É a epígrafe do “7 Margens”, de 22 de novembro, a
caraterizar a I
Assembleia Eclesial da América Latina e das Caraíbas (AEALC), com a participação de perto de 1200 participantes,
que está a decorrer desde o passado domingo, dia 21, no Santuário de Nossa
Senhora de Guadalupe, no México, em regime misto (presencial e online) prolongando-se por toda a semana, até ao domingo, dia
28, e que é considerada já a primeira grande concretização da Igreja sinodal
sonhada pelo Papa Francisco
Na retaguarda do mais que milhar de representantes estão muitos milhares de
outros cristãos e outros participantes na fase de escuta que se desenrolou entre
abril e agosto deste ano. Serão perto de 70 mil, no dizer de Dom Miguel Cabrejos Vidarte, Arcebispo de Trujillo (Peru) e presidente da CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) na sessão de abertura. Desse número, 47 mil
fizeram-no no âmbito de grupos e comunidades de Igrejas locais, 14 mil em
fóruns temáticos organizados localmente e 8.500 em iniciativas ou contactos
individuais.
A esmagadora maioria (93%) encontra-se
nos seus países, devido ao contexto pandémico, pelo que os organizadores, à
frente dos quais está o presidente do CELAM, construíram complexo sistema de
participação à distância, pensando sobretudo nos trabalhos de grupos. Em termos
de condição e qualidade dos participantes: 40% são leigos, 21% são padres e
diáconos, 20% são religiosos e religiosas e outros tantos são bispos. Membros
de outras confissões religiosas são em número residual (cerca de
uma dezena). Analisando
outros dados sociodemográficos, ressalta que a presença de jovens, com 6%, é
bastante limitada. Perto de dois terços dos membros da Assembleia (64,7%) têm mais de 50 anos.
Os trabalhos da Assembleia, que se iniciaram no dia 22, culminam o processo
iniciado em janeiro deste ano, quando, em resposta à sugestão que lhe foi feita
de nova conferência geral do episcopado latino-americano, o Papa apontou uma
via sinodal, uma conferência de todo o Povo de Deus. Ora, essa via tinha marcos
fortes nas últimas décadas: para não ir mais atrás no historial, basta anotar a
V Conferência da Aparecida, em 2007, cujo documento programático tem a mão do Cardeal
Bergoglio, o atual Papa, e o Sínodo extraordinário da Amazónia, em 2018, que foram
caminhos que exibem a marca de Francisco e exprimem o prólogo dos preparativos
do atual Sínodo que envolve todo o povo de Deus.
A influência da Igreja Católica da América Latina na Igreja universal
ressalta em vários setores, como refere Austen Ivereigh, jornalista inglês e
biógrafo do Papa Francisco, em entrevista ao site do
Instituto Humanitas da Unisinos e publicada, no essencial, pelo site do
Vaticano.
Para ele, que também participa presencialmente na Assembleia do México e na
pegada de declarações de alguns teólogos, “a
Igreja latino-americana hoje é a Igreja fonte da Igreja universal, no sentido
de que o resto da Igreja reflete este dinamismo em certa medida”. Esta
ideia de “fonte inspiradora” ou “laboratório” está a concitar a atenção de
figuras da Igreja como os cardeais Grech e Hollerich, que vieram expressamente
participar e aprender com a longa experiência de escuta alargada e de
colegialidade, que a Igreja desta parte do mundo há bastante tempo desenvolve.
E, em mensagem à Conferência, Francisco reitera a importância da escuta,
desejando que, no intercâmbio que ela permite, se escute a voz de Deus até
escutar, com Ele, o clamor do povo, e escutar a voz do povo até respirar nele a
vontade a que Deus nos chama”.
***
A Assembleia Eclesial para a América Latina e Caribe avançou,
com a elaboração e distribuição dos documentos preparatórios e a constituição
de instâncias coordenadoras em cada país.
O processo sinodal, anunciado em 24 de janeiro e que tem
agora o seu ponto alto na cidade do México, gravita em torno do lema “Somos todos discípulos missionários em saída”.
No último fim de semana de março, os secretários-gerais das
conferências episcopais da região receberam os instrumentos preparatórios,
que guiaram todas as atividades preparatórias que se iniciaram em abril, foram coordenadas
por equipas em cada um dos países e permitiram “ouvir o povo de Deus”, estimulando
a “participação de todos”. E, nesse encontro, os responsáveis do CELAM
sugeriram que as equipas de coordenação fossem paritárias, isto é, “compostas por
igual número de rapazes e raparigas, religiosos e religiosas, leigos e leigas”,
cujas opiniões e decisões tivessem “o mesmo nível e valor que as do clero” (diáconos, padres ou bispos). A escuta das bases e das diferentes
estruturas foi acompanhada pelo “Documento do Caminho”, documento de fundo
elaborado por uma comissão de especialistas, um “Guia Metodológico”, em
versão expandida e versão popular, e uma plataforma que reuniu e sistematizou
as informações. Foi aberta a possibilidade de criação de fóruns de discussão
temáticos, entre outros. E deste processo surgiu um documento de trabalho que é
a base para o processo de decisão da Assembleia neste mês de novembro.
Numa videomensagem então endereçada ao Arcebispo de Trujillo
(Peru) e presidente do CELAM, o Papa
explicitou dois critérios que devem ser seguidos em todo o percurso sinodal:
“Gostaria de vos dar dois critérios para vos
acompanhar neste tempo, um tempo que abre novos horizontes de esperança para
nós. Primeiro, junto do povo de Deus: que esta assembleia não seja uma elite
separada do santo povo fiel de Deus. Junto do povo: não vos esqueçais, todos somos
parte do povo de Deus, todos somos parte dele. O povo de Deus que é infalível ‘in credendo’, como nos diz o Concílio, é
o que nos dá a pertença. Fora do povo de Deus surgem as elites, as elites
iluminadas por uma ideologia ou outra, e isso não é a Igreja. A Igreja acontece
no partir do pão, a Igreja acontece com todos, sem exclusão. Uma assembleia
eclesial é o sinal de uma Igreja sem exclusão. E a outra coisa a ter em conta é
a oração. No meio de nós está o Senhor. Que o Senhor se faça ouvir. Daí o
nosso pedido de que Ele esteja connosco.”.
Mauricio López, coordenador da Comissão de Escuta da
Assembleia, citado pelo Kayros, site
especializado em assuntos sócio-religiosos, disse que se visa “promover a
aproximação com vozes que habitualmente têm sido excluídas ou não tiveram
acesso, o que só é possível na capilaridade eclesial da proximidade encarnada
pelas tão diversas presenças” dos participantes.
***
Em mensagem aos
participantes, datada de 15 de outubro e publicada no “L'Osservatore
Romano”, de 22 de novembro, o Papa vinca
o desejo da Assembleia de “promover uma Igreja sinodal em saída, para reavivar o espírito do
V Conferência Geral dos Bispos que, em Aparecida, em 2007, nos chamou a ser
discípulos missionários e a animar a esperança, em vista do Jubileu de
Guadalupe em 2031 e do Jubileu da Redenção em 2033”.
Considera
esta Assembleia como “uma nova expressão do rosto latino-americano e caribenho”
da Igreja, em sintonia com o processo preparatório da XVI Assembleia Geral do
Sínodo dos Bispos sobre o tema: “Para um
Sinodal Igreja: comunhão, participação e missão”. E, baseado nestas
chaves que estruturam e orientam a sinodalidade, Francisco deixa duas palavras
a levar em conta neste caminho conjunto. A primeira é “ouvir”. Com efeito
o dinamismo inerente às assembleias eclesiais consiste no “processo de escuta,
diálogo e discernimento”. Neste sentido, diz o Papa, “a troca facilita
‘escutar’ a voz de Deus para escutar com Ele o clamor do povo, e escutar o povo
a ponto de captar nele a vontade a que Deus nos chama”. Por isso, o
Pontífice exorta os participantes a que “procurem escutar uns aos outros e
escutar o grito dos nossos irmãos e irmãs mais pobres e esquecidos”. A outra
palavra é “superabundância”. Na verdade, “o discernimento comunitário
requer muita oração e diálogo para encontrarmos juntos a vontade de Deus”, bem
como o encontro de “caminhos de superação para evitar que as diferenças se
transformem em divisões e polarizações”. Destarte o Santo Padre roga ao
Senhor que esta Assembleia “seja expressão da ‘superabundância’ do amor criador
do seu Espírito, que nos impele a sair sem medo ao encontro dos outros e que
anima a Igreja para que, através de um processo de conversão pastoral, seja
cada vez mais evangelizadora e missionária”.
***
Dom Miguel Cabrejos, presidente do CELAM, presidiu à Missa de abertura da Assembleia,
na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, e anotou que a
Assembleia Eclesial chega depois de “um longo caminho percorrido juntos,
escutando todos, sentindo como é belo ser membro do Corpo Místico de Cristo,
protagonistas e corresponsáveis pela evangelização como discípulos
missionários”.
Na
sua homilia da Eucaristia, Cabrejos disse que os participantes na Assembleia,
mais de mil, incluindo os presentes na Cidade do México e os que participam
virtualmente, estavam ali para dar “graças a Deus por esta nova experiência de
viver, sentir e participar da Igreja”. E pediu a Deus “que abra nossos corações
para nos deixar guiar em espírito de escuta, sinodalidade e unidade eclesial, e
para descobrir o que Ele nos quer dizer como o povo de Deus a caminho”.
Chamando
todos a fazerem a vontade de Deus frisou que “a verdadeira grandeza está em nos
deixarmos iluminar pela Luz da Verdade, em descobrir a ação de Deus na
história, em aderir ao projeto de Jesus Cristo e em ter a verdade como norma
suprema de comportamento”. O prelado peruano comparou esta Assembleia com a
Conferência de Medellín, que definiu como “a ‘receção criativa’ do Concílio
Vaticano II, num contexto marcado pela pobreza e exclusão”. De igual modo,
disse ver esta Assembleia Eclesial como um momento “para ‘reviver Aparecida’,
que reafirmou a renovação do Concílio e procura contribuir para uma ‘segunda
receção’ do Vaticano II no novo contexto em que vivemos”.
Segundo Dom
Miguel Cabrejos, é uma Assembleia histórica, pois, “em vez de realizar a VI
Conferência Geral dos Bispos, o Papa Francisco propôs esta Assembleia Eclesial,
composta por representantes de todo o Povo de Deus”, pelo que estamos a
testemunhar “a passagem de uma assembleia na qual só participaram bispos para
uma assembleia plenamente eclesial”.
O Arcebispo
peruano sublinhou que, na AEALC, “estamos unidos na diversidade de ministérios
e carismas” e se “inaugura um novo organismo sinodal a nível continental, que
coloca a colegialidade episcopal no coração da sinodalidade eclesial, expressão
do vínculo entre o Bispo e o Povo de Deus na sua Igreja local e da conceção da
Igreja universal como uma ‘Igreja das Igrejas locais’, presidida em unidade
pelo Bispo da Igreja de Roma, com Pedro e sob Pedro”.
É este um
novo Pentecostes, em que está presente a “Nossa Mãe, Maria de Tepeyac, que
representa todas as invocações que sustentam a vida e a identidade de nossos
povos da América Latina e do Caribe”. Neste contexto de componente
pneumatológica e mariana, Dom Miguel invocou a “fiel e poderosa intercessão” de
Maria “para que nos mostre o rosto e o olhar de Cristo neste tempo de encontro
físico e virtual”. E pediu a Nossa Senhora de Guadalupe que nos mostre “o
caminho que Deus deseja para a sua Igreja na nossa região” e a docilidade “para
assumir um processo de conversão permanente, em comunhão com o Concílio
Vaticano II e o Papa Francisco, no caminho para o Sínodo sobre a Sinodalidade,
e o que as exigências pastorais significam para o Jubileu do evento Guadalupano
(2031) e o da Redenção (2033).”.
Dom Miguel
Cabrejos disse que desejava, “na difícil unidade na diversidade, responder e acompanhar
todo o povo de Deus numa hora profundamente complexa e difícil”, insistindo em
não esquecer que, nos vulneráveis, “Cristo continua a ser crucificado neles”.
À luz do
Evangelho do dia, denunciou a rutura da comunhão e fraternidade, que está
presente “na desigualdade, na violência generalizada, nos falsos testemunhos de
líderes que abandonam o sentido do serviço das suas responsabilidades, na crise
sem precedentes da nossa casa comum, onde os favoritos do Senhor são os mais
afetados”. Além disso, sentiu-se desafiado pela dor das mulheres, “que sofreram
abuso ou exclusão sistemática”, e pelos migrantes, que muitas vezes são
rejeitados.
E, para a
Assembleia que se iniciava, o presidente do CELAM pediu “o dom da escuta, o que
nos leva a deixar as nossas posições particulares reduzidas e nos aproxima dos
nossos irmãos e irmãs para buscar a Deus em comum e em comunhão”. E pediu que
sigamos o exemplo de São João Diego – o azteca vidente de Nossa Senhora de
Guadalupe –, “para abrir nossos corações à interculturalidade, sem medo ou
dúvida”.
***
Enfim, a
América latina e o Caribe no seu melhor eclesial seja exemplo para toda a
Igreja!
2021.11.23 – Louro de Carvalho
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