A contas com
a justiça, o ex-presidente do BPP (Banco Privado Português) encontra-se algures e, segundo diz, a fazer vida
normal trabalhando de modo a ganhar para as despesas, que não são muitas,
bastando-lhe um salário de 3000 a 4000 euros mensais. Da remissão da informação
sobre o lugar onde reside para esta ou aquela embaixada de Portugal passou a
negar que esteja no Belize, mas afirmando que onde vive e trabalha fala português.
Saudades da
terra natal obviamente diz que tem, bem como da mulher, dos amigos, das três cadelinhas,
cujos nomes refere, e dos momentos bem passados. Enfim, junta coisas sérias com
trivialidades.
Como condição
de regresso a Portugal, exige ou, da parte dos tribunais, a ilibação dos crimes
de que é acusado e pelos quais foi condenado, ou, da parte do Presidente da
República, o indulto.
Alegando que
as sentenças condenatórias que impendem sobre si estão em recurso, inclusive em
tribunais internacionais, considera-se inocente e diz que vai exigir do Estado
uma indemnização superior a 30 milhões de euros. Aduz que, em termos internacionais,
qualquer processo que dure mais de 7 anos cai e alguns daqueles em que está envolvido
já têm mais de 14 anos. Por outro lado, observa que os crimes de que foi
acusado, não sendo poucos, não são muitos em comparação com os apontados a outros.
Entretanto,
Rendeiro aproveita o ensejo da entrevista que deu, por videoconferência, à “CNN Portugal” e ao “Tal & Qual”, para pôr ao léu personalidades que são tratadas de
forma diferente da sua pela sociedade e pelos tribunais, disparando em todos os
sentidos, mas não dizendo tudo. Assim, aponta antigos comparsas no BPP que mais
nada terão feito que sacar o seu dinheiro, mas só nomeia dois; fala da justiça,
que o trata mal a si, quando beneficia outros, mas só refere o nome de um, que
alegadamente pagou e paga para o tratarem bem e guarda segredos de Estado,
quando Rendeiro, que não paga a ninguém, nem guarda segredos de Estado, serve de
bode expiatório. Mais afirma que, não tendo a princípio a intenção de se
ausentar do país, a ideia surgiu tardiamente e que foi um advogado que o
representara episodicamente (diz o seu nome) quem lhe
gizou o plano de fuga. É obediente. E não volta, mesmo que a esposa seja presa,
embora tenha, antes, considerado que foi ele quem vendeu os quadros que estavam
à sua guarda, pois a mulher era fiel depositária apenas de nome, pois o
advogado que fez a carregação dos bens de que Rendeiro era fiel depositário esqueceu-se
de incluir os quadros.
Não diz onde
se encontra e, supostamente, a entrevista decorreu por forma a o foragido não deixar
rasto. Não sei se o jornalismo, no vertente caso, está a proteger fontes que
não o merecem ou se está a incorrer em encobrimento. E o entrevistado
aproveitou o ensejo para contar como surgiu a ideia do BPP, basicamente como
fruto do sucesso empresarial que tivera e para não entrar numa fase de reforma
dourada aos 40 anos de idade. No entanto, afirmou-se um banqueiro/gestor outsider e assim considerado por muita
gente, que o tinha como gestor modelar e inspirador. E diz-se vítima do sistema,
pelo que é um poderoso fraco. Com efeito, diz ter enriquecido muita gente, todos
os clientes receberam os seus dinheiros e não há lesados do BPP, ao passo que
há lesados do BES, do BPN e do Banif.
***
Dizem os
observadores que Rendeiro, observadas as condições que põe, só voltará a
Portugal se chegar aos 100 anos, dado que as penas a que foi condenado só
prescrevem passados 30 ano. Ora este considerando seria irrelevante se os
tribunais, a quem incumbe julgar absolvendo ou condenando, bem como revendo
sentenças condenatórias, o viessem a ilibar. Ora, só depois da ilibação, é que
faria sentido colocar a questão indemnizatória. Por isso, Rendeiro ou está
desesperado ou está a lançar-nos poeira para os olhos. E falar de indulto presidencial
num caso destes raia a insolência, porquanto o BPP, que foi considerado um caso
de sucesso e mesmo um caso de estudo, não passou duma fábrica de enriquecimento
anómalo, onde o desastre só não terá sido maior por habilidade ou sorte. Queixa-se
o ex-banqueiro de que os comparsas o deixaram. Estava à espera de quê? Em que é
que beneficiou o poder instituído ou em que é que o influenciou? Alinharam com
ele na aventura e, aquando do naufrágio, obviamente fugiram como ratos. Nada de
admirar. Tem razão quando acusa a justiça de parcial, injusta e lenta, mas isso
não o iliba de crimes que supostamente haja praticado. Deve é exigir justiça
para os outros.
E, por falar
de indulto, há que referir, seguindo a linha de Constança Urbano de Sousa, que “indulto
é uma forma de extinção da pena que se consubstancia num ato de clemência ou de
graça do poder público (em Portugal, do Presidente da República), através do qual se perdoa, total ou parcialmente, o
cumprimento de uma pena a que foi condenada uma determinada pessoa ou a comuta
por outra mais leve”. Nos termos da alínea f) do art.º 134.º da CRP compete ao Presidente
da República “indultar ou comutar penas, ouvido o Governo”.
E Urbano de
Sousa esclarece que não se confunde com amnistia, ato pelo qual o Estado, no
quadro do poder legislativo, “determina a extinção da responsabilidade penal
por determinado delito que afeta de forma geral e abstrata uma pluralidade de
pessoas, fazendo cessar a perseguição criminal destes crimes e anulando as
condenações pelos mesmos”. Enquanto, pelo indulto, o Estado perdoa através de
um ato político-administrativo (em Portugal, um decreto do Presidente da República –
no caso de o processo ser indeferido, o Presidente faz despacho) a pena a que foi condenada uma pessoa, pela amnistia,
perdoa através de lei (da Assembleia da República) o delito, a conduta criminosa de todos quantos tenham
cometido determinado crime.
A matéria referente
ao indulto está regulada no Código de execução das penas e medidas privativas
da liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, alterada pelas
Leis n.º 33/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro. A iniciativa
do indulto pode ser do condenado, do representante legal, do cônjuge ou
parceiro em união de facto, de outro familiar ou do diretor do estabelecimento
prisional onde está o recluso (art.º 233.º do Código de execução das penas). O pedido é dirigido ao Presidente da República até 30
de junho (art.º 224.º) e instruído pelo tribunal de execução de penas (art.º 225.º) devendo o MP (Ministério Público) emitir parecer (art.º 226.º). O indulto é concedido por decreto presidencial a 22
de dezembro (art.º 227.º) – o dia da
concessão anual do indulto – podendo ser subordinado a condições. Pode ser
revogado por decreto presidencial (art.º 228.º).
É caso para
perguntar se é de falar de indulto quando o próprio interessado diz que as
sentenças condenatórias estão em fase de recurso.
***
Também neste caso, como era já de esperar, mas inexplicavelmente, o
Presidente da República, veio comentar a questão do indulto, dizendo que “já é
tarde” para o ex-presidente do BPP pedir indulto para regressar a Portugal,
adiantando que “não é possível sequer examinar”. Com efeito, diz Presidente, “o
indulto tem que ser pedido pelo próprio até 30 de junho – já passou – e depois
tem de ter acompanhado o processo pelo Tribunal de Execução de Penas. Passa por
pareceres vários, [...] pela posição da Ministra da justiça e pela decisão do
Presidente da República”, indicou à CNN Portugal o chefe de Estado. E Marcelo vincou
que, “nesta altura, em novembro, já é tarde” e atentou que “não é possível sequer examinar, porque há
muitos outros que estão em fila e devemos respeitar o prazo”.
Já se esperava que o Chefe de Estado se viesse a pronunciar, já que fala
sobre tudo e mais alguma coisa. Porém, neste caso de justiça, o melhor seria
mesmo o silêncio presidencial. Não está em causa a separação dos poderes nem as
prerrogativas constitucionais do Presidente. Está em causa a putativa apreciação
que se possa fazer sobre a relação do Estado com a fuga à justiça. E é de caras
que de forma legítima se pode perguntar: Se o condenado tivesse requerido, por
si ou por outrem (ao
invés do que diz o Presidente, não tem de ser o condenado a fazê-lo), o indulto até 30 de junho, seria considerado
o pedido e eventualmente decretado o indulto? É verdade que o Presidente Cavaco
Silva concedeu um indulto a um condenado que, fugido da prisão, andava a monte,
mas nem o Presidente nem o Governo sabiam disso aquando do decreto.
Finalmente, quanto a Rendeiro, indulto, jamais em tempo algum. Foragido à
justiça não o merece; e gestor que montou um empório suspeito e de concorrência
de legalidade pelo menos duvidosa não merece contemplação. Se os tribunais
reapreciarem as sentenças e acórdãos e concluírem pela inocência, é claro que
teremos de aceitar. Porém, fuga à justiça deve dispensar os contribuintes de responsabilidades
indemnizatórias.
Outros fugiram à justiça, outros prevaricaram, mas os erros dos outros não
desculpam quem faz o mesmo. E outros foram condenados na praça pública antes
que a justiça, porque justiça-espetáculo, os conseguisse sequer julgar.
2021.11.24 –
Louro de Carvalho
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