terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Campanha eleitoral quase alheada da política internacional

 

Os partidos políticos têm dificuldade em apresentar propostas concretas e eficazes sobre o correto posicionamento de Portugal nos conflitos em curso na Ucrânia e em Gaza e, ultimamente, no Mar Vermelho, quando o país tem compromissos internacionais, designadamente com a Organização das Nações Unidas (ONU), com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), com a União Europeia (UE) e com a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), sobretudo países africanos, no âmbito da cooperação.     

É certo que os problemas internos – habitação, pensões, educação, economia, saúde, salários, impostos, envelhecimento da população, etc. – são o que preocupa os cidadãos, mas Portugal não é uma ilha, pelo que deve articular-se com o resto do Mundo, sobretudo com a ONU e com os países e as organizações com que tem afinidade histórica, geográfica e estratégica.  

Ora, para lá das diferenças ideológicas em relação à NATO e à UE, os programas partidárias não sugerem soluções inovadoras para os problemas estruturais das Forças Armadas (FA). A Defesa continua a responder mal à pressão mediática e só as declarações de Donald Trump sobre países devedores à NATO e o desprezo que mostra para com a UE trouxeram o tema ao debate.

A guerra na Ucrânia conta quase dois anos e o conflito em Gaza vai no quinto mês. Apesar da atenção mediática que os dois focos de instabilidade internacional despertam, a política externa e a de Defesa têm sido ângulos quase nulos na campanha para as próximas eleições legislativas. Além de remetidos para o epílogo dos programas eleitorais, andaram praticamente arredados dos debates televisivos, até Donald Trump dizer que, se for eleito presidente dos Estados Unidos da América (EUA), encorajará a Rússia a fazer o que quiser com países devedores da NATO.

O compromisso de investimento de 2% do produto interno bruto (PIB) na Defesa, assumido, em 2014, na cimeira de Gales, pelos Estados-membros da NATO para uma década (até 2024) é pouco ou nada referido nos programas eleitorais, pelo menos, de forma específica e calendarizada. Em 2023, o governo português consignou 1,48% à Defesa, apontando 2030 como o ano para atingir a meta, incumprindo em seis anos o compromisso assumido.

Referências mais ou menos explícitas ao Leste europeu e ao Médio Oriente e ao enquadramento de Portugal em organizações como a ONU, a NATO e a UE constam nos programas dos oito partidos com assento parlamentar. As posições vão do aprofundamento da participação nacional na NATO, caso do Partido Socialista (PS), à saída da NATO, casos do Partido Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE), passando pelo reconhecimento da Palestina como Estado independente, defendido pelos partidos à esquerda do PS, incluindo o Livre e o partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN). Neste último caso, o PS defende, “intransigentemente, a solução de dois Estados” e contribuirá, “no quadro das instituições internacionais, para a promoção de uma paz justa e estável através da convivência de um Estado palestiniano e de um Estado israelita, vivendo lado a lado em paz e segurança”.

A Ucrânia é referida em todos os programas, exceto nos do Chega e do PCP, em que o nome surge uma vez e em menção meramente circunstancial. O PS continuará a contribuir para a autodefesa da Ucrânia, como caminho para uma paz justa e estável e para sancionar a Rússia. A Aliança Democrática (AD) – que integra o Partido Social Democrata (PSD), o partido do Centro Democrático Social (CDS), sem representação parlamentar, e o minúsculo Partido Popular Monárquico (PPM) – continuará a “acompanhar a defesa da Ucrânia, na linha das diretrizes europeias”, e o processo de alargamento da UE. A Iniciativa Liberal (IL) põe a tónica na entrada da Ucrânia na UE. O Livre diz “apoiar a Ucrânia na defesa contra a invasão russa”. O BE defende a “criação de uma Cimeira pela Paz na Europa, para um fim negociado da invasão russa à Ucrânia, em alternativa à escalada armamentista”. E o PAN quer “uma avaliação internacional independente dos danos ambientais causados pela invasão russa da Ucrânia” e “a participação de Portugal no financiamento e operacionalização de tais medidas”.

Quanto à guerra em Gaza, o BE advoga uma “iniciativa para investigação e julgamento do Governo de Israel por crimes de guerra e de genocídio”. O PCP aponta “as opções erradas do governo PS que, de braço dado com toda a direita (e, por vezes, com partidos à esquerda), colaboram e apoiam a criminosa e belicista política dos EUA, da UE e da NATO na guerra da Ucrânia e de genocídio na Palestina”. A referência do Chega à Ucrânia é mais circunstancial, ou seja, depender dos outros para nos alimentarmos é facto que o conflito torna ainda mais evidente.

Quanto à NATO, o PS defende o aprofundamento da participação portuguesa em diversas instâncias multilaterais (incluindo a NATO); a AD propõe-se divulgar as atividades da NATO, para a “aproximar dos cidadãos”; o Chega elege como prioridade “aumentar o investimento na Defesa Nacional, cumprindo as metas orçamentais decorrentes dos compromissos com a NATO e da UE”; e a IL vai no mesmo sentido.

O PCP propõe a “dissolução dos blocos político-militares, designadamente da NATO, com a qual o processo de desvinculação do país das suas estruturas deve estar articulada”, e a rejeição da nossa participação militar em “missões de ingerência e agressão contra outros povos”. Tal posição rejeição estende-se à “militarização da UE” e ao “incremento dos meios financeiros alocados à escalada armamentista”. Já o BE defende a saída de Portugal da NATO, um “desarmamento negociado e multilateral” e “a conversão da Base das Lajes num aeroporto plenamente civil, exigindo aos EUA as indemnizações devidas pelos danos ambientais e sociais causados”.

A NATO não é referida uma única vez nos programas do Livre e do PAN.

A situação interna merece atenção nos programas, que surgem depois de, em carta entregue, em janeiro, ao Presidente da República e aos diversos grupos parlamentares, o Grupo de Reflexão Estratégica Independente (GREI) ter alertado para a “insustentável situação” dos militares das FA. “No contexto atual em que se agravam as situações de guerra no Mundo e às portas da Europa, é grave que não se tenha ainda ouvido uma palavra sobre Defesa e Forças Armadas por parte de nenhum dos partidos políticos”, lamenta o almirante Melo Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Armada (2005-10) e presidente da Assembleia Geral do GREI, citado pelo Diário de Notícias.

O documento – da lavra de ex-chefes militares, a suprir o que os chefes em exercício não podem dizer, segundo o estatuto – sustenta que é “ao nível da seleção, do recrutamento e da retenção que as dificuldades que se sentem são maiores e mais gravosas”. Para os signatários, “a vontade política” dos governos tem conduzido a uma situação “inadmissível”, que “importa reverter tão breve quanto possível e antes que seja demasiado tarde e de consequências ainda mais gravosas para a Defesa Nacional (e sinais disso mesmo, convenhamos, já vão surgindo)”.

No entanto, não há especial rasgo na rubrica da Defesa, nos programas eleitorais. O elemento mais relevante, da parte do PS, é a necessidade de desenvolver capacidades europeias de Defesa, isto é, do aprofundamento da Segurança e Defesa europeias. É algo novo na política externa portuguesa, que tem priorizado a NATO nestas matérias. Haverá, pois, uma suave mudança de posição, no sentido de, independentemente da NATO, se assumir o aprofundamento da Segurança e da Defesa europeias. A AD tem menos elementos marcantes, face ao programa do PS.

O Chega afirma que é vital Portugal permanecer na UE, mas quer manter intactas as caraterísticas de base de um Estado soberano: Defesa, Segurança, Justiça, Assuntos Internos, Política externa, Economia. É uma contradição insanável. Também a IL tem posição desdizente da proposta tradicional dos partidos neoliberais, porque estes propalam a necessidade de um Estado mais magro e exíguo. Ora, defender que Portugal deve investir bastante mais em Segurança e em Defesa não encaixa no discurso de um partido neoliberal.

O PCP, com a Coligação Democrática Unitária (CDU) tem uma posição mais tradicional nas relações internacionais, vincando a solidariedade e pondo em cima da mesa questões como a Palestina ou o Sara Ocidental, mas sabendo que há limite para a ingerência na vida política interna dos outros Estados. E o Livre defende, de forma explícita, o reconhecimento da Palestina como Estado independente. E essa é a grande diferença, por exemplo, em relação ao PS. No espectro destes partidos, o Livre está mais próximo do PS do que do BE ou da CDU.

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As declarações de Trump sobre a Rússia e os países devedores à NATO levaram Jens Stoltenberg, secretário-geral da Aliança Atlântica, a clarificar que 18 dos 31 países da NATO já investiram, pelo menos, 2% do PIB na Defesa. E trouxeram o tema para os debates em Portugal.

No debate a dois, Pedro Nuno Santos defendeu o cumprimento do objetivo dos 2%, por se tratar de um compromisso internacional, mas apelou à mobilização da indústria nacional em linha com a sua proposta de desenvolvimento de setores específicos da Economia; e Mariana Mortágua referiu que o reforço dos mecanismos de Defesa e de Cooperação deve ser feito no quadro da UE, defendendo uma auditoria ao investimento nesta área para que este seja “transparente”.

Já no debate com Paulo Raimundo, Mortágua tinha afirmado que a UE precisa de ter voz própria na cooperação para a Defesa, que deixe de servir interesses de outras potências como os Estados Unidos [da América]”.

No frente a frente PCP-Livre, o tema mereceu comentários dos dois líderes focados na guerra na Ucrânia. Raimundo disse que “estranharia que o PCP fosse penalizado” nas urnas por defender a paz e insistiu que os intervenientes não se limitam à Ucrânia e à Rússia, mas incluem a NATO, os EUA e a UE, sendo necessário encontrar uma solução de paz e não uma escalada do conflito. Para Rui Tavares, a UE é a única hipótese que os Europeus têm para fazer face à “instabilidade” e garantir uma “união contra todos os imperialismos”, russo ou norte-americano. “Não podemos abandonar a Ucrânia”, declarou ainda.

Não há propriamente coragem nem transparência identifica nos programas ou nos debates. A AD e o PS são ambíguos. Reafirmam os compromissos com a NATO e a UE, referem o contexto geopolítico, que é preciso acautelar e para o qual Portugal deve estar à altura, mas, na prática, não dizem, por exemplo, o que significa e como chegar aos 2% do PIB para a Defesa. Procuram ter uma política de defesa que aponta o reforço do investimento, a modernização, as novas ameaças (ciber), mais reservas, o incentivo ao recrutamento e a cooperação com alianças, mas sem grandes inovações e com compromissos difusos que levantam dúvidas quanto a implementação efetiva.

Os outros partidos tratam a Defesa, sobretudo, “como política social (Chega, PCP, BE e Livre) ou como política económica (IL), mostrando quererem mais e melhores salários e subsídios, mais peso para associações profissionais”, mas sem dizerem para que temos as FA.

É natural que os programas eleitorais tenham uma componente forte de resposta às preocupações prioritárias dos cidadãos. Contudo, o tempo e o modo das campanhas eleitorais deixam pouco espaço para debater estratégias de médio e longo prazo e questões estruturais. Os debates fixam-se mais nos ataques aos erros e incompetências dos adversários, sendo as questões relevantes abordadas pela rama e, não raro, bloqueadas pelos moderadores, que insistem em pormenores. 

O que preocupa os Portugueses é o aumento do custo de vida, a saúde, a habitação e os impostos. Todavia, as questões da Defesa podem impactar o quotidiano das pessoas, pois, em contexto de conflitualidade, há perturbação nas cadeias de valor e os preços dos produtos aumentam, o que faz parte do quotidiano e evidencia a primeira prioridade: o aumento do custo de vida.

2024.02.19 – Louro de Carvalho

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