O epidemiologista Henrique Pinto Barros, presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), entende que, em relação
à covid-19, estamos a caminhar para uma situação de endemia. Com efeito,
segundo referiu à Lusa o especialista, a doença apresenta
caraterísticas sazonais, com duas ondas anuais no inverno e no verão, estando a
começar agora a vaga do inverno do próximo ano.
Verificando
que há já dois anos de infeção, Henrique Barros diz que isso “já nos permite perceber que a infeção tem
uma caraterística sazonal”, pois, “na realidade, tivemos duas ondas no primeiro
ano, a de inverno e a de verão, e tivemos duas ondas neste ano”, sendo que “agora
irá começar a onda do inverno do próximo ano”. É a 5.ª vaga, como é já voz
corrente.
Segundo o
médico especialista, um dos peritos que intervieram na reunião que o
Primeiro-Ministro convocou para o Infarmed a 19 deste mês, o vírus continua a
circular com um “caráter de sazonalidade” no inverno, por ser um período típico
das doenças respiratórias, mas também no verão, devido à grande mobilidade
nessa altura do ano.
Não
obstante, o virologista salientou que, no próximo inverno, a pandemia “não
atingirá nunca” a situação registada no início deste ano, mesmo que aumentem
significativamente, como é previsível, as infeções respiratórias, “das quais
uma proporção relativamente pequena será de covid-19”. Na verdade, como
explicita, há “uma relação clara entre
as infeções nos vários países e a proporção de vacinados” e é por isso que “Portugal,
no conjunto dos países europeus, é dos que tem menos casos e menos mortes” e a
previsível duplicação do número de infeções não significa que “dobre o número
de casos internados”.
O
também presidente do Conselho Nacional de Saúde sustenta que “vale a pena manter
algumas medidas de precaução”, considerando que a “regra de ouro” é “não
sair de casa com sintomas de covid-19”. Além disso, recomenda a higienização das mãos e o uso da máscara
em espaços fechados e de maior risco de contágio.
Como
ficou dito, Henrique Barros, em declarações à Lusa, adiantou que se está a “caminhar para uma situação de endemia”, apesar de
haver ainda “muita gente suscetível” de contrair a infeção pelo novo
coronavírus. E o especialista diz que “a infeção
não vai desaparecer, vai ficar seguramente”, pois “seria totalmente inesperado
que isso não acontecesse, mas ainda estamos muito perto da epidemia para haver
uma separação clara”.
***
Talvez seja oportuno esclarecermos alguns termos.
Quando se começou a falar do novo coronavírus, o
termo utilizado para caraterizar o fenómeno infecioso era ‘epidemia’. Depois, a
OMS declarou a situação de ‘pandemia’. Eventualmente falava-se de ‘surto’. E
agora temos o vocábulo ‘endemia’.
‘Epidemia’ (do grego “epidêmía”,
do adjetivo “epiddêmios”, “que está no povo”, composto de “epí”, “sobre, acima
de” e “dêmos”, “povo”) é a manifestação coletiva duma doença que
rapidamente se espalha, por contágio direto ou indireto, até atingir um grande
número de pessoas num determinado território e que depois se extingue após um determinado
período. ‘Surto’ (presumivelmente do latim “surctum” ou “surrectum”,
particípio passado de “surgere”, “surgir”) significa voo elevado, elevação; arroubo, arrebatamento; aumento
brusco e significativo dum fenómeno, processo, etc.; aparecimento repentino de
vários casos da mesma doença num dado local ou comunidade; manifestação súbita
e intensa de algo; impulso, ímpeto; ataque repentino, acesso; (em Psicologia) crise psicótica.
No caso vertente, o surto acontece quando há o aumento repentino do número de casos de uma
doença numa comunidade ou região específica. Para ser considerado surto, o
aumento de casos deve ser maior do que o esperado pelas autoridades. ‘Pandemia’ (do grego “pâs”, “todo” + “dêmos”, “povo”) é doença
infeciosa que se dissemina a nível mundial ou doença que
ataca ao mesmo tempo um elevado número de pessoas num grande número
de países. ‘Endemia’ (do grego “éndemos”
– “en”, “dentro de” + dêmos”, “povo”, com o sentido de nativo de um lugar, e do sufixo -ia) doença
infeciosa que ocorre com frequência numa região ou país, em determinadas
épocas, atingindo número significativo de indivíduos.
A pandemia, observada no grego como “pandemia”, permite, na
sua desconstrução, identificar os elementos “pân-“, que se refere a tudo, na
raiz indo-europeia “*pan-“, novamente apontando para um todo, e “dêmos”, que
interpreta a ideia de comunidade, cidade ou grupo de pessoas, associado ao
indo-europeu “*da-mo-“, entendido como divisão, ligado a “*-da”, por dividir; e
o sufixo “-ia”, como um agente linguístico de qualidade.
Por sua vez, diferentemente de pandemia, o termo epidemia
está localizado no latim medieval como “epidemia”, sobre o grego “epidemia”,
determinado pelo prefixo “epí-“, o qual é entendido como acima – neste caso, no
contexto da população –; e endemia, visto no francês “endémie”, sobre o grego “éndêmos”,
delimitado pelo prefixo “en-“, que trabalha com a ideia de intensidade
reiterada numa região.
Assim, o significado de pandemia aponta para a disseminação e
o desenvolvimento de doenças, incluindo o agente causador, com a caraterística
de se espalhar por vários países ou impactar profundamente uma região ou comunidade.
Isso levou à declaração da OMS sobre o novo coronavírus como uma pandemia,
visto que surgiu uma cidade chinesa em meados de novembro de 2019 e viajou para
o resto do mundo forçando a implementação de medidas extremas. O Ébola (que surgiu em 1976 e reapareceu em
2014) e a Influenza A (que apareceu em 2009) são lembrados como episódios
recentes. Da mesma forma, a maior pandemia da humanidade foi causada pela
varíola, erradicada em 1979, responsável por mais de 300 milhões de mortes.
São três etapas progressivas diferenciadas no nível
linguístico pelo prefixo, no contexto do impacto e da disseminação das
condições: a pandemia tem um alcance que excede os limites regionais a respeito
da origem do padecimento, enquanto a epidemia contém o problema numa
área e a endemia se concentra numa doença que tende a ser recorrente numa determinada
população em virtude das condições socioculturais e da localização geográfica.
Da mesma forma, a área dedicada à investigação desses
agentes, que acompanha a atividade de propagação, como o estabelecimento de
fatores e efeitos, é denominada epidemiologia, combinando os elementos do grego
“epidêmía” e o sufixo “-logía”, referindo-se a “lógos”, para incorporar o
título de ciência ou análise.
***
A
covid-19 provocou pelo menos 5.122.682 mortes em todo o mundo, entre mais de
254,95 milhões infeções pelo novo coronavírus registadas desde o início da
pandemia, segundo o mais recente balanço da agência France-Presse.
Em
Portugal, desde março de 2020, morreram 18.295 pessoas e foram contabilizados
1.115.080 casos de infeção, segundo dados da DGS.
A
doença respiratória é provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, detetado no final
de 2019 em Wuhan, cidade do centro da China, e atualmente com variantes
identificadas em vários países.
No
contexto dum certo recrudescimento da doença, especialistas de várias áreas da
saúde e políticos voltaram a reunir-se, no dia 19, para avaliar a evolução
da pandemia de covid-19, numa altura em que se regista um aumento de
infeções em Portugal. De facto, segundo os especialistas, Portugal encontra-se
na quinta fase da pandemia e apresenta uma incidência de infeções de 203 casos
por 100 mil habitantes, sendo mais elevada na população jovem.
Neste
sentido, Pedro Pinto Leite, da DGS, adiantou:
“Tivemos
quatro grandes fases pandémicas e Portugal encontra-se, de momento, na quinta
fase pandémica, até ao momento com um impacto na gravidade e na mortalidade
inferiores às fases anteriores, ainda que mereçam alguma atenção especial”.
Segundo
referiu, a incidência
atual é de 203 casos de infeção por SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias por 100 mil
habitantes, com uma tendência crescente e uma variação
de mais 47% em relação ao período homólogo. E a região com maior incidência de
infeções é o Algarve, seguida do Centro e da Madeira, estando estas três regiões acima
dos 240 casos por 100 mil habitantes.
Assim,
o grupo de peritos de aconselhamento do Governo propôs medidas gerais para
controlar a pandemia, entre as quais o
uso de máscara em ambientes fechados e eventos públicos, e medidas
setoriais, como o teletrabalho sempre que
possível. E, a este respeito, Raquel Duarte, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, afirmou:
“O que nós propomos é que a estratégia
adaptada à circunstância atual continue a assentar em cinco eixos fundamentais:
a vacinação, a renovação do ar interior, a distância, a máscara e a testagem”.
A
especialista em saúde pública salientou que o conjunto de medidas ora proposto
“deve ser aplicado a par de um processo
célere de reforço com a terceira dose da vacinação”.
Nesse
sentido, como medida geral a aplicar em todos os contextos, os peritos propõem
a adequação da climatização e ventilação dos espaços interiores, a utilização
do certificado digital com teste recente nos espaços públicos, a autoavaliação
de risco, a promoção de atividades no exterior ou por via remota sempre que
possível, o cumprimento do distanciamento físico e a utilização obrigatória de
máscara em ambientes fechados e eventos públicos.
Especificamente:
no contexto laboral, deve ser adotado, sempre que possível, o desfasamento de
horários e o teletrabalho, no “sentido de facilitar o cumprimento das medidas
gerais”. Para o comércio – incluindo centros comerciais –, restauração,
hotelaria e alojamento, bem como para as atividades desportivas, propõem-se as
medidas gerais apresentadas. Para eventos de grande dimensão, diz-se que, se
não for possível o seu controlo, através do cumprimento das medidas gerais, não
devem ser realizados, tanto no exterior, como no interior. No atinente à circulação
nos espaços públicos, deve ser mantida da distância e a autoavaliação de risco
com a utilização da máscara, “perante a perceção que existe risco, nomeadamente
quando há concentração de pessoas”. Nos convívios familiares alargados, avança-se
com a necessidade de cumprimento das medidas gerais, da autoavaliação do risco
e a aplicação de autotestes de despiste do vírus. Nos lares de idosos “deve
haver cuidados particulares”, propondo-se a identificação do risco de acordo
com o grupo etário, as comorbilidades e o estado vacinal, a testagem regular
para funcionários e visitas e a promoção de medidas de controlo de infeção. Nos
transportes públicos, além de sistemas de ventilação adequados, é proposto o
distanciamento sempre que possível e utilização obrigatória de máscara.
***
Em
relação à vacinação, os peritos, nomeadamente Henrique Barros, sustentam que o
resultado do processo nacional de vacinação contra a covid-19, que atingiu
perto de 87% de cobertura da população, terá evitado a morte de quase duas mil
pessoas desde maio até agora. Com efeito, “desde maio até agora, a adesão dos portugueses à vacina terá poupado à volta
de 200 mil infeções, menos 135 mil dias em enfermaria, menos 55 mil dias em
unidades de cuidados intensivos e pouparam-se cerca de duas mil vidas”. E “o
grupo etário das pessoas com mais de
80 anos, que era um dos mais afetados, é agora completamente ultrapassado pelo
grupo dos 5 aos 10 anos, em que ainda não utilizamos a vacinação”, daí
resultando que “a situação portuguesa na hierarquização dos casos e das mortes se
encontra muito melhor do que há um ano, comparativamente com os outros e
consigo próprio”.
Apesar
dessa evolução, Henrique Barros defende que, face à situação epidemiológica
neste momento, “poderia fazer sentido desaconselhar as reuniões com muitas
pessoas, as chamadas reuniões sociais com mais de 50 pessoas”, tendo em conta o
panorama de infeções que se tem registado nas últimas semanas.
Além disso, Henrique Barros aconselha a vacinação das
crianças assim que possível, pois, como sublinhou, “a vacinação das crianças é uma
prioridade, como é uma prioridade reforçar a vacinação das pessoas à medida que
o tempo vai passando”.
Por sua vez, Ausenda Machado, especialista do INSA (Instituto
Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge) refere
que as vacinas contra a covid-19 utilizadas em Portugal apresentam
uma eficácia superior a 80% na prevenção de hospitalização e de morte e
superior a 53% contra a infeção pelo SARS-CoV-2. E sustenta que, em relação às
formas graves de doença, as “efetividades [das vacinas] são bastante elevadas, superior
a 80% de uma forma geral, sendo mais baixas quando olhamos para população acima
dos 80 anos”.
A especialista
do INSA observou que as 4 vacinas utilizadas no plano de vacinação nacional contra
a infeção pelo novo coronavírus, permitem proteção acima dos 50% para os vários
grupos etários. E adiantou:
“Os resultados da efetividade indicam-nos
que as vacinas são efetivas na redução da doença, mas em particular quando
olhamos para doença grave ou muito grave”.
***
Uma vez que, surgida a quinta vaga de covid-19, a
palavra de ordem é “vacinar”, o militar que preside à task force coordenadora
da vacinação contra o SARS-CoV-2, reclama uma alocação de meios mais avantajada
que a atual. Com efeito, junta-se à necessidade de vacinação contra a gripe
sazonal a todos os maiores de 65 anos e aos outros cidadãos com comorbidades ou
especialmente expostos, a do reforço da vacina contra a covid-19 aos maiores de
65 anos e aos demais que apresentem comorbidades, do reforço de vacinação com
uma dose de vacina de mRNA aos que foram inoculados com a vacina Janssen, pois
a proteção desta vacina reduz de 67% para 50% ao fim de três meses, a da
vacinação dos recuperados e a das crianças dos 5 aos 12 anos. Provavelmente, o
enceramento ou reconfiguração de centros de vacinação foi precoce e temerária
quando se aproximava o período do inverno.
Boa
notícia é a garantia de mais alargada alocação de meios que o Governo já deu,
pois é preciso reformular o plano de vacinação para o inverno e primavera. Os vírus,
pelos vistos, não dão tréguas…
2021.11.20 – Louro de Carvalho
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