terça-feira, 30 de novembro de 2021

Diminuição da idade legal da reforma devido à covid-19

 

Idade legal da reforma/aposentação recua em 2023 e penalizações por reforma antecipada são aliviadas já para 2022. É medida inédita moderada em Portugal a reversão, ainda que parcial, dum agravamento das condições de benefício ao cidadão.

O aumento da mortalidade da covid-19 levou a um recuo da esperança de vida a partir dos 65 anos e dita uma diminuição da idade legal da reforma/aposentação para 66 anos e 4 meses, em 2023 (menos 3 meses que o estipulado para 2022 – 66 anos e 7 meses) e do corte, em 2022, nas pensões antecipadas associado ao fator de sustentabilidade, que ficará então em 0,85943152, implicando uma penalização de 14,06% no valor da reforma/aposentação.

Isto quer dizer que a justificação deste pequeno desagravamento se estriba nas piores razões, ou seja, na redução da esperança de vida aos 65 anos mercê do acréscimo de mortalidade associado ao contexto de pandemia em que o país vive desde março de 2020, como refere o INE (Instituto Nacional de Estatística), que publicou novos dados sobre a matéria neste dia 29.

Efetivamente, o INE publicou o valor provisório da esperança de vida aos 65 anos no período entre 2019 e 2021, que foi estimado em 19,35 anos. Este valor traduz o número médio de anos que uma pessoa que atinja a idade exata 65 anos pode esperar ainda viver, mantendo-se as taxas de mortalidade por idades observadas no momento, e diminuiu 0,34 anos (4 meses) relativamente ao triénio anterior (2018-2020), em que a esperança de vida aos 65 anos se situou em 19,69 anos.

Esta é a primeira redução na esperança de vida aos 65 anos em Portugal desde, pelo menos, o triénio 1999-2001, quando começa a série de dados do INE sobre esta variação e em que a esperança média de vida aos 65 anos se situava nos 16,63 anos.

Armindo Silva, economista e ex-diretor na Comissão Europeia na área do emprego e da proteção social, vincando que “é a primeira vez que diminui” a esperança média de vida aos 65 anos e que se trata de “uma descida importante”, anota que “tinha havido um aumento secular em Portugal e nos outros países desenvolvidos” e que, ficando perto do nível registado no triénio 2014-2016, significa que “recuámos 5 anos na esperança de vida aos 65 anos”.

Segundo o INE, autoridade estatística nacional, a diminuição da esperança de vida aos 65 anos é “resultado do aumento do número de óbitos no contexto da pandemia de covid-19”. E os especialistas convergem na explicação. Assim, Armindo Silva afirma que “resulta da pandemia” e lembra que a taxa de mortalidade em Portugal oscilou entre os 10 por mil e os 11 por mil entre 2010 e 2019, enquanto em 2020 “passou para praticamente 12 por mil”, sendo que o pico da mortalidade por covid-19 aconteceu já nos primeiros meses de 2021.

Porém, é de ter em conta que este acréscimo da mortalidade resulta não apenas do impacto direto da pandemia, ou seja, óbitos por covid-19, mas também da mortalidade indireta, como óbitos associados ao adiamento de diagnósticos, cirurgias e acesso a cuidados médicos por o sistema de saúde estar sobrecarregado pelo contexto pandémico. Nestes termos, Jorge Bravo, professor da NOVA IMS (Information Management School da Universidade Nova de Lisboa) e especialista no tema das pensões, assegura que “a mortalidade, mesmo sem covid, está acima da média”.

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Segundo a fórmula prevista na lei, é a evolução da esperança de vida aos 65 anos a ditar a idade da reforma/aposentação e o fator de sustentabilidade das pensões, a cada ano. Assim, a idade legal da reforma/aposentação em Portugal que se situava em 65 anos, subiu para os 66 anos em 2014, com o Governo PSD/CDS-PP de Pedro Passos Coelho e, a partir daí, passou a evoluir de acordo com a esperança de vida aos 65 anos no triénio de referência, pelo que tem vindo a subir, em regra, um mês por ano. Já o fator de sustentabilidade das pensões, criado pela reforma da Segurança Social de Vieira da Silva, em 2007, visa refletir no valor das pensões os ganhos de longevidade e, por isso, evolui com a esperança de vida aos 65 anos. Inicialmente, este fator aplicava-se a todas as pensões, mas no Governo de Passos Coelho foi agravado e passou a incidir apenas sobre as reformas/pensões antecipadas.

Assim, a idade legal para acesso à pensão de velhice vai diminuir. No entanto, primeiro ainda subirá. Em 2022, a idade legal da reforma/aposentação já está definida nos 66 anos e 7 meses, mais um mês do que este ano. Contudo, a diminuição da esperança de vida aos 65 anos entre 2019 e 2021 vai ditar a redução da idade legal da reforma em 2023 para os 66 anos e 4 meses. A redução será de 2 meses face a este ano e de 3 meses na comparação com 2022. Desta forma, a idade legal da reforma/aposentação em 2023 recua para o patamar de 2018. Todavia, este valor terá de ser confirmado por portaria do Governo.

Também, fruto da queda na esperança de vida aos 65 anos, o corte sobre as reformas/pensões antecipadas associado ao fator de sustentabilidade das pensões diminuirá para 14,06% em 2022, valor que compara com 15,5% este ano e ficará perto do patamar de 2017 e 2018. É esse o corte, a ser confirmado por portaria do Governo, que enfrentará no valor da sua pensão, por esta via, quem se reformar antecipadamente em 2022 e não esteja protegido deste fator.

No atinente à susodita proteção do fator de sustentabilidade, é de recordar que nem todas as pensões antecipadas sofrem o corte ditado por este fator. Mercê de várias alterações legislativas desde 2017, um conjunto de reformas antecipadas deixou de sofrer esta penalização. É o caso de quem tem muitos anos de descontos, as longas carreiras contributivas. Assim, quem aos 60 anos de idade acumulou pelo menos 40 anos de descontos fica a salvo do fator de sustentabilidade, embora se aplique a penalização de 0,5% por cada mês de antecipação face à idade legal de reforma, pois, além do corte associado ao fator de sustentabilidade, as reformas/aposentações antecipadas sofrem ainda uma penalização de 0,5% por cada mês que falte para atingir a idade da reforma, tanto no caso dos funcionários públicos como no setor privado. Porém, quem só depois dos 60 anos perfaça 40 anos de carreira contributiva (por exemplo, aos 61 anos ou depois) sofre o corte do fator de sustentabilidade. Esta foi uma das principais fraturas entre PS e BE, que culminaram no voto contra dos bloquistas sobre proposta do Orçamento do Estado para 2022. 

É, entretanto, de referir que estas são indicações genéricas, já que podem verificar-se variações de caso para caso, uma vez que as regras também preveem bonificações por tempo de descontos que, nalgumas situações, podem atenuar os cortes.

Deve ainda considerar-se que da redução da idade legal da reforma/aposentação e da diminuição do fator de sustentabilidade pode resultar um aumento do número de reformas/aposentações em Portugal. Neste sentido, Armindo Silva vaticina:

Terá impacto, certamente, no número de novas reformas, que deve aumentar, porque vai mexer com os incentivos e, logo, com o comportamento das pessoas”.

Na verdade, quem estiver a pensar em reformar-se/aposentar-se antecipadamente terá, em 2022, um corte menor no valor da pensão pela via do fator de sustentabilidade. Além disso, em 2023, com a redução da idade legal da reforma/aposentação, sofrerá um corte também menor pela via da penalização de 0,5% por cada mês de antecipação (6% ao ano) face a essa idade legal. É que o cálculo para o número de meses de antecipação passa a ser feito tendo como referência uma idade legal da reforma de 66 anos e quatro meses e já não de 66 anos e sete meses como em 2022, ou de 66 anos e seis meses como em 2021.

Face a tais dados, é pertinente colocar a questão se a queda na idade da reforma/aposentação e no corte associado ao fator de sustentabilidade é pontual ou pode prolongar-se. A este respeito, os especialistas creem num efeito que se prolongará para lá de um ano. Assim, Jorge Bravo sustenta que “este ano e o próximo serão muito afetados na esperança de vida aos 65 anos por causa da pandemia, não só por causa da mortalidade direta, como indireta, que já se sente”, e aponta como “grande incógnita para os próximos anos a forma como vai evoluir a mortalidade indireta, devido à falta de assistência médica e adiamento de diagnósticos durante a pandemia”. E Armindo Silva considera que “o efeito é prolongado”.

Por conseguinte, a idade da reforma/aposentação pode voltar a descer em 2024 por causa da forma de cálculo da idade da reforma/aposentação e do fator de sustentabilidade em cada ano, que tem em conta a evolução da esperança de vida aos 65 anos e as taxas de mortalidade no triénio de referência. Por isso, os dados ora publicados pelo INE para o período entre 2019 e 2021 determinam o fator de sustentabilidade em 2022 e a idade da reforma/aposentação em 2023. E, em 2022, os números que o INE divulgará para o triénio 2020-2022 determinarão o fator de sustentabilidade em 2023 e a idade da reforma/aposentação em 2024. E, “nesse cálculo, já não será tido em conta o ano de 2019, que foi de baixa mortalidade, sendo considerados os anos de 2020 a 2022, com efeito total da pandemia”, como adverte Armindo Silva, cuja expectativa é “nova descida da idade da reforma em 2024”.

Armindo Silva chama ainda a atenção para duas variáveis. Uma delas é “como se vai comportar a mortalidade direta associada à covid-19 em 2021 e em 2022, na sequência da vacinação, e ainda para mais com a complicação do surgimento de novas variantes, como estamos a assistir”; outra, “ainda mais difícil de estimar, é a evolução da mortalidade não covid”, que dependerá da severidade da gripe este ano e da capacidade de ‘resiliência’ do SNS à pandemia”.

O especialista, falando de “fatores que tornam muito difícil estimar como a mortalidade vai evoluir”, defende que “a tendência aponta para uma redução da esperança de vida aos 65 anos que não é pontual”, e “para uma diminuição da idade da reforma que também não é pontual”.

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Recentemente, o Parlamento votou o fim dos cortes nas pensões antecipadas para pessoas com grau de incapacidade mínimo de 80% que, aos 60 anos, acumulem carreira contributiva de 15 anos com este grau de deficiência. Porém, a medida só entrará em vigor com o próximo OE 2022, cabendo ao próximo governo regulamentá-la num prazo de 6 meses. Porém, segundo o Boletim do Banco de Portugal, de junho de 2019, com as regras em vigor e recorrendo às projeções demográficas do Eurostat (EUROPOP2015), sobretudo na evolução dos ganhos de esperança média de vida aos 65 anos, é projetável a tendência para a evolução da idade da reforma/aposentação. Assim, os cerca de 5 anos de ganhos médios de longevidade projetados entre 2018 e 2070 traduzem-se no aumento da idade de reforma de 3 anos nesse horizonte.

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Face dos dados técnicos do INE, resta saber se os decisores políticos agirão em conformidade. Desde que Ferreira Leite exigiu a quem se aposentasse com menos de 60 anos a não auferição de pensão no valor do melhor vencimento ilíquido dos últimos e anos de serviço e sofresse desconto de 4,5% por cada ano que faltasse, a peregrinação das pensões é dolorosa. Haja luz!

2021.11.30 – Louro de Carvalho

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