sábado, 27 de novembro de 2021

Do controlo manual dos produtos ao código de barras

 

Antes do GTIN (Global Trade Item Number), que deu origem ao código de barras, os produtos eram identificados sobretudo manualmente. Assim, a gestão de stocks, de entradas e saídas, no ponto de venda, em armazém, ao longo de toda a cadeia de valor, fazia-se com fluxos revistos à unidade, de modo manual, quase só com recurso a intervenção humana, com tudo o que isso significava, à data, em termos de trabalho, agilidade, rigor, margem de erro…

Porém, os anos 50 e 60 abrem uma era de inovações tecnológicas desenvolvidas na II Guerra Mundial e nos primórdios da Guerra Fria para fins geopolíticos e geoestratégicos, e adaptadas para fins civis, socioeconómicos, contribuindo para o desenvolvimento das sociedades em recuperação. Por exemplo, é apresentado o protótipo dum leitor de ondas de luz, o laser (Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation) que alavancou o processo de leitura dos códigos de barras. Na verdade, o início do crescimento económico e a recuperação das economias evidenciaram a necessidade dum substancial aumento da eficiência das cadeias de valor. A assunção de tal necessidade norteou a concertação dos principais operadores (produtores e retalhistas) quanto ao standard, o identificador-chave, que esteve na base do processo. Assim, em 1968, a Grocery Manufacturers of America e a National Association of Food Chains reuniram para discutir a criação dum código de produto, com potencial para servir toda a indústria e que origina, em 1971, a adoção do GTIN e, em 1973, o código de barras que o integra.

O GTIN faz 50 anos e, embora o nome não seja reconhecido à primeira, é a ele que se deve o código de barras. É uma sequência numérica que identifica, de forma única, cada produto, sendo a matriz para as barras que se encontramos em todo o tipo de artigos à venda. Atualmente, o GTIN é lido mais de 6 mil milhões de vezes por dia, estando registado em 100 milhões de produtos. Segundo a GS1 Portugal, empresa responsável pelo código de barras no mercado nacional, é um dos identificadores mais confiáveis do Mundo – razão por que é utilizado por dois milhões de empresas. E, cinco décadas apos a sua criação, o GTIN serve de base para outros códigos mais modernos, que tiram partido da evolução da tecnologia. É o caso do QR code (sigla do inglês Quick Response, “resposta rápida” ), bidimensional, que oferece mais informações além do preço: basta ler este código para saber, por exemplo, se um alimento é orgânico ou qual o seu impacto ambiental. Isto se a empresa que desenvolve o produto quiser disponibilizar dados adicionais aos clientes.

A este respeito, João de Castro Guimarães, diretor executivo da GS1 Portugal, diz que está em mudança (mudou decisivamente com a pandemia)a constatação dos benefícios da disponibilização de informação de produto, rastreável e fiável, assente em dados de qualidade e disponível em plataformas a que os vários elos da cadeia de valor têm acesso”. E, em entrevista à Marketeer, adianta que estão a ser desenvolvidas e implementadas em Portugal soluções neste âmbito e qual o principal entrave ao progresso (a efetiva transição digital, transversal a toda a sociedade) e faz um balanço dos 50 anos do GTIN e da sua importância para a atividade económica.

GTIN e código de barras não são propriamente a mesma coisa. O GTIN é a origem do código de barras que conhecemos atualidade e que está na génese da distribuição moderna; o código de barras, impresso em qualquer produto, de qualquer categoria, legível nos scanners de qualquer ponto de venda, integra, necessariamente, um GTIN. No código de barras, o GTIN é apenas uma sequência numérica de 13 ou 8 dígitos (para produtos de pequenas dimensões) que as barras verticais (quase sempre a preto e branco) representam. O GTIN identifica um produto de forma única e universal através dessa sequência numérica e em qualquer ponto da cadeia de abastecimento – do produtor ao consumidor, garantindo a rastreabilidade do processo de produção e distribuição.

O código de barras, na sua forma mais conhecida, com um GTIN com 13 dígitos (esta fórmula denomina-se European Article Number-13 ou EAN-13), originou um sistema de identificação (único e inequívoco) capaz de responder às necessidades e especificidades de todos os elementos da cadeia de valor. É esse sistema que a GS1 Portugal representa desde 1985, em Portugal, e que tem permitido a produtores, distribuidores e retalhistas aumentar a eficiência do seu negócio.

O GTIN e o código de barras permitem integrar informação sobre produtos, ou seja, dados, num símbolo com elementos gráficos e numéricos, tendo levado, há 50 anos a uma verdadeira revolução do retalho e das economias, a nível global. Ao assegurarem a leitura automatizada permitem identificar produtos em ambiente logístico, durante o transporte ou no ponto de venda, integrando a referência ao país emissor e à empresa responsável pela comercialização do produto, identificando-o de forma única e inequívoca.

A 31 de março de 1971, líderes de algumas das maiores empresas produtoras internacionais, nomeadamente, Heinz, General Mills, Kroger e Bristol Meyer, reuniram-se em Nova Iorque e criaram a sequência numérica que transformaria irreversivelmente a economia global, ganhando as cadeias de valor eficiência e visibilidade sem precedentes com um potencial futuro que ainda se está a explorar e não se esgotou.

É, pois, o GTIN a chave de identificação na base das formas mais inovadoras de codificação (como a codificação bidimensional, de que são exemplo o GS1 Data Matriz e os QR codes). Além disso, o GTIN continua a salvaguardar a verificação dos dados de produtos quando se consideram soluções de partilha de informação fundamentais a plataformas de comércio online, estruturantes, por exemplo, para o e-commerce. O GTIN marca a história da distribuição moderna e da economia por ter originado o código de barras e marcará a economia mundial nas suas expressões futuras.

Há 36 anos (26 de novembro de 1985), foi criada a CODIPOR (associação na génese da GS1 Portugal), que introduziu em Portugal o sistema de codificação EAN.UCC – European Article Numbering – Uniform Code Council (hoje o sistema GS1), o qual integra o código de barras, de cuja aplicação resultaram transformações verdadeiramente disruptivas na cadeia de abastecimento e logística, nos setores do retalho e bens de consumo.

A sociedade portuguesa registava alterações profundas e aceleradas, sobretudo com a assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à então CEE (Comunidade Económica Europeia), mais tarde UE (União Europeia). Os fundos comunitários permitiam o investimento na construção e modernização de infraestruturas essenciais ao desenvolvimento do país. A pari, registava-se socialmente a explosão do consumo e da distribuição moderna, com a inserção do Sistema de Codificação EAN.UCC. Esta disponibilização do código de barras e do sistema subjacente representou uma revolução na produção e distribuição, levando à adoção de meios de controlo e funcionalidades que, de outra forma, sem este sistema, não seriam possíveis.

Em princípio, todos os tipos de produtos podem conter um código de barras e um GTIN, que será ajustado à dimensão e categoria do produto. Aliás, foi esta capacidade de adaptação que deu origem à codificação bidimensional aplicada a medicamentos e dispositivos médicos, por exemplo, com o GS1 Data Matrix, em espaços de embalagem exíguos e, se necessário, em dispositivos e unidoses de tamanho milimétrico. É infindável o potencial desta sequência numérica. Quando aliado à inovação tecnológica, são inimagináveis as soluções possíveis e os benefícios em rastreabilidade e sustentabilidade. Assim, a colaboração da GS1, a nível global, com a Aanika Biosciences resultou na possibilidade de aposição de etiquetas biomoleculares naturais, de dimensão microscópica, virtuais e indestrutíveis, garantindo melhor rastreabilidade ao longo de toda a cadeia de valor dos vegetais de folha verde, frágeis e altamente perecíveis, e permitindo a aplicação de standards GS1, de que o GTIN é exemplo.

Entretanto, o sistema está a evoluir para novos tipos de códigos. Já foi dito que mudou com a pandemia a constatação dos benefícios da disponibilização de informação de produto, rastreável e fiável, em dados de qualidade, e disponível em plataformas a que os vários elos da cadeia de valor têm acesso. O GTIN e, em geral, a codificação são condições fundamentais para essa disponibilização e à evolução para novas codificações como a codificação bidimensional mas também a codificação com recurso a suportes biomoleculares ou outros. Por outro lado, o GTIN é o bastião último e o garante de sistemas de partilha de dados em blockchain (um tipo de Base de Dados Distribuída que guarda um registro de transações permanente e à prova de violação), como o agora em curso, em parceria com a Deloitte (parceira no desenho do conceito), com dois distribuidores (Jerónimo Martins e  Sonae), 4 produtores dos setores alimentar e de bebidas (Gelpeixe, Unilever, CentralCer e Delta Cafés), um operador logístico (Grupo Luís Simões) e um parceiro tecnológico (TE-Food). Com estes parceiros está a testar-se uma solução de identificação que permita a rastreabilidade de produtos, desde a produção da matéria-prima, passando pela transformação e distribuição, até à entrada em loja, cumprindo os mais rigorosos critérios de segurança e confidencialidade. O projeto servirá de prova de conceito que se espera evoluir para uma solução de mercado, oferecendo às empresas participantes resposta válida e segura de identificação e rastreabilidade de produtos na sua cadeia de abastecimento, culminando com o ambiente de loja.  Esta amplitude, prevendo a integração da rastreabilidade em loja, constitui um elemento extremamente diferenciador. Além disso, o reconhecimento da importância da codificação e do respetivo potencial evoluiu para a procura de soluções de verificação da qualidade desses dados, que a codificação, cada vez mais robusta, interconectada e acessível, permite. É exemplo disso a solução Verified by GS1.

A GS1 Portugal dispõe duma plataforma certificada por entidade independente internacional, que permite registar e partilhar os dados que integram o “bilhete de identidade do produto”, um conceito adotado pela GS1 para facilitar a respetiva comunicação e que designa um conjunto de até sete atributos que consubstanciam a respetiva identidade: GTIN, marca, descrição, URL de acesso a imagem do produto, categoria, peso líquido e país de venda. Tal certificação garante que, sob autorização dos brand owners, os dados sejam integrados numa plataforma global e harmonizada, que lhes dá visibilidade internacional e que podem ter verificados a sua identidade e a validade dos atributos registados com a Verified by GS1. A GS1 Portugal foi convidada a ser uma das 19 organizações-membro da GS1 participantes da 2.ª vaga de implementação do Verified by GS1, em 2020, com benefícios a nível da eficiência dos negócios e garantia de qualidade e capacidade de rastreabilidade ao longo de toda a cadeia de valor.

A codificação bidimensional (como os QR Codes e o GS1 Data Matrix), no atinente aos standards GS1, tem um muito elevado potencial de agregação de informação (diferenciada em tipologia e volume). E as empresas portuguesas, como as demais empresas, a nível internacional, reconhecem cada vez mais a importância da disponibilização e acesso a informação que, por vezes, exige suportes mais abrangentes, de que estes são exemplo. E há circunstâncias em que é necessária tal adoção, como é o caso dos medicamentos e dispositivos médicos, em que legislação europeia, transposta para o nosso ordenamento jurídico, a impõe. No referente aos restantes setores, é claro um crescente reconhecimento dos benefícios dessa codificação pela quantidade e complexidade de dados de produto que permite disponibilizar num espaço relativamente reduzido.

Por sua vez, o consumidor está cada vez mais recetivo. O estudo “A resposta da Cadeia de Valor às exigências do Consumidor” divulgado por Ana Paula Barbosa (Retail Services director da Nielsen Portugal), revela que a pandemia teve muito impacto no comportamento do consumidor, sendo os seus principais fatores o revenge spending, a crise económica, a continuidade do teletrabalho e a experiência em e-commerce. Agora, a manutenção dessas tendências em contexto de novo normal dependerá “da experiência e nível de satisfação dos consumidores no momento de compra”, sendo fundamentais a afirmação do propósito das marcas, a componente ética e o acesso a evidências (informação, dados…) que o confirmem. Por certo, a codificação bidimensional, como suporte de tais narrativas, corresponderá às expectativas do consumidor.

Finalmente, a expansão dos QR codes requer a efetiva transição digital, transversal a toda a sociedade. E os consumidores estão preparados, quer do ponto de vista da apetência, pelo interesse, curiosidade no acesso a informação, quer do ponto de vista dos recursos, pelo acesso generalizado a equipamentos móveis com acesso a dados. Só importa acelerar a transição digital das empresas, que registou com a crise pandémica uma aceleração sem precedentes, tirar partido do momento e avançar.

2021.11.26 - Louro de Carvalho

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