores, os Bispos de Roma.

A cátedra ou cadeira (ambos os termos se formaram a partir do nome latino “cathedra, ae”, o primeiro, por via erudita, e o segundo por via popular) é apenas o símbolo da missão petrina e não o objeto material do louvor e da veneração.   

O Vatican News, o site oficial de notícias da Santa Sé, refere que a festa da Cátedra de Pedro já se celebrava em Roma no século III. Todavia, assinala que a primeira cátedra ou sede (outra palavra que vem do termo latino “sedes”, que significa assento, cadeira, trono) da Igreja foi o Cenáculo, em Jerusalém, onde Jesus celebrou a Última Ceia e visitou os apóstolos, após a ressurreição, e onde os apóstolos com Nossa Senhora receberam a efusão do Espírito Santo.

Também se sabe que Pedro, antes de se tornar bispo de Roma, foi o primeiro bispo de Antioquia. Segundo tradições antigas, recolhidas no livro Legenda Áurea de Jacopo de Varazze, foi estabelecida, em Antioquia, uma Igreja, em cujo templo (a Igreja é a assembleia dos crentes que podem reunir-se num templo ou em outro lugar) foi colocada, numa parte alta e visível, uma cadeira, para que o apóstolo pudesse falar da fé a partir de lá.

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É de recordar que foi em Antioquia que os seguidores de Jesus Cristo passaram a denominar-se “cristãos”. Até aí, eram chamados “santos” e o seu identificativo era o peixe (em Grego, IKHTHYS, entendido como acrónimo de Iesoûs Khristhòs Theoû Yiòs Sôthêr – Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador). O símbolo identificativo, o peixe, continuou até ao édito de Milão, em 313, ano em que foi substituído pela cruz, pois Constantino reconheceu a religião cristã, mas a invocação “Jesus Cristo, filho de Deus, Salvador” mantém-se e deve ser valorizada.

Embora os cristãos, pelo batismo participem da santidade radical de Jesus Cristo, pois só Ele é verdadeiramente santo. Os cristãos deveriam poder chamar-se santos, mas o termo “santo” ficou reservado, em termos teológicos, para as pessoas que vivem e morrem na graça divina e, em termos técnicos, para as pessoas que a autoridade da Igreja declara “santos/as” e inscreve, pela canonização, no catálogo dos santos e santas. Antes disso, há uma situação intermédia, em que a autoridade da Igreja declara “beato/a” alguém que já fora declarado venerável pelo martírio, pela heroicidade de vida ou pela oferta extraordinária da vida à causa do Evangelho. Este último motivo é inovação do Papa Francisco.

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No passado, a Cátedra de São Pedro era celebrada em 18 de janeiro e também em 22 de fevereiro. A primeira era para a sede do Apóstolo em Roma e a segunda para a de Antioquia. De facto, esta última tinha a sua festa própria. Assim, a Cátedra de Pedro celebrava-se duas vezes por ano.

 

Porém, em 1960, o Papa são João XXIII uniu as duas festas e estabeleceu a festa da Cátedra petrina só no dia 22 de fevereiro.

O beato Jacopo de Varazze indica, no seu livro, que existem três tipos de cátedras. A primeira é a “régia” (real), como a do rei David; a segunda é a sacerdotal, como a de Eli, que, segundo a Enciclopédia Católica, foi juiz e “sumo sacerdote” no Antigo Testamento; e, finalmente, a terceira é magisterial (ensino e governo), como a de Moisés.

“A cátedra de Pedro foi régia, sacerdotal e magisterial; régia, porque Pedro é o príncipe de todos os reis; sacerdotal, porque foi pastor de todos os bispos, os sacerdotes e diáconos; e magisterial, porque foi mestre de todos os cristãos”, discrimina o beato.

O beato Jacopo acrescenta que há quem defenda que a festa da Cátedra de São Pedro em Antioquia estaria associada à tonsura que os monges e os clérigos realizavam. Esta prática consistia em raspar o topo da cabeça em forma de círculo, podendo a sua origem estar relacionada com Pedro.

Diz-se que um dia o apóstolo estava a pregar em Antioquia e que um grupo de pessoas que perseguiam os cristãos o agarrou e lhe raspou o topo da cabeça. A Enciclopédia Católica diz que, nos tempos romanos e gregos, a tonsura era um sinal de escravidão. Porém, o que, para outros, era motivo de ridículo e de desprezo tornou-se, mais tarde, uma espécie de “coroa” simbólica do príncipe dos Apóstolos. E os clérigos adotaram-na, posteriormente, como sinal da cleronomia ou seja, da sua entrega total à Igreja.

Desde tempos remotos, um indivíduo tornava-se clérigo com a cerimónia da prima tonsura (ficava tonsurado, já era tratado por reverendo e alguns já o chamavam padre): o bispo, em contexto de celebração litúrgica, recebia-o no grémio dos clérigos. Depois, receberia sucessivamente, mas depois de ter exercido, ainda que por tempo diminuto, a respetiva ordem, as ordens de ostiário, de leitor, de exorcista e de acólito (eram quatro ordens menores); as ordens de subdiácono (já era obrigado a recitar o breviário, hoje dito, Liturgia das Horas), de diácono e de presbítero ou padre ou sacerdote (as três ordens maiores); e alguns padres eram escolhidos para bispos (dotados com a plenitude do sacerdócio).

Com a Carta Apostólica em forma de motu proprio “Ministeria Quaedam” de 15 de agosto de 1972, foi abolida a prima tonsura e as ordens menores. Em seu lugar, foram instituídos os ministérios de leitor e de acólito (este podia ser designado, mas regiões que o desejassem, por subdiácono), extensivos a homens, que se manteriam leigos, mas obrigatórios para candidatos ao diaconado e ao sacerdócio. Os, desde então, designados por “ministérios ordenados” passaram a ser a ordem de diácono (que assinala entrada na clerezia), a ordem de presbítero (padre ou sacerdote) e a ordem episcopal (de bispo). Obviamente, a bispo só chegam alguns e passou a existir, ao lado dos diáconos que pretendem ascender ao presbiterado, o grupo dos diáconos permanentes, que podem, mesmo na Igreja Católica latina ser e continuar casados (mas não recasáveis, nem pela viuvez). E, como dantes, o Bispo de Roma é o Papa.   

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Monsenhor Florian Kolfhaus, sacerdote, escritor e funcionário da Secretaria de Estado do Vaticano, refletiu sobre a importância Cátedra de Pedro, tanto na Igreja como no Mundo inteiro.

A Santa Sé, cujo conceito remonta ao banco de madeira do pescador a quem o Senhor nomeou Pastor da sua Igreja, é a mais alta autoridade moral em todo o Mundo. Na verdade, como escreveu

Kolfhaus, a 22 de fevereiro de 2017, numa coluna publicada em CNA Deutsch – agência alemã do Grupo ACI “também os não cristãos prestam atenção às palavras do Papa sobre paz, migração e proteção climática”, entre outros temas.

O Papa “goza do reconhecimento de cerca de 170 Estados e 20 organizações internacionais” e “é reconhecido em virtude das suas relações de séculos com ouros Estados”, observou o especialista, lembrando que o Papa é um soberano sujeito de direito internacional.

“O Papa, e só ele, entre todos os demais líderes religiosos, é quem goza da autoridade de um chefe de Estado […]. E tudo isso se deve, por assim dizer, ao banquinho de madeira sobre o qual se sentou Pedro, quando ensinava à comunidade de Roma”, acrescentou.

Entretanto, mais importante do que os temas políticos é “a preservação e autêntica interpretação da fé, que foi confiada a Pedro e aos seus sucessores”. “A ele foi prometida – tal como belamente mostra o altar em são Pedro – a especial assistência do Espírito Santo, ao explicar o Evangelho de Cristo a partir da Tradição da Igreja e dos seus padres”, clarificou o especialista.

O Papa tem o poder das chaves, fechar e abrir para atar e desatar. Tem poder direto, imediato, limitado só pela Lei divina sobre toda a Igreja. É o pastor supremo a quem é confiada a totalidade do rebanho do Senhor. E a Igreja celebra este elevado serviço do Servo dos servos de Deus.

Apesar dessas caraterísticas, Monsenhor Kolfhaus sublinha que cada papa deve ter consciência de que é “homem frágil e débil” e “precisa, constantemente, de purificação e conversão”. E deve ter consciência de que lhe vem do Senhor a força para confirmar os seus irmãos na fé e mantê-los unidos na confissão de Cristo crucificado e ressuscitado. Por outro lado, o Bispo de Roma senta-se na cátedra para dar “testemunho de Cristo”; e esse poder conferido por Cristo a ele e a seus sucessores “é, nesse sentido absoluto, um mandato para servir”.

O poder de ensinar, na Igreja, implica um compromisso ao serviço da obediência à fé.

Além disso, como vincou o especialista, o Papa “não é um soberano cujo pensamento e vontade são lei”. Ao invés, o ministério papal é garantia da obediência a Cristo e à sua Palavra, não devendo o Sumo Pontífice proclamar as suas próprias ideias, mas vincular-se, constantemente, a si e a Igreja à obediência à Palavra de Deus, frente a todas as tentativas de adaptação e de alteração, assim como frente a todo o oportunismo.

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A festa da Cátedra de São Pedro é, ao fim de contas, o reconhecimento e a exaltação do primado e da autoridade do apóstolo Pedro e dos seus sucessores. Ao mesmo tempo, recorda a autoridade conferida por Cristo ao apóstolo, quando lhe diz, conforme relatam os Evangelhos: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. E as portas do inferno não prevalecerão sobre ela”. Cristo é a pedra angular de todo o edifício eclesial e Pedro é essa mesma pedra com Cristo, construindo a unidade, promovendo o acolhimento de todos na caridade e concitando o dinamismo da convivência fraterna. O Papa não é um afugenta pessoas, nem um monge.  

O vocábulo “cátedra” significa assento ou trono e é a raiz da palavra catedral, a Igreja onde o bispo tem o trono a partir do qual proclama a palavra e ensina. Sinónimo de cátedra é também “sede” (assento, cadeira). A sede é o lugar de onde o bispo governa a sua diocese. Por exemplo, a Santa Sé é a sede do papa e a sua catedral é a basílica de São João de Latrão ou do Santíssimo Salvador. Assim, dizer “sé catedral” é duplicação de sentido (redundância ou pleonasmo).

A palavra cátedra persiste na universidade. O docente titular de uma disciplina passou a ser o catedrático, o que tem direito ao uso de uma cátedra, à qual só se podia concorrer, quando ela vagasse. Por transferência de sentido, denominam-se cadeiras as várias disciplinas na universidade. Também, antigamente, em algumas localidades, quando o/a professor/a do ensino primário se apresentava, as pessoas queriam saber se tinha cadeira ou não, isto é, se era efetivo (do quadro) ou não.

A cátedra ou sede que se conserva, atualmente, na Basílica de São Pedro, em Roma, foi doada por Carlos, o Calvo, ao Papa João VIII, no século IX, por ocasião da sua viagem a Roma, para a sua coroação como imperador romano do Ocidente. Este trono conserva-se, como relíquia, numa magnífica composição barroca, obra de Gian Lorenzo Bernini, construída entre 1656 e 1665.

A obra de Bernini está emoldurada por pilastras. No centro, está o trono de bronze dourado, em cujo interior se encontra a cadeira de madeira, decorada com um relevo a representar a “traditio clavium” ou “entrega das chaves”. O trono apoia-se em quatro grandes estátuas de bronze, que representam quatro doutores da Igreja: em primeiro plano, santo Agostinho e santo Ambrósio, para a Igreja latina; e santo Atanásio e são João Crisóstomo, para a Igreja oriental.

Por cima do trono surge um sol de alabastro decorado com estuque dourado e rodeado de anjos que emolduram uma vidraça em que está representada uma pomba de 162 cm de envergadura, símbolo do Espírito Santo. É a única vidraça colorida de toda a Basílica de São Pedro.

Todos os anos, a 22 de fevereiro, o altar monumental que acolhe a Cátedra de Pedro permanece iluminado, o dia todo, com dúzias de velas e celebram-se numerosas missas da manhã até ao entardecer, concluindo com a Missa do Capítulo de São Pedro.

2024.02.22 – Louro de Carvalho

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