quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Conferência eclesial é “laboratório” da via sinodal de Francisco

 

É a epígrafe do “7 Margens”, de 22 de novembro, a caraterizar a I Assembleia Eclesial da América Latina e das Caraíbas (AEALC), com a participação de perto de 1200 participantes, que está a decorrer desde o passado domingo, dia 21, no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, em regime misto (presencial e online) prolongando-se por toda a semana, até ao domingo, dia 28, e que é considerada já a primeira grande concretização da Igreja sinodal sonhada pelo Papa Francisco

Na retaguarda do mais que milhar de representantes estão muitos milhares de outros cristãos e outros participantes na fase de escuta que se desenrolou entre abril e agosto deste ano. Serão perto de 70 mil, no dizer de Dom Miguel Cabrejos Vidarte, Arcebispo de Trujillo (Peru) e presidente da CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano) na sessão de abertura. Desse número, 47 mil fizeram-no no âmbito de grupos e comunidades de Igrejas locais, 14 mil em fóruns temáticos organizados localmente e 8.500 em iniciativas ou contactos individuais.

A esmagadora maioria (93%) encontra-se nos seus países, devido ao contexto pandémico, pelo que os organizadores, à frente dos quais está o presidente do CELAM, construíram complexo sistema de participação à distância, pensando sobretudo nos trabalhos de grupos. Em termos de condição e qualidade dos participantes: 40% são leigos, 21% são padres e diáconos, 20% são religiosos e religiosas e outros tantos são bispos. Membros de outras confissões religiosas são em número residual (cerca de uma dezena). Analisando outros dados sociodemográficos, ressalta que a presença de jovens, com 6%, é bastante limitada. Perto de dois terços dos membros da Assembleia (64,7%) têm mais de 50 anos.

Os trabalhos da Assembleia, que se iniciaram no dia 22, culminam o processo iniciado em janeiro deste ano, quando, em resposta à sugestão que lhe foi feita de nova conferência geral do episcopado latino-americano, o Papa apontou uma via sinodal, uma conferência de todo o Povo de Deus. Ora, essa via tinha marcos fortes nas últimas décadas: para não ir mais atrás no historial, basta anotar a V Conferência da Aparecida, em 2007, cujo documento programático tem a mão do Cardeal Bergoglio, o atual Papa, e o Sínodo extraordinário da Amazónia, em 2018, que foram caminhos que exibem a marca de Francisco e exprimem o prólogo dos preparativos do atual Sínodo que envolve todo o povo de Deus.

A influência da Igreja Católica da América Latina na Igreja universal ressalta em vários setores, como refere Austen Ivereigh, jornalista inglês e biógrafo do Papa Francisco, em entrevista ao site do Instituto Humanitas da Unisinos e publicada, no essencial, pelo site do Vaticano.

Para ele, que também participa presencialmente na Assembleia do México e na pegada de declarações de alguns teólogos, “a Igreja latino-americana hoje é a Igreja fonte da Igreja universal, no sentido de que o resto da Igreja reflete este dinamismo em certa medida”. Esta ideia de “fonte inspiradora” ou “laboratório” está a concitar a atenção de figuras da Igreja como os cardeais Grech e Hollerich, que vieram expressamente participar e aprender com a longa experiência de escuta alargada e de colegialidade, que a Igreja desta parte do mundo há bastante tempo desenvolve. E, em mensagem à Conferência, Francisco reitera a importância da escuta, desejando que, no intercâmbio que ela permite, se escute a voz de Deus até escutar, com Ele, o clamor do povo, e escutar a voz do povo até respirar nele a vontade a que Deus nos chama”.

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A Assembleia Eclesial para a América Latina e Caribe avançou, com a elaboração e distribuição dos documentos preparatórios e a constituição de instâncias coordenadoras em cada país.

O processo sinodal, anunciado em 24 de janeiro e que tem agora o seu ponto alto na cidade do México, gravita em torno do lema “Somos todos discípulos missionários em saída”.

No último fim de semana de março, os secretários-gerais das conferências episcopais da região receberam os instrumentos preparatórios, que guiaram todas as atividades preparatórias que se iniciaram em abril, foram coordenadas por equipas em cada um dos países e permitiram “ouvir o povo de Deus”, estimulando a “participação de todos”. E, nesse encontro, os responsáveis do CELAM sugeriram que as equipas de coordenação fossem paritárias, isto é, “compostas por igual número de rapazes e raparigas, religiosos e religiosas, leigos e leigas”, cujas opiniões e decisões tivessem “o mesmo nível e valor que as do clero” (diáconos, padres ou bispos). A escuta das bases e das diferentes estruturas foi acompanhada pelo “Documento do Caminho”, documento de fundo elaborado por uma comissão de especialistas, um “Guia Metodológico”, em versão expandida e versão popular, e uma plataforma que reuniu e sistematizou as informações. Foi aberta a possibilidade de criação de fóruns de discussão temáticos, entre outros. E deste processo surgiu um documento de trabalho que é a base para o processo de decisão da Assembleia neste mês de novembro.

Numa videomensagem então endereçada ao Arcebispo de Trujillo (Peru) e presidente do CELAM, o Papa explicitou dois critérios que devem ser seguidos em todo o percurso sinodal:

Gostaria de vos dar dois critérios para vos acompanhar neste tempo, um tempo que abre novos horizontes de esperança para nós. Primeiro, junto do povo de Deus: que esta assembleia não seja uma elite separada do santo povo fiel de Deus. Junto do povo: não vos esqueçais, todos somos parte do povo de Deus, todos somos parte dele. O povo de Deus que é infalível ‘in credendo’, como nos diz o Concílio, é o que nos dá a pertença. Fora do povo de Deus surgem as elites, as elites iluminadas por uma ideologia ou outra, e isso não é a Igreja. A Igreja acontece no partir do pão, a Igreja acontece com todos, sem exclusão. Uma assembleia eclesial é o sinal de uma Igreja sem exclusão. E a outra coisa a ter em conta é a oração. No meio de nós está o Senhor.  Que o Senhor se faça ouvir. Daí o nosso pedido de que Ele esteja connosco.”.

Mauricio López, coordenador da Comissão de Escuta da Assembleia, citado pelo Kayros, site especializado em assuntos sócio-religiosos, disse que se visa “promover a aproximação com vozes que habitualmente têm sido excluídas ou não tiveram acesso, o que só é possível na capilaridade eclesial da proximidade encarnada pelas tão diversas presenças” dos participantes.

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Em mensagem aos participantes, datada de 15 de outubro e publicada no “L'Osservatore Romano”, de 22 de novembro, o Papa vinca o desejo da Assembleia de “promover uma Igreja sinodal em saída, para reavivar o espírito do V Conferência Geral dos Bispos que, em Aparecida, em 2007, nos chamou a ser discípulos missionários e a animar a esperança, em vista do Jubileu de Guadalupe em 2031 e do Jubileu da Redenção em 2033”.

Considera esta Assembleia como “uma nova expressão do rosto latino-americano e caribenho” da Igreja, em sintonia com o processo preparatório da XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos sobre o tema: “Para um Sinodal Igreja: comunhão, participação e missão”. E, baseado nestas chaves que estruturam e orientam a sinodalidade, Francisco deixa duas palavras a levar em conta neste caminho conjunto. A primeira é “ouvir”. Com efeito o dinamismo inerente às assembleias eclesiais consiste no “processo de escuta, diálogo e discernimento”. Neste sentido, diz o Papa, “a troca facilita ‘escutar’ a voz de Deus para escutar com Ele o clamor do povo, e escutar o povo a ponto de captar nele a vontade a que Deus nos chama”. Por isso, o Pontífice exorta os participantes a que “procurem escutar uns aos outros e escutar o grito dos nossos irmãos e irmãs mais pobres e esquecidos”. A outra palavra é “superabundância”. Na verdade, “o discernimento comunitário requer muita oração e diálogo para encontrarmos juntos a vontade de Deus”, bem como o encontro de “caminhos de superação para evitar que as diferenças se transformem em divisões e polarizações”. Destarte o Santo Padre roga ao Senhor que esta Assembleia “seja expressão da ‘superabundância’ do amor criador do seu Espírito, que nos impele a sair sem medo ao encontro dos outros e que anima a Igreja para que, através de um processo de conversão pastoral, seja cada vez mais evangelizadora e missionária”.

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Dom Miguel Cabrejos, presidente do CELAM, presidiu à Missa de abertura da Assembleia, na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, e anotou que a Assembleia Eclesial chega depois de “um longo caminho percorrido juntos, escutando todos, sentindo como é belo ser membro do Corpo Místico de Cristo, protagonistas e corresponsáveis pela evangelização como discípulos missionários”.

Na sua homilia da Eucaristia, Cabrejos disse que os participantes na Assembleia, mais de mil, incluindo os presentes na Cidade do México e os que participam virtualmente, estavam ali para dar “graças a Deus por esta nova experiência de viver, sentir e participar da Igreja”. E pediu a Deus “que abra nossos corações para nos deixar guiar em espírito de escuta, sinodalidade e unidade eclesial, e para descobrir o que Ele nos quer dizer como o povo de Deus a caminho”.

Chamando todos a fazerem a vontade de Deus frisou que “a verdadeira grandeza está em nos deixarmos iluminar pela Luz da Verdade, em descobrir a ação de Deus na história, em aderir ao projeto de Jesus Cristo e em ter a verdade como norma suprema de comportamento”. O prelado peruano comparou esta Assembleia com a Conferência de Medellín, que definiu como “a ‘receção criativa’ do Concílio Vaticano II, num contexto marcado pela pobreza e exclusão”. De igual modo, disse ver esta Assembleia Eclesial como um momento “para ‘reviver Aparecida’, que reafirmou a renovação do Concílio e procura contribuir para uma ‘segunda receção’ do Vaticano II no novo contexto em que vivemos”.

Segundo Dom Miguel Cabrejos, é uma Assembleia histórica, pois, “em vez de realizar a VI Conferência Geral dos Bispos, o Papa Francisco propôs esta Assembleia Eclesial, composta por representantes de todo o Povo de Deus”, pelo que estamos a testemunhar “a passagem de uma assembleia na qual só participaram bispos para uma assembleia plenamente eclesial”.

O Arcebispo peruano sublinhou que, na AEALC, “estamos unidos na diversidade de ministérios e carismas” e se “inaugura um novo organismo sinodal a nível continental, que coloca a colegialidade episcopal no coração da sinodalidade eclesial, expressão do vínculo entre o Bispo e o Povo de Deus na sua Igreja local e da conceção da Igreja universal como uma ‘Igreja das Igrejas locais’, presidida em unidade pelo Bispo da Igreja de Roma, com Pedro e sob Pedro”.

É este um novo Pentecostes, em que está presente a “Nossa Mãe, Maria de Tepeyac, que representa todas as invocações que sustentam a vida e a identidade de nossos povos da América Latina e do Caribe”. Neste contexto de componente pneumatológica e mariana, Dom Miguel invocou a “fiel e poderosa intercessão” de Maria “para que nos mostre o rosto e o olhar de Cristo neste tempo de encontro físico e virtual”. E pediu a Nossa Senhora de Guadalupe que nos mostre “o caminho que Deus deseja para a sua Igreja na nossa região” e a docilidade “para assumir um processo de conversão permanente, em comunhão com o Concílio Vaticano II e o Papa Francisco, no caminho para o Sínodo sobre a Sinodalidade, e o que as exigências pastorais significam para o Jubileu do evento Guadalupano (2031) e o da Redenção (2033).”.

Dom Miguel Cabrejos disse que desejava, “na difícil unidade na diversidade, responder e acompanhar todo o povo de Deus numa hora profundamente complexa e difícil”, insistindo em não esquecer que, nos vulneráveis, “Cristo continua a ser crucificado neles”.

À luz do Evangelho do dia, denunciou a rutura da comunhão e fraternidade, que está presente “na desigualdade, na violência generalizada, nos falsos testemunhos de líderes que abandonam o sentido do serviço das suas responsabilidades, na crise sem precedentes da nossa casa comum, onde os favoritos do Senhor são os mais afetados”. Além disso, sentiu-se desafiado pela dor das mulheres, “que sofreram abuso ou exclusão sistemática”, e pelos migrantes, que muitas vezes são rejeitados.

E, para a Assembleia que se iniciava, o presidente do CELAM pediu “o dom da escuta, o que nos leva a deixar as nossas posições particulares reduzidas e nos aproxima dos nossos irmãos e irmãs para buscar a Deus em comum e em comunhão”. E pediu que sigamos o exemplo de São João Diego – o azteca vidente de Nossa Senhora de Guadalupe –, “para abrir nossos corações à interculturalidade, sem medo ou dúvida”.

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Enfim, a América latina e o Caribe no seu melhor eclesial seja exemplo para toda a Igreja!

2021.11.23 – Louro de Carvalho

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