quinta-feira, 8 de fevereiro de 2024

Bispa anglicana foi à reunião do Conselho dos Cardeais

 

O Papa convidou Jo Bailey Wells, bispa da Igreja de Inglaterra e secretária-geral adjunta da Comunhão Anglicana, para participar na reunião de fevereiro do Conselho dos Cardeais (C9), que decorreu nos dias 5 e 6, na Casa Santa Marta, no Vaticano. Conhecida por defender que “a igualdade de género faz parte do plano de Deus”, a anglicana foi uma das mulheres que Francisco quis escutar – e que os seus conselheiros escutassem – sobre “o papel feminino na Igreja”.

Além de Jo Bailey Wells, o Papa voltou a convidar a irmã salesiana Linda Pocher, professora de Cristologia e de Mariologia na Pontifícia Faculdade de Ciências da Educação Auxilium de Roma, que já havia estado presente na última sessão do C9, em dezembro de 2023, em que o tema começou a ser debatido, e chamou Giuliva Di Berardino, consagrada da Ordo Virginum, da diocese de Verona, na Itália, professora e gestora de cursos de espiritualidade e de exercícios espirituais.

No caso de Jo Wells, 58 anos, que faz parte da primeira geração de mulheres ordenadas vigárias na Igreja da Inglaterra, em 1995, é de assinalar a sua experiência em papéis de liderança. Em 1998, tornou-se a primeira mulher decana de uma universidade de Cambridge e já esteve à frente de comunidades, na África do Sul, no Uganda, no Sudão do Sul e no Haiti. Casada com um padre anglicano e mãe de dois filhos, é autora de vários livros e fala, regularmente, sobre o papel das mulheres na Igreja e na sociedade em geral.

Jo Wells, conhecida pela sua defesa da “igualdade de género”, liderou uma reunião inter-religiosa com a presença do papa Francisco, no Cazaquistão, em outubro de 2022. Também foi capelã do arcebispo de Canterbury, o mais alto dirigente da Igreja da Inglaterra.

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A presença de mulheres nas reuniões de um órgão exclusivamente masculino e, em particular, a participação da bispa Jo Bailey Wells, foi saudada por muitos, que a têm como um marco de progresso significativo no esforço de Francisco para tornar a Igreja mais inclusiva e acolhedora de todas as vozes e para implementar o conceito de sinodalidade nos mais altos escalões do catolicismo, assinala o jornal Crux, na sua edição de 6 de fevereiro. Em contrapartida, outros criticam a inclusão das mulheres neste encontro de cardeais, em particular, uma mulher anglicana, interpretando o gesto do Papa como “um aceno às vozes católicas a favor da ordenação das mulheres ao diaconado e ao sacerdócio”.

Porém, se o Papa, como tudo indica, pretende continuar a reflexão sobre “o papel feminino na Igreja”, o mais provável é que se mantenha a presença das mulheres nestas reuniões. Aliás, já são muitas, embora insuficientes, as presenças femininas em organismos da Cúria Romana, talvez proporcionalmente mais do que nos órgãos de debate e de decisão nas dioceses. Já têm participado nas assembleias gerais do Sínodo dos Bispos e, na última, já puderam votar.

Uma Igreja em que a maior parte dos seus elementos é do ramo feminino não pode deixar de ter em conta o ser da mulher e o seu papel na sociedade e na Igreja. Isto, sem falar da ordenação diaconal, presbiteral ou, mesmo episcopal. Com efeito, mesmo sem aceso aos ministérios ordenados, não faltam espaços de debate e de decisão em que as mulheres podem participar e até liderar. São exemplos disso: os conselhos pastorais; as catequeses; a organização social e caritativa; os ministérios de leitor, de catequista, de acólito; os tribunais eclesiásticos; os meios de comunicação social, entre outros,    

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Recorde-se que os membros do Conselho dos Cardeais, ou C9 (em razão do número dos seus componentes), após a sua renovação levada a cabo, a 7 de março de 2023, são: o cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado da Santa Sé; o cardeal Fernando Vérgez Alzaga, presidente da Comissão Pontifícia para o Estado da Cidade do Vaticano e do Governatorato do Estado da Cidade do Vaticano; o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, arcebispo de Kinshasa, República Democrática do Congo; o cardeal Oswald Gracias, arcebispo de Bombaim, na Índia; o cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo de Boston, nos Estados Unidos da América (EUA) e presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores; o cardeal Juan José Omella Omella, arcebispo de Barcelona; o cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo do Luxemburgo; o cardeal Sérgio da Rocha, arcebispo de São Salvador da Bahia, no Brasil; e o cardeal Gérald Lacroix, arcebispo do Quebeque, no Canadá, sendo de assinalar que este último participou na reunião, apesar de ter informado que iria afastar-se, temporariamente, das suas funções, no final de janeiro, na sequência de acusações de abuso sexual de que é alvo, que remontam a 1987 e 1988, com uma adolescente de 17 anos e que nega “categoricamente”.

O secretário da Comissão é dom Marco Mellino, bispo titular de Cresima, na Tunísia.

O cardeal Fridolin Ambongo – presidente do Simpósio das Conferências Episcopais da África e Madagascar (SECAM) – tornou-se uma das vozes contra o Fiducia supplicans, documento do Dicastério para a Fé que permite a bênção a casais em situação irregular e a pessoas em união homossexual.

O Conselho dos Cardeais tem origem nas Congregações Gerais que antecederam o conclave em que foi eleito o Papa Francisco. Está em funcionamento desde setembro de 2013, ano em que Francisco foi eleito. O seu objetivo é ajudar o Papa “no governo da Igreja universal” e foi também “estudar um projeto de revisão da Constituição Apostólica Pastor bonus na Cúria Romana”.

Por ter expirado o mandato dos membros do Conselho de Cardeais, Francisco renovou, a 7 de março de 2023, a constituição deste órgão, integrando purpurados das diferentes partes do Mundo.

Também o Instituto para as Obras de Religião (IOR), criado durante a II Guerra Mundial, no tempo do Papa Pio XII, foi remodelado, na mesma data, tendo em conta algumas normas constantes da nova constituição Praedicate Evangelium, que reestruturou a Cúria romana.

O C9 foi instituído por Francisco, meses depois de ter inaugurado o pontificado, tendo a primeira reunião ocorrido em outubro de 2013. O seu papel consiste em ajudar o Papa no governo da Igreja, incorporando diferentes visões e sensibilidades. Nos trabalhos de largos anos depois da entrada em funções, dedicou-se à preparação da reforma da Cúria Romana, uma “encomenda” do conjunto dos cardeais na fase prévia ao último conclave que elegeu Francisco.

Os purpurados escolhidos em 2023 tiveram a sua primeira reunião, no Vaticano, a 24 de abril.

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De acordo com um quirógrafo (documento autógrafo) de Francisco, datado de 7 de março de 2023, o IOR, conhecido por Banco do Vaticano, passou a ser dirigido por uma única pessoa, a ter uma estrutura mais simples e órgãos com funções mais claras, para evitar sobreposições e repetições de competências. Como se tornou norma no governo central da Igreja, os mandatos passarão a ter a duração de cinco anos, renováveis uma só vez.

Doravante, no novo Estatuto, em vez de um órgão de direção constituído por um diretor e um vice-diretor, passar a existir apenas um diretor-geral. Além disso, funcionarão uma Comissão Cardinalícia e um Conselho de Superintendência. Quanto a este último órgão, ao qual compete definir a estratégia do IOR, e eleger o diretor (depois nomeado pela Comissão Cardinalícia), o quirógrafo define normas para situações de conflito de interesses.

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Segundo um comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, divulgado a 6 de dezembro de 2023, o C9, reunido com o Papa Francisco, debruçou-se sobre a “dimensão feminina da Igreja” e sublinhou a necessidade de sobre este tema “ouvir, também e sobretudo, cada comunidade cristã, para que os processos de reflexão e de tomada de decisão possam beneficiar da contribuição insubstituível das mulheres”.

O comunicado, citado pelo Vatican News, nada adiantava quanto ao modo como terá lugar essa desejável “contribuição insubstituível das mulheres”, nem sobre como se irão desenrolar “os processos de reflexão e de tomada de decisão”, ou sobre que matérias concretas versarão tais processos. A sala de Imprensa da Santa Sé também nada referia sobre as reflexões que o conselho escutou da irmã Linda Pocher, de Lucia Vantini e do padre Luca Castiglioni, todos teólogos e docentes em institutos italianos do ensino superior. No entanto, sabe-se que, nesse encontro, o Papa convidou os teólogos a refletir sobre a Igreja como “mulher e esposa” e disse que “um dos pecados cometidos” foi a tendência a “masculinizar a Igreja”.

Os cardeais conselheiros terão dedicado, em dezembro, algum tempo da sua reunião de dois dias com o Papa a examinar a situação mundial atual, particularmente o “conflito em curso na Ucrânia e a grave situação na Terra Santa”, bem como os trabalhos em curso na COP28. Em matérias mais internas à vida da Igreja, o C9 ouviu uma apresentação do cardeal Sean O’Malley, presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, sobre o ponto da situação da organização das conferências episcopais nacionais relativa àquela proteção. O comunicado da sala de Imprensa indica que a primeira sessão da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, havida durante o mês de outubro, foi também um dos temas em análise.

A primeira reunião do C9 renovado teve lugar a 24 de abril de 2023 e ficou marcada para fevereiro de 2024 a primeira reunião do ano.

É a sinodalidade também nos altos escalões da hierarquia eclesial e o ecumenismo possível na cúpula da Igreja Católica.

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Enfim, o Vaticano vai dando passos e as dioceses, que têm menos recursos, avançam mais a medo. Porém, a sorte protege os audazes!

2024.02.07 – Louro de Carvalho

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