quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Um célebre foragido exige ilibação ou indulto para regresso a Portugal

 

A contas com a justiça, o ex-presidente do BPP (Banco Privado Português) encontra-se algures e, segundo diz, a fazer vida normal trabalhando de modo a ganhar para as despesas, que não são muitas, bastando-lhe um salário de 3000 a 4000 euros mensais. Da remissão da informação sobre o lugar onde reside para esta ou aquela embaixada de Portugal passou a negar que esteja no Belize, mas afirmando que onde vive e trabalha fala português.

Saudades da terra natal obviamente diz que tem, bem como da mulher, dos amigos, das três cadelinhas, cujos nomes refere, e dos momentos bem passados. Enfim, junta coisas sérias com trivialidades.   

Como condição de regresso a Portugal, exige ou, da parte dos tribunais, a ilibação dos crimes de que é acusado e pelos quais foi condenado, ou, da parte do Presidente da República, o indulto.

Alegando que as sentenças condenatórias que impendem sobre si estão em recurso, inclusive em tribunais internacionais, considera-se inocente e diz que vai exigir do Estado uma indemnização superior a 30 milhões de euros. Aduz que, em termos internacionais, qualquer processo que dure mais de 7 anos cai e alguns daqueles em que está envolvido já têm mais de 14 anos. Por outro lado, observa que os crimes de que foi acusado, não sendo poucos, não são muitos em comparação com os apontados a outros.

Entretanto, Rendeiro aproveita o ensejo da entrevista que deu, por videoconferência, à “CNN Portugal” e ao “Tal & Qual”, para pôr ao léu personalidades que são tratadas de forma diferente da sua pela sociedade e pelos tribunais, disparando em todos os sentidos, mas não dizendo tudo. Assim, aponta antigos comparsas no BPP que mais nada terão feito que sacar o seu dinheiro, mas só nomeia dois; fala da justiça, que o trata mal a si, quando beneficia outros, mas só refere o nome de um, que alegadamente pagou e paga para o tratarem bem e guarda segredos de Estado, quando Rendeiro, que não paga a ninguém, nem guarda segredos de Estado, serve de bode expiatório. Mais afirma que, não tendo a princípio a intenção de se ausentar do país, a ideia surgiu tardiamente e que foi um advogado que o representara episodicamente (diz o seu nome) quem lhe gizou o plano de fuga. É obediente. E não volta, mesmo que a esposa seja presa, embora tenha, antes, considerado que foi ele quem vendeu os quadros que estavam à sua guarda, pois a mulher era fiel depositária apenas de nome, pois o advogado que fez a carregação dos bens de que Rendeiro era fiel depositário esqueceu-se de incluir os quadros.

Não diz onde se encontra e, supostamente, a entrevista decorreu por forma a o foragido não deixar rasto. Não sei se o jornalismo, no vertente caso, está a proteger fontes que não o merecem ou se está a incorrer em encobrimento. E o entrevistado aproveitou o ensejo para contar como surgiu a ideia do BPP, basicamente como fruto do sucesso empresarial que tivera e para não entrar numa fase de reforma dourada aos 40 anos de idade. No entanto, afirmou-se um banqueiro/gestor outsider e assim considerado por muita gente, que o tinha como gestor modelar e inspirador. E diz-se vítima do sistema, pelo que é um poderoso fraco. Com efeito, diz ter enriquecido muita gente, todos os clientes receberam os seus dinheiros e não há lesados do BPP, ao passo que há lesados do BES, do BPN e do Banif.

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Dizem os observadores que Rendeiro, observadas as condições que põe, só voltará a Portugal se chegar aos 100 anos, dado que as penas a que foi condenado só prescrevem passados 30 ano. Ora este considerando seria irrelevante se os tribunais, a quem incumbe julgar absolvendo ou condenando, bem como revendo sentenças condenatórias, o viessem a ilibar. Ora, só depois da ilibação, é que faria sentido colocar a questão indemnizatória. Por isso, Rendeiro ou está desesperado ou está a lançar-nos poeira para os olhos. E falar de indulto presidencial num caso destes raia a insolência, porquanto o BPP, que foi considerado um caso de sucesso e mesmo um caso de estudo, não passou duma fábrica de enriquecimento anómalo, onde o desastre só não terá sido maior por habilidade ou sorte. Queixa-se o ex-banqueiro de que os comparsas o deixaram. Estava à espera de quê? Em que é que beneficiou o poder instituído ou em que é que o influenciou? Alinharam com ele na aventura e, aquando do naufrágio, obviamente fugiram como ratos. Nada de admirar. Tem razão quando acusa a justiça de parcial, injusta e lenta, mas isso não o iliba de crimes que supostamente haja praticado. Deve é exigir justiça para os outros.   

E, por falar de indulto, há que referir, seguindo a linha de Constança Urbano de Sousa, que “indulto é uma forma de extinção da pena que se consubstancia num ato de clemência ou de graça do poder público (em Portugal, do Presidente da República), através do qual se perdoa, total ou parcialmente, o cumprimento de uma pena a que foi condenada uma determinada pessoa ou a comuta por outra mais leve”. Nos termos da alínea f) do art.º 134.º da CRP compete ao Presidente da República “indultar ou comutar penas, ouvido o Governo”.

E Urbano de Sousa esclarece que não se confunde com amnistia, ato pelo qual o Estado, no quadro do poder legislativo, “determina a extinção da responsabilidade penal por determinado delito que afeta de forma geral e abstrata uma pluralidade de pessoas, fazendo cessar a perseguição criminal destes crimes e anulando as condenações pelos mesmos”. Enquanto, pelo indulto, o Estado perdoa através de um ato político-administrativo (em Portugal, um decreto do Presidente da República – no caso de o processo ser indeferido, o Presidente faz despacho) a pena a que foi condenada uma pessoa, pela amnistia, perdoa através de lei (da Assembleia da República) o delito, a conduta criminosa de todos quantos tenham cometido determinado crime.

A matéria referente ao indulto está regulada no Código de execução das penas e medidas privativas da liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, alterada pelas Leis n.º 33/2010, de 2 de setembro, e 40/2010, de 3 de setembro. A iniciativa do indulto pode ser do condenado, do representante legal, do cônjuge ou parceiro em união de facto, de outro familiar ou do diretor do estabelecimento prisional onde está o recluso (art.º 233.º do Código de execução das penas). O pedido é dirigido ao Presidente da República até 30 de junho (art.º 224.º) e instruído pelo tribunal de execução de penas (art.º 225.º) devendo o MP (Ministério Público) emitir parecer (art.º 226.º). O indulto é concedido por decreto presidencial a 22 de dezembro (art.º 227.º) – o dia da concessão anual do indulto – podendo ser subordinado a condições. Pode ser revogado por decreto presidencial (art.º 228.º).

É caso para perguntar se é de falar de indulto quando o próprio interessado diz que as sentenças condenatórias estão em fase de recurso.

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Também neste caso, como era já de esperar, mas inexplicavelmente, o Presidente da República, veio comentar a questão do indulto, dizendo que “já é tarde” para o ex-presidente do BPP pedir indulto para regressar a Portugal, adiantando que “não é possível sequer examinar”. Com efeito, diz Presidente, “o indulto tem que ser pedido pelo próprio até 30 de junho – já passou – e depois tem de ter acompanhado o processo pelo Tribunal de Execução de Penas. Passa por pareceres vários, [...] pela posição da Ministra da justiça e pela decisão do Presidente da República”, indicou à CNN Portugal o chefe de Estado. E Marcelo vincou que, “nesta altura, em novembro, já é tarde” e atentou que “não é possível sequer examinar, porque há muitos outros que estão em fila e devemos respeitar o prazo”.

Já se esperava que o Chefe de Estado se viesse a pronunciar, já que fala sobre tudo e mais alguma coisa. Porém, neste caso de justiça, o melhor seria mesmo o silêncio presidencial. Não está em causa a separação dos poderes nem as prerrogativas constitucionais do Presidente. Está em causa a putativa apreciação que se possa fazer sobre a relação do Estado com a fuga à justiça. E é de caras que de forma legítima se pode perguntar: Se o condenado tivesse requerido, por si ou por outrem (ao invés do que diz o Presidente, não tem de ser o condenado a fazê-lo), o indulto até 30 de junho, seria considerado o pedido e eventualmente decretado o indulto? É verdade que o Presidente Cavaco Silva concedeu um indulto a um condenado que, fugido da prisão, andava a monte, mas nem o Presidente nem o Governo sabiam disso aquando do decreto.

Finalmente, quanto a Rendeiro, indulto, jamais em tempo algum. Foragido à justiça não o merece; e gestor que montou um empório suspeito e de concorrência de legalidade pelo menos duvidosa não merece contemplação. Se os tribunais reapreciarem as sentenças e acórdãos e concluírem pela inocência, é claro que teremos de aceitar. Porém, fuga à justiça deve dispensar os contribuintes de responsabilidades indemnizatórias.   

Outros fugiram à justiça, outros prevaricaram, mas os erros dos outros não desculpam quem faz o mesmo. E outros foram condenados na praça pública antes que a justiça, porque justiça-espetáculo, os conseguisse sequer julgar.

2021.11.24 – Louro de Carvalho

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