sábado, 10 de fevereiro de 2024

Santa Escolástica, virgem e irmã gémea de são Bento de Núrsia

Foi celebrada, a 10 de fevereiro (pois faleceu do mês homólogo de 547), a memória litúrgica de Santa Escolástica, religiosa do centro de Itália, então Reino Ostrogótico, irmã gémea de são Bento de Núrsia, que também se consagrou a Deus desde jovem e que fundou a Ordem Beneditina, para a qual redigiu a regra sob o lema “Ora et labora” (Reza e trabalha), passando a ser conhecido como o pai do monaquismo ocidental.
Escolástica buscava a santidade desde muito jovem e conta-se que iniciou sua vida consagrada a Deus antes do seu irmão.
Os beneditinos asseguram que, enquanto o irmão residia em Monte Cassino (Itália), Escolástica se estabeleceu a sete quilómetros, em Plumbariola, fundando e governando um convento da mesma regra. Entretanto, outras fontes dizem que também é provável que tenha vivido numa ermida com uma ou duas mulheres religiosas na base de Monte Cassino, onde há uma antiga igreja que leva o seu nome.
Escolástica nasceu de uma família nobre, por volta do ano 480, no município italiano de Núrsia.
Após o falecimento dos pais, senadores romanos (Cláudia, a mãe, morreu de parto; e o pai, Eupróprio, faleceu mais tarde), deu tudo aos pobres. Junto com uma criada, que era amiga de confiança e seguidora também de Cristo, foi ter com São Bento, que saiu da clausura, para as acolher. Dialogaram com alguns monges e Escolástica expressou o desejo de seguir a Cristo através das regra beneditina.
Bento discerniu pela vocação, ao ponto de passar a regra para a irmã, que se tornou a fundadora do ramo feminino: as beneditinas. Não demorou muito, muitas jovens começaram a seguir a Cristo nos passos de São Bento e de Santa Escolástica.
A história mais comum acerca da santa é que, por espírito de mortificação, só costumava rezar e compartilhar sobre a vida espiritual com o irmão uma vez por ano, quando ia visitá-lo ou quando ele a visitava. E, como não era permitido entrar no mosteiro, ele saía ao seu encontro.
Da sua última visita a Escolástica, são Gregório faz uma notável descrição, na qual a santa, pressentindo que não voltaria a ver o irmão, pediu-lhe que não partisse naquela noite, mas no dia seguinte. Porém, Bento sentiu-se incapaz de romper as regras do seu mosteiro. Então, Escolástica apelou a Deus com uma oração fervorosa, para que interviesse em sua ajuda e, imediatamente, se deu uma forte tempestade que impediu que o irmão regressasse ao mosteiro.
Os dois santos passaram a noite a falar de coisas santas e de assuntos espirituais. Três dias depois, a santa morreu; e o irmão, que estava envolvido em oração, teve a visão da alma da sua irmã a ascender ao céu em forma de pomba.
 Santa Escolástica é a fundadora do ramo do monaquismo beneditino para mulheres. É padroeira das monjas, das crianças que sofrem convulsões e de cidades como Le Mans, na França, ou Alcolea de Calatrava, na Espanha. E é invocada contra chuvas e tempestades.
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Gémea de Bento, tornou-se também gémea da busca de santidade e de missão, já que ambos deram testemunho de santos fundadores. A vida totalmente consagrada a Deus de Escolástica começou até antes da do irmão; porém, foi aprofundada, quando foi ter com o irmão, aos 12 anos, até que ele se instalou em Cassino. Desta forma, Escolástica, fundadora das irmãs beneditinas, sempre esteve ligada com Bento.
O nome de Santa Escolástica leva-nos ao século V, ao primeiro mosteiro feminino ocidental, fundamentado na vida em comum, conceito introduzido na vida dos monges por Bento. Foi este o primeiro a orientar para servir a Deus não “fugindo do Mundo”, através da solidão ou da penitência itinerante, como os monges orientais, mas vivendo em comunidade duradoura e organizada, e dividindo rigorosamente o tempo entre a oração, o trabalho ou estudo e o repouso.
Escolástica e Bento, irmãos gémeos, eram filhos de nobres, como se disse. O pai ficou viúvo, quando eles nasceram, pois a esposa morreu durante o parto. Ainda jovem, Escolástica consagrou-se a Deus pelo voto de castidade, antes mesmo do irmão, que estudava retórica em Roma.
Mais tarde, Bento fundou o mosteiro de Monte Cassino criando, a Ordem dos monges beneditinos. Escolástica, inspirada por ele, fundou um mosteiro, de irmãs, com um pequeno grupo de jovens consagradas. Estava criada a Ordem das beneditinas, que recebeu este nome em homenagem ao irmão, seu grande incentivador e que elaborou as Regras da comunidade.
São muito poucos os dados da vida de Escolástica, e foram escritos quarenta anos depois da sua morte, pelo papa São Gregório Magno, que era beneditino. Gregório recolheu alguns depoimentos de testemunhas vivas para o seu livro “Diálogos” e escreveu sobre ela apenas como referência na vida de Bento, mais como uma sombra do grande irmão, pai dos monges ocidentais.
Numa página expressiva contou que, mesmo vivendo em mosteiros próximos, os dois irmãos só se encontravam uma vez por ano, para manterem o espírito de mortificação e elevação da experiência espiritual. Isto ocorria na Páscoa e numa propriedade do mosteiro do irmão.
Certa vez, Escolástica foi ao seu encontro, acompanhada por um pequeno grupo de irmãs, quando Bento chegou também acompanhado por alguns discípulos. Passaram todo o dia conversando sobre assuntos espirituais e sobre as atividades da Igreja. Quando anoiteceu, Bento, muito rigoroso segundo as Regras, disse à irmã que era hora de se despedirem. Mas Escolástica pediu que ficasse para passarem a noite, todos juntos, conversando e rezando. Bento manteve-se intransigente, dizendo que deveria ir para as suas obrigações. Neste momento, ela pôs-se a rezar com tal fervor que uma grande tempestade se formou com raios e uma chuva forte caiu, durante a noite toda, o que o obrigou a ficar.
Vendo a situação, Bento perguntou: “O que fizeste?” E ela respondeu: “Pedi a ti e não me ouviste; pedi a Deus e Ele ouviu-me. Vá embora, se puderes, e volta ao teu mosteiro.”
E os dois irmãos puderam conversar a noite inteira.
No dia seguinte, o sol apareceu, despediram-se e cada grupo voltou para o seu mosteiro. Esta seria a última vez que os dois se veriam. Três dias depois, no seu mosteiro, Bento recebeu a notícia da morte de Escolástica; e, enquanto rezava na sua cela, olhando para o céu, viu a alma da irmã penetrar no paraíso em forma de pomba. Ele, imediatamente, começou a cantar canções de alegria a Deus e pediu a seus discípulos que trouxessem o corpo de sua irmã. Depois, mandou buscar o seu corpo e colocou-o na sepultura que havia preparado para si. Isto aconteceu em 10 de fevereiro de 547, quarenta dias antes de o próprio Bento falecer.
Escolástica foi considerada a primeira monja beneditina e Santa, pela Igreja que escolheu o dia de sua morte para as homenagens litúrgicas. É conhecida a sua “Regra do Silêncio”. Era normal Escolástica recomendar a observância da regra do silêncio e evitar conversas com pessoas estranhas no mosteiro, mesmo que visitantes devotos. E costumava dizer: “Ficai em silêncio ou falai de Deus, pois o que, neste Mundo, pode ser tão digno para se falar senão, sobre Ele?”.
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Falar de Escolástica leva-nos a pensar que vida religiosa – contemplativa ou ativa, como a conhecemos hoje – evoluiu ao longo de dois mil anos e vai continuar. Torna-se oportuna a leitura de um artigo de Christine Shenk CSJ, publicado no Vatican News sobre evidências arqueológicas das atividades das mulheres no cristianismo primitivo, encontradas em frisos de sarcófagos datados de entre o final do século III e o início do século V.
Como a maior parte da História se baseia em documentos feitos por homens, procurar fiáveis dados históricos sobre as mulheres no cristianismo primitivo é desafiante. O cristianismo baseia-se na palavra escrita, como principal meio de conhecimento da sua História. E as informações recolhidas em artefactos visuais, como afrescos, pinturas e frisos em sarcófagos, têm sido confiadas, quase em exclusivo, a historiadores de arte e a arqueólogos.
Embora haja muitas mulheres mecenas que apoiavam, financeiramente, os homens da Igreja primitiva (Maria Madalena, Febe, Lídia, Paula, Olímpia), a sua presença é quase omissa nas fontes literárias. Porém, os estudiosos estão, há décadas, a aperceber-se de que a arqueologia é fonte importante no atinente à presença das mulheres no cristianismo primitivo.
Os eclesiásticos têm justificado a limitação da autoridade feminina com a admoestação da 1.ª Carta de Paulo a Timóteo, segundo a qual as mulheres deviam permanecer em silêncio nas assembleias e não deviam ensinar ou “impor a lei aos homens”. Porém, a arte funerária cristã do final do século III e do início do século V retrata mulheres a ensinar e a pregar.
Para os romanos – cristãos ou pagãos –, o sarcófago não era só um contentor de cadáver, mas um monumento cheio de significado. A arte funerária romana tinha por objetivo visibilizar a identidade do falecido e comemorar os seus valores e virtudes. Só os ricos podiam pagar um tão caro monumento funerário; e a forma como queriam ser recordados, era um processo importante. Ser representado com um pergaminho, com uma capsa (recipiente de pergaminho) ou com um codex (livro) era indicador da educação, do status e da riqueza da pessoa falecida.
Investigação aprofundada dos motivos iconográficos selecionados em milhares de sarcófagos e de fragmentos revela que muitas mulheres do cristianismo primitivo eram recordadas como pessoas de certo status social, influentes e com autoridade nas comunidades. Significativa descoberta é o facto de haver, em comparação com os retratos funerários de homens cristãos, pelo menos, três vezes mais retratos de mulheres cristãs, e a probabilidade de estas descobertas se deverem só ao acaso é inferior a uma em mil.
A iconografia do cristianismo primitivo mostra mulheres cristãs cultas, pias e ricas. A julgar pelo número de sarcófagos que representam só mulheres, conclui-se que eram também solteiras ou viúvas, o que lembra as primeiras comunidades de viúvas ou virgens.
Considerando que muitas são representadas com rolos de pergaminho e em atitude de pregação numa cena bíblica, deduz-se que eram eruditas nas Escrituras e queriam ser representadas como mulheres confiantes no poder salvador de Deus e como especialistas na vida de Jesus e nos seus milagres de cura. As comunidades idealizaram-nas como figuras eruditas com autoridade, no mínimo, para proclamar e ensinar as Escrituras.
As fontes literárias das madres da Igreja coincidem com os achados arqueológicos, confirmando o que estudiosos contemporâneos, incluindo o Papa Bento XVI, teorizaram: que as mulheres, no cristianismo primitivo, tiveram influência muito maior do que é reconhecido. Enquanto, nas fontes literárias, predominam as figuras masculinas, os retratos funerários arqueológicos mostram que as mulheres cristãs são recordadas, sobretudo pelo exercício da autoridade eclesial nas comunidades. E as mulheres que se reuniam em torno das madres da igreja evoluíram para algumas das nossas primeiras comunidades intencionais de religiosas.

Os homens e as mulheres cristãs eram recordados e idealizados como pessoas de certo status, com certa autoridade, erudição e devoção. Ser o falecido representado com pergaminho ou capsa e entre cenas bíblicas, significava a sua erudição nas Escrituras hebraicas e cristãs.

Muitos relevos dos sarcófagos representam mulheres entre cenas bíblicas, no gesto de orador ou a segurar pergaminhos ou códices, o que atesta o facto de as mulheres do século IV não aderirem à norma de permanecerem em silêncio. A sua difusão sugere a emergência de nova identidade feminina de erudição bíblica e de autoridade pedagógica. Outra interessante verificação é o facto de os retratos femininos terem o dobro da probabilidade de estarem ladeados por figuras de apóstolos (não raro Pedro e Paulo), para validar a sua autoridade religiosa.

É plausível que as posteriores madres da Igreja, como Marcela, Paula, Melânia, a Anciã, e Proba, tenham admirado estes modelos que as inspiraram a amar e a estudar as Escrituras.

2024.02.10 – Louro de Carvalho

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