terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

Start Campus recebeu os primeiros milhões, após a Influencer


A Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus ou Start Campus, que está a

desenvolver o Data Center, megacentro de dados em Sines, denominado Sines 4.0, recebeu uma

injeção de 25 milhões de euros dos acionistas, no final de 2023, no primeiro aporte de fundos,

desde que eclodiu a operação Influencer, que investiga suspeitas de corrupção que estiveram na

base da queda do XXIII Governo Constitucional, o terceiro liderado por António Costa.

Uma fonte próxima do grupo referiu que há faturas com os empreiteiros e custos de estrutura para

suportar; e outra garantiu que os parceiros mantêm a intenção de continuar com o investimento.

Sem acesso à banca, o projeto – iniciativa dos americanos da Davidson Kempner, parceiro

financeiro, e dos britânicos da Pioneer Point Partners, parceiro operacional, que controlam a Start

Campus, através de uma rede de empresas que vai desde as ilhas Caimão – vem sendo financiado

com recurso a fundos próprios dos acionistas.

De acordo com o portal dos atos societários do Ministério da Justiça, a Start Campus já recebeu

208 milhões, através de 15 emissões de obrigações realizadas por oferta particular, entre junho de

2021 e o final de 2023. Esse dinheiro serviu, sobretudo, para a aquisição dos terrenos e do

equipamento para desenvolver o que é considerado o segundo maior investimento estrangeiro em

Portugal, depois da Autoeuropa, na ordem dos 3,5 mil milhões de euros.

A anterior injeção ocorreu pouco antes das buscas do Ministério Público (MP) no âmbito da

Operação Influencer, a 7 de novembro, devido a suspeitas de corrupção, envolvendo membros do

governo (ou a ele afetos) relacionados com vários grandes negócios em curso no país, incluindo

o lítio, o hidrogénio e o Data Center hiperescalador Sines 4.0 (designação do megaprojeto).

O caso precipitou a demissão do primeiro-ministro (PM) António Costa e, consequentemente, a

demissão de todo o Executivo, levando o país para novas eleições, marcadas para 10 de março.

O MP suspeita que a Start Campus contratou o advogado Diogo Lacerda Machado, por este ser

amigo do PM, pagando-lhe 6.533,32 euros líquidos, por mês, para influenciar o governo e

entidades públicas a tomarem decisões favoráveis ao grupo empresarial. Foi-lhe ainda dada uma

opção para ficar com 0,5% do capital.

Uma das suspeitas recai sobre a “lei malandra”, que teria a intenção de favorecer a Start Campus,

mas que acabou fora do diploma do simplex, o do licenciamento de obras promulgado pelo

Presidente da República, a 4 de janeiro. É o Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro.

A Start Campus era liderada por Afonso Salema, que renunciou ao cargo de CEO, após ter sido

constituído arguido no âmbito da Operação Influencer. Com ele saiu o administrador Rui Oliveira

Neves, sócio da sociedade de advogados Morais Leitão, posição que viu ser suspensa. A Start

Campus foi igualmente constituída arguida no âmbito da Operação Influencer e obrigada a pagar

uma caução de 600 mil euros como medida de coação. E Salema foi substituído por Richard Dunn,

que dá continuidade a um projeto de 3,5 mil milhões de euros, que promete criar 1.200 empregos

diretos “altamente qualificados” e oito mil empregos indiretos até 2028, três anos mais tarde do

que estava previsto inicialmente (2025). Porém, em novembro de 2023, o empreendimento ainda

estava na fase de projeto-piloto.

***

A Start Campus ambiciona instalar, em Sines, um enorme campus, para centros de dados, a norte

da antiga central termoelétrica da EDP, que, durante anos, aqueceu as águas da praia de São

Torpes. Com a primeira fase do projeto quase concluída, mas acumulando três anos de atraso,

face à calendarização, o futuro do empreendimento está ensombrado por suspeitas da Influencer.

O projeto, denominado Sines 4.0, foi anunciado em abril de 2021, um mês depois de ter sido

considerado, pelo governo, projeto de Potencial Interesse Nacional (PIN).

Nos termos em que foi anunciado há quase três anos, o Sines 4.0 seria composto por um conjunto

de cinco edifícios de grande dimensão para alojar servidores, em conjunto com um edifício inicial

de menor dimensão, a que o grupo empresarial chamou NEST. A escolha da localização prendia-se

com o acesso a fontes de energia renováveis e com a proximidade da costa e de um importante

ponto de amarração de cabos submarinos. Esses cabos são infraestruturas críticas que atravessam

oceanos e pelas quais circula o grosso das comunicações intercontinentais. Sem eles, não existiria

a Internet como a conhecemos.

Então, o governo comparou a dimensão do projeto com a da fábrica automóvel da Volkswagen

em Palmela: “É, sem dúvida, o maior investimento estrangeiro que o país captou desde a

Autoeuropa”, afirmava, em abril de 2021, Eurico Brilhante Dias, então secretário de Estado da

Internacionalização e que atualmente lidera o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS).

Um comunicado do grupo empresarial explicava que o Sines 4.0 seria “um dos maiores projetos

de campus de centros de dados na Europa”, para “dar resposta à explosão de procura, por parte

de empresas tecnológicas internacionais que fornecem serviços como streaming, redes sociais,

comércio eletrónico, gaming, educação online, videoconferências, computação na cloud e outras

aplicações de processamento de dados”. O facto de se situar perto da antiga central elétrica a

carvão permitiria à Start Campus aproveitar infraestruturas existentes, para recorrer à água do mar

para arrefecer os servidores, por exemplo.

Está previsto o lançamento do Sines 4.0 em seis fases, correspondendo a primeira ao NEST, com

uma “capacidade útil de produção” – isto é, a capacidade energética consumida pelos servidores

– de 15 megawatt (MW), seguindo-se os cinco restantes edifícios, com 90 MW cada. Desde o

primeiro momento, a Start Campus chamou ao Sines 4.0 de “mega data center“, a designação

atribuída pelo Data Center Institute aos centros de dados com capacidade para albergar mais de

nove mil bastidores com servidores.

Cerca de um ano depois da apresentação ao público, a Start Campus deu conta do início da

construção do NEST, com um investimento inicial estimado de 130 milhões de euros, e de

algumas alterações ao projeto, pois referia 2027 como ano da conclusão da construção (ao invés

de 2025) e mencionava que o Sines 4.0 seria composto por oito edifícios de 60 MW, além do

NEST (ao invés dos cinco edifícios com 90 MW). A empresa esperava concluir a construção do

NEST no primeiro trimestre de 2023.

Segundo uma “memória descritiva” do Sines 4.0, disponível no site da Agência Portuguesa do

Ambiente (APA), o NEST “constitui o projeto-piloto” do empreendimento. “O projeto NEST

inclui a conceção, a construção e a colocação em funcionamento de um edifício de processamento

de dados para hyperscalers e respetivas infraestruturas, que, depois de construídos, formarão a

universalidade que será cedida a hyperscalers, para estes ali desenvolverem a atividade de

processamento de dados propriamente dita”, lê-se no documento. “O NEST poderá ser utilizado

por um ou mais hyperscalers, simultaneamente ou não, para funcionar como plataforma de teste

de equipamentos e de conhecimento e familiarização com a localização e suas infraestruturas.

Hyperscaler é o termo usado para empresas tecnológicas cujos modelos de negócio estão

dependentes da gestão de enormes quantidades de dados.

Afonso Salema noticiava, em março de 2023, que o NEST ficaria operacional “no final de

setembro”, depois de um “ligeiro atraso”, e explicava que “o projeto está a correr bastante bem”

e que a empresa tinha antecipado a compra de “grande parte do equipamento”, para escapar aos

constrangimentos das cadeias de abastecimento que se verificaram ao longo de 2022. Porém, não

referiu as dificuldades encontradas, quanto ao facto de, alegadamente, grande parte do projeto

estar inserida numa Zona Especial de Conservação (ZEC), o que exigiria uma Avaliação de

Impacte Ambiental (AIA) por parte da APA, como está descrito na indiciação do MP, com base

em escutas telefónicas aos envolvidos.

Nuno Lacasta, presidente da APA, que também é arguido no processo, concedeu isenção de AIA

à primeira fase do Sines 4.0, o que permitiu o arranque da construção do NEST.

No início de outubro de 2023, já com um atraso, face ao previsto, o promotor anunciou estar a

começar a acolher os “primeiros clientes hyperscalers” no NEST, para a fase de configuração

inicial do edifício. “Antecipando o lançamento operacional do centro de dados da Start Campus,

está em curso o processo de onboarding [acolhimento] dos novos hyperscalers, incluindo o acesso

a soluções de conectividade de rede únicas e diversificadas”, anunciou o promotor. O calendário

foi dilatado, novamente, prevendo-se que o NEST estará “totalmente operacional até março de

2024” e que o Sines 4.0 será finalizado em 2028, três anos depois da estimativa inicial.

Além disso, a configuração voltou a ser de cinco edifícios, além do NEST, num total de seis

edifícios, para albergar servidores, como avançado em 2021, e não oito edifícios de menor

dimensão, como referido pela Start Campus, aquando do início dos trabalhos de construção.

O NEST é, por isso, a única parte da construção do Sines 4.0 que já começou a ver a luz do dia,

mas ainda não está finalizado. Trata-se de um edifício de cinco mil metros quadrados, instalado

num lote com nove hectares, dos mais de 60 hectares previstos para o campus, correspondendo a

“um módulo para colocação de servidores, um módulo para os sistemas de distribuição elétricos

(incluindo baterias) e um módulo para os sistemas mecânicos (sistemas de arrefecimento e

climatização), correspondendo a cerca de 3% do total do projeto, segundo o MP.

Não se sabe quantos clientes já terá a Start Campus, mas o grupo tem destacado os acordos com

parceiros de conectividade, de que são exemplo o cabo submarino EllaLink, a EXA Infrastructure,

a DE-CIX e a Colt. Também é pouco claro o impacto que a investigação criminal terá nos planos

da Start Campus, já que perdeu, se súbito, dois dos principais administradores.

A Start Campus terá reconhecido o dano reputacional que a Operação Influencer teve no projeto,

tendo até em linha de conta que a empresa dizia seguir os mais altos critérios ambientais, sociais

e de governance. Porém, o grupo que teve autorização condicionada, para avançar, já garantiu, ao

todo, 183 milhões de euros, segundo os atos societários disponíveis no portal do Ministério da

Justiça. No final de outubro, uma semana antes das buscas pelas autoridades, se financiou, através

de oferta particular de obrigações em 32 milhões de euros, na que foi a 14.ª emissão nos últimos

dois anos. Efetivamente, o financiamento do projeto tem sido realizado, até agora, por fundos

próprios, pois os bancos nacionais nunca mostraram abertura para o financiar, por se tratar de um

conceito novo, que precisa de ser testado.

O governo tenta tranquilizar os investidores estrangeiros já presentes ou interessados em investir,

com o PM, inclusivamente, a ter falado ao país num sábado à noite para dizer que é dever dos

governos a “atração de investimento estrangeiro” e que “a qualquer governo compete assegurar

que o resultado final é a melhor satisfação do interesse público no seu conjunto”.

***

Neste momento, levantam-se algumas questões: Apesar do impacto reputacional da investigação

das suspeitas, o grupo continuará com o investimento? Haverá confiança dos investidores, que

ultrapasse a turbulência provocada por um longo período pré-eleitoral e por um eventual clima de

difícil governabilidade? Qual a razão do ceticismo bancário sobre a matéria? O empreendimento

é útil para o país ou será mais útil para interesses externos?

A Start Campus tem sede num 12.º andar das Amoreiras, em Lisboa, mas é controlada por uma

cascata de participações empresariais espalhadas por três paraísos fiscais, com ponto de partida

nas ilhas Caimão, no mar do Caribe, onde está a sociedade de advogados Walkers Global, o último

beneficiário do grupo. Enfim, trata-se de um grupo muito restrito de empresas especializadas no

tratamento de transações internacionais complexas e assuntos transfronteiriços.

2024.02.06 – Louro de Carvalho

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