sábado, 20 de novembro de 2021

Covid-19 é “infeção com caraterística sazonal com duas ondas anuais”

 

O epidemiologista Henrique Pinto Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), entende que, em relação à covid-19, estamos a caminhar para uma situação de endemia. Com efeito, segundo referiu à Lusa o especialista, a doença apresenta caraterísticas sazonais, com duas ondas anuais no inverno e no verão, estando a começar agora a vaga do inverno do próximo ano.

Verificando que há já dois anos de infeção, Henrique Barros diz que isso “já nos permite perceber que a infeção tem uma caraterística sazonal”, pois, “na realidade, tivemos duas ondas no primeiro ano, a de inverno e a de verão, e tivemos duas ondas neste ano”, sendo que “agora irá começar a onda do inverno do próximo ano”. É a 5.ª vaga, como é já voz corrente.

Segundo o médico especialista, um dos peritos que intervieram na reunião que o Primeiro-Ministro convocou para o Infarmed a 19 deste mês, o vírus continua a circular com um “caráter de sazonalidade” no inverno, por ser um período típico das doenças respiratórias, mas também no verão, devido à grande mobilidade nessa altura do ano.

Não obstante, o virologista salientou que, no próximo inverno, a pandemia “não atingirá nunca” a situação registada no início deste ano, mesmo que aumentem significativamente, como é previsível, as infeções respiratórias, “das quais uma proporção relativamente pequena será de covid-19”. Na verdade, como explicita, há “uma relação clara entre as infeções nos vários países e a proporção de vacinados” e é por isso que “Portugal, no conjunto dos países europeus, é dos que tem menos casos e menos mortes” e a previsível duplicação do número de infeções não significa que “dobre o número de casos internados”.

O também presidente do Conselho Nacional de Saúde sustenta que “vale a pena manter algumas medidas de precaução”, considerando que a “regra de ouro” é “não sair de casa com sintomas de covid-19”. Além disso, recomenda a higienização das mãos e o uso da máscara em espaços fechados e de maior risco de contágio.

Como ficou dito, Henrique Barros, em declarações à Lusa, adiantou que se está a “caminhar para uma situação de endemia”, apesar de haver ainda “muita gente suscetível” de contrair a infeção pelo novo coronavírus. E o especialista diz que “a infeção não vai desaparecer, vai ficar seguramente”, pois “seria totalmente inesperado que isso não acontecesse, mas ainda estamos muito perto da epidemia para haver uma separação clara”.

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Talvez seja oportuno esclarecermos alguns termos.

Quando se começou a falar do novo coronavírus, o termo utilizado para caraterizar o fenómeno infecioso era ‘epidemia’. Depois, a OMS declarou a situação de ‘pandemia’. Eventualmente falava-se de ‘surto’. E agora temos o vocábulo ‘endemia’.                                                            

‘Epidemia(do grego “epidêmía”, do adjetivo “epiddêmios”, “que está no povo”, composto de “epí”, “sobre, acima de” e “dêmos”, “povo”) é a manifestação coletiva duma doença que rapidamente se espalha, por contágio direto ou indireto, até atingir um grande número de pessoas num determinado território e que depois se extingue após um determinado período. ‘Surto’ (presumivelmente do latim “surctum” ou “surrectum”, particípio passado de “surgere”, “surgir”) significa voo elevadoelevação; arroubo, arrebatamento; aumento brusco e significativo dum fenómeno, processo, etc.; aparecimento repentino de vários casos da mesma doença num dado local ou comunidade; manifestação súbita e intensa de algo; impulso, ímpeto; ataque repentinoacesso; (em Psicologia) crise psicótica. No caso vertente, o surto acontece quando há o aumento repentino do número de casos de uma doença numa comunidade ou região específica. Para ser considerado surto, o aumento de casos deve ser maior do que o esperado pelas autoridades. ‘Pandemia’ (do grego “pâs”, “todo” + “dêmos”, “povo”) é doença infeciosa que se dissemina a nível mundial ou doença que ataca ao mesmo tempo um elevado número de pessoas num grande número de países. ‘Endemia’ (do grego “éndemos” – “en”, “dentro de” + dêmos”, “povo”, com o sentido de nativo de um lugar, e do sufixo -ia) doença infeciosa que ocorre com frequência numa região ou país, em determinadas épocas, atingindo número significativo de indivíduos.

A pandemia, observada no grego como “pandemia”, permite, na sua desconstrução, identificar os elementos “pân-“, que se refere a tudo, na raiz indo-europeia “*pan-“, novamente apontando para um todo, e “dêmos”, que interpreta a ideia de comunidade, cidade ou grupo de pessoas, associado ao indo-europeu “*da-mo-“, entendido como divisão, ligado a “*-da”, por dividir; e o sufixo “-ia”, como um agente linguístico de qualidade.

Por sua vez, diferentemente de pandemia, o termo epidemia está localizado no latim medieval como “epidemia”, sobre o grego “epidemia”, determinado pelo prefixo “epí-“, o qual é entendido como acima – neste caso, no contexto da população –; e endemia, visto no francês “endémie”, sobre o grego “éndêmos”, delimitado pelo prefixo “en-“, que trabalha com a ideia de intensidade reiterada numa região.

Assim, o significado de pandemia aponta para a disseminação e o desenvolvimento de doenças, incluindo o agente causador, com a caraterística de se espalhar por vários países ou impactar profundamente uma região ou comunidade. Isso levou à declaração da OMS sobre o novo coronavírus como uma pandemia, visto que surgiu uma cidade chinesa em meados de novembro de 2019 e viajou para o resto do mundo forçando a implementação de medidas extremas. O Ébola (que surgiu em 1976 e reapareceu em 2014) e a Influenza A (que apareceu em 2009) são lembrados como episódios recentes. Da mesma forma, a maior pandemia da humanidade foi causada pela varíola, erradicada em 1979, responsável por mais de 300 milhões de mortes.

São três etapas progressivas diferenciadas no nível linguístico pelo prefixo, no contexto do impacto e da disseminação das condições: a pandemia tem um alcance que excede os limites regionais a respeito da origem do padecimento, enquanto a epidemia contém o problema numa área e a endemia se concentra numa doença que tende a ser recorrente numa determinada população em virtude das condições socioculturais e da localização geográfica.

Da mesma forma, a área dedicada à investigação desses agentes, que acompanha a atividade de propagação, como o estabelecimento de fatores e efeitos, é denominada epidemiologia, combinando os elementos do grego “epidêmía” e o sufixo “-logía”, referindo-se a “lógos”, para incorporar o título de ciência ou análise.

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A covid-19 provocou pelo menos 5.122.682 mortes em todo o mundo, entre mais de 254,95 milhões infeções pelo novo coronavírus registadas desde o início da pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.

Em Portugal, desde março de 2020, morreram 18.295 pessoas e foram contabilizados 1.115.080 casos de infeção, segundo dados da DGS.

A doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China, e atualmente com variantes identificadas em vários países.

No contexto dum certo recrudescimento da doença, especialistas de várias áreas da saúde e políticos voltaram a reunir-se, no dia 19, para avaliar a evolução da pandemia de covid-19, numa altura em que se regista um aumento de infeções em Portugal. De facto, segundo os especialistas, Portugal encontra-se na quinta fase da pandemia e apresenta uma incidência de infeções de 203 casos por 100 mil habitantes, sendo mais elevada na população jovem.

Neste sentido, Pedro Pinto Leite, da DGS, adiantou:

Tivemos quatro grandes fases pandémicas e Portugal encontra-se, de momento, na quinta fase pandémica, até ao momento com um impacto na gravidade e na mortalidade inferiores às fases anteriores, ainda que mereçam alguma atenção especial”.

Segundo referiu, a incidência atual é de 203 casos de infeção por SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias por 100 mil habitantes, com uma tendência crescente e uma variação de mais 47% em relação ao período homólogo. E a região com maior incidência de infeções é o Algarve, seguida do Centro e da Madeira, estando estas três regiões acima dos 240 casos por 100 mil habitantes. 

Assim, o grupo de peritos de aconselhamento do Governo propôs medidas gerais para controlar a pandemia, entre as quais o uso de máscara em ambientes fechados e eventos públicos, e medidas setoriais, como o teletrabalho sempre que possível. E, a este respeito, Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, afirmou:

O que nós propomos é que a estratégia adaptada à circunstância atual continue a assentar em cinco eixos fundamentais: a vacinação, a renovação do ar interior, a distância, a máscara e a testagem”.

A especialista em saúde pública salientou que o conjunto de medidas ora proposto “deve ser aplicado a par de um processo célere de reforço com a terceira dose da vacinação”.

Nesse sentido, como medida geral a aplicar em todos os contextos, os peritos propõem a adequação da climatização e ventilação dos espaços interiores, a utilização do certificado digital com teste recente nos espaços públicos, a autoavaliação de risco, a promoção de atividades no exterior ou por via remota sempre que possível, o cumprimento do distanciamento físico e a utilização obrigatória de máscara em ambientes fechados e eventos públicos.

Especificamente: no contexto laboral, deve ser adotado, sempre que possível, o desfasamento de horários e o teletrabalho, no “sentido de facilitar o cumprimento das medidas gerais”. Para o comércio – incluindo centros comerciais –, restauração, hotelaria e alojamento, bem como para as atividades desportivas, propõem-se as medidas gerais apresentadas. Para eventos de grande dimensão, diz-se que, se não for possível o seu controlo, através do cumprimento das medidas gerais, não devem ser realizados, tanto no exterior, como no interior. No atinente à circulação nos espaços públicos, deve ser mantida da distância e a autoavaliação de risco com a utilização da máscara, “perante a perceção que existe risco, nomeadamente quando há concentração de pessoas”. Nos convívios familiares alargados, avança-se com a necessidade de cumprimento das medidas gerais, da autoavaliação do risco e a aplicação de autotestes de despiste do vírus. Nos lares de idosos “deve haver cuidados particulares”, propondo-se a identificação do risco de acordo com o grupo etário, as comorbilidades e o estado vacinal, a testagem regular para funcionários e visitas e a promoção de medidas de controlo de infeção. Nos transportes públicos, além de sistemas de ventilação adequados, é proposto o distanciamento sempre que possível e utilização obrigatória de máscara.

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Em relação à vacinação, os peritos, nomeadamente Henrique Barros, sustentam que o resultado do processo nacional de vacinação contra a covid-19, que atingiu perto de 87% de cobertura da população, terá evitado a morte de quase duas mil pessoas desde maio até agora. Com efeito, “desde maio até agora, a adesão dos portugueses à vacina terá poupado à volta de 200 mil infeções, menos 135 mil dias em enfermaria, menos 55 mil dias em unidades de cuidados intensivos e pouparam-se cerca de duas mil vidas”. E “o grupo etário das pessoas com mais de 80 anos, que era um dos mais afetados, é agora completamente ultrapassado pelo grupo dos 5 aos 10 anos, em que ainda não utilizamos a vacinação”, daí resultando que “a situação portuguesa na hierarquização dos casos e das mortes se encontra muito melhor do que há um ano, comparativamente com os outros e consigo próprio”.

Apesar dessa evolução, Henrique Barros defende que, face à situação epidemiológica neste momento, “poderia fazer sentido desaconselhar as reuniões com muitas pessoas, as chamadas reuniões sociais com mais de 50 pessoas”, tendo em conta o panorama de infeções que se tem registado nas últimas semanas.

Além disso, Henrique Barros aconselha a vacinação das crianças assim que possível, pois, como sublinhou, “a vacinação das crianças é uma prioridade, como é uma prioridade reforçar a vacinação das pessoas à medida que o tempo vai passando”. 

Por sua vez, Ausenda Machado, especialista do INSA (Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) refere que as vacinas contra a covid-19 utilizadas em Portugal apresentam uma eficácia superior a 80% na prevenção de hospitalização e de morte e superior a 53% contra a infeção pelo SARS-CoV-2. E sustenta que, em relação às formas graves de doença, as “efetividades [das vacinas] são bastante elevadas, superior a 80% de uma forma geral, sendo mais baixas quando olhamos para população acima dos 80 anos”.

A especialista do INSA observou que as 4 vacinas utilizadas no plano de vacinação nacional contra a infeção pelo novo coronavírus, permitem proteção acima dos 50% para os vários grupos etários. E adiantou:

Os resultados da efetividade indicam-nos que as vacinas são efetivas na redução da doença, mas em particular quando olhamos para doença grave ou muito grave”.

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Uma vez que, surgida a quinta vaga de covid-19, a palavra de ordem é “vacinar”, o militar que preside à task force coordenadora da vacinação contra o SARS-CoV-2, reclama uma alocação de meios mais avantajada que a atual. Com efeito, junta-se à necessidade de vacinação contra a gripe sazonal a todos os maiores de 65 anos e aos outros cidadãos com comorbidades ou especialmente expostos, a do reforço da vacina contra a covid-19 aos maiores de 65 anos e aos demais que apresentem comorbidades, do reforço de vacinação com uma dose de vacina de mRNA aos que foram inoculados com a vacina Janssen, pois a proteção desta vacina reduz de 67% para 50% ao fim de três meses, a da vacinação dos recuperados e a das crianças dos 5 aos 12 anos. Provavelmente, o enceramento ou reconfiguração de centros de vacinação foi precoce e temerária quando se aproximava o período do inverno.   

Boa notícia é a garantia de mais alargada alocação de meios que o Governo já deu, pois é preciso reformular o plano de vacinação para o inverno e primavera. Os vírus, pelos vistos, não dão tréguas…

2021.11.20 – Louro de Carvalho

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