Já sem a aguda pressão da pandemia de covid-19,
ainda que sem ter desaparecido totalmente o fantasma do SARS-CoV 2, a Assembleia
da República (AR) tem em curso a aprovação da alteração ao regime de teletrabalho, processo
que terminará a 5 de novembro.
Assim, os deputados
aprovaram, no dia 2, o alargamento do teletrabalho aos pais com filhos até
aos 8 (oito) anos de idade, sem necessidade de acordo com o
empregador, desde que seja exercido por ambos os progenitores.
A proposta do PS que alarga o regime de teletrabalho a estas
situações foi aprovada por unanimidade durante as votações indiciárias que
decorreram, na noite daquele dia, no grupo de trabalho da Comissão do Trabalho
e Segurança Social, criado para o efeito.
Atualmente, o Código do Trabalho prevê o direito ao
teletrabalho para trabalhadores com filhos até aos 3 (três) anos de idade, quando
compatível com a atividade desempenhada e a entidade empregadora disponha de
recursos e meios para o efeito.
Com a proposta do PS, este direito é estendido “até
aos 8 anos” de idade nos casos em que “ambos os progenitores reúnem condições
para o exercício da atividade em regime de teletrabalho, desde que este
seja exercido por ambos em períodos sucessivos de igual duração num prazo de
referência máxima de 12 meses” – abrangendo a medida também as situações de
famílias monoparentais ou casos em que “apenas um dos progenitores,
comprovadamente, reúne condições para o exercício da atividade em regime de
teletrabalho”.
De fora deste alargamento ficam os trabalhadores das microempresas.
Os deputados do predito grupo de trabalho rejeitaram a proposta do BE,
semelhante à do PS em vários pontos, mas que alargava o direito ao teletrabalho
sem necessidade de acordo aos trabalhadores com filhos até 12 anos.
Não obstante, de acordo com os itens de alteração aprovados, o teletrabalho
continua, na maioria dos casos, dependente do acordo entre trabalhador e
empregador. Com efeito, a proposta do PS estipula que “a implementação do regime de teletrabalho depende sempre de acordo
escrito, que pode constar do contrato de trabalho inicial ou ser
autónomo em relação a ele”. E o acordo “define
o regime de permanência ou de alternância de períodos de trabalho a distância e
de trabalho presencial”.
Os deputados também aprovaram a aplicação do princípio do tratamento
mais favorável ao regime de teletrabalho, ou seja, as normas do contrato
de trabalho só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação coletiva
de trabalho que disponha em sentido mais favorável aos trabalhadores.
Além disso, as empresas
vão ser obrigadas a pagar aos trabalhadores as despesas adicionais relacionadas
com teletrabalho, como os custos com energia e internet – pagamento
que será considerado, para efeitos fiscais, custos para as empresas.
Segundo
a proposta do PS aprovada no dia 2, semelhante à do BE, “são integralmente compensadas pelo empregador todas as despesas
adicionais que, comprovadamente, o trabalhador suporte como direta consequência
da aquisição (…) ou do uso dos
equipamentos e sistemas informáticos ou telemáticos na realização do trabalho”.
Como pode ler-se no documento, estas
despesas incluem “os acréscimos
de custos de energia e da rede instalada no local de trabalho em condições de
velocidade compatível com as necessidades de comunicação de serviço, assim como
os de manutenção dos mesmos equipamentos e sistemas”.
Nos termos da proposta socialista,
consideram-se despesas adicionais “as
correspondentes à aquisição de bens e/ou serviços de que o trabalhador não
dispunha antes da celebração do acordo” de teletrabalho, assim como “as determinadas por comparação com as
despesas homólogas do trabalhador no mesmo mês do último ano anterior à
aplicação desse acordo”.
A proposta do BE pretendia ir mais longe, ao incluir
despesas com a água e climatização, mas foi rejeitada pelos deputados.
Por sua vez, foi aprovada uma proposta do PSD,
apenas com os votos contra do PS e restantes partidos a favor, que estabelece
que “as despesas pagas pela entidade patronal ao
trabalhador para custear as despesas inerentes ao teletrabalho são
consideradas, para efeitos fiscais, custos para as empresas e
não constituem rendimentos para o trabalhador”.
A deputada do
PSD Clara Marques Mendes relevou a “importância” deste artigo salientando que
“muitas vezes as empresas pagam estas despesas, mas depois, em termos fiscais,
não as podem contabilizar como custos”, quando “são efetivamente custos”. E explicou:
“O que propomos é que
as despesas pagas para custear as despesas inerentes ao teletrabalho sejam
consideradas custos para as empresas e não sejam rendimentos para os
trabalhadores”.
***
Outro item de alteração ao regime do
teletrabalho é o que estabelece que os empregadores têm de promover “contactos presenciais” entre o teletrabalhador e as chefias e
demais trabalhadores, sem periodicidade definida, mas cujos intervalos não
podem exceder dois meses.
Assim, os empregadores cujos trabalhadores estejam a exercer as suas funções à distância terão de promover contactos presenciais entre estes e as chefias e os demais
trabalhadores pelo menos a cada dois meses. Tal
medida, aprovada em votação indiciária pelos deputados do grupo de trabalho no
dia 3, recebeu os votos favoráveis do PS e do BE, a abstenção do PCP e o voto
desfavorável do PSD. A proposta dos socialistas fixa como dever especial do
empregador, em caso de teletrabalho, “diligenciar no sentido da
redução do isolamento do trabalhador”, através da promoção de “contactos presenciais do trabalhador com as chefias e demais
trabalhadores, com a periodicidade estabelecida no acordo de
teletrabalho” ou, “em caso de omissão, com intervalos não
superiores a dois meses”.
Foi, por outro lado, rejeitada a proposta do BE que estabelecia esse mesmo dever
especial, mas definia como periodicidade mínima intervalos não superiores a um mês. Efetivamente obteve os votos desfavoráveis
do PS e do PSD e a abstenção do PCP.
A deputada comunista Diana Ferreira explicou que o PCP se absteve em ambas
as votações, por considerar que os contactos presenciais devem
ser ainda mais frequentes.
Os deputados aprovaram, além disso, no dia 3, a proposta do PS que
estabelece que a violação deste dever especial constitui “contraordenação grave“, abrindo, portanto, a porta à
aplicação de coimas aos empregadores que não
promovam estes contactos presenciais.
***
Também fica estabelecido que as empresas que
contactem trabalhadores em período de descanso ou fora do horário, exceto em “situações de força maior, ”arriscam uma coima que pode ir até 9.690 euros.
Com efeito, a violação desse
dever constitui contraordenação grave.
Em
causa está a proposta do PS aprovada, no dia 3, em
votações indiciárias, pelo susodito grupo de trabalho, com a abstenção do BE,
do PCP e do PSD e os votos favoráveis dos socialistas, nos termos da qual o
empregador “tem o dever de se abster de contactar o trabalhador no período de descanso,
ressalvando as situações de força maior”. Ou seja, exceto em alguns casos
específicos (nomeadamente acidentes ou incêndios), as
empresas não podem estabelecer nenhum tipo de contacto com os trabalhadores ao
seu serviço fora do horário de trabalho.
Esta alteração ao Código do Trabalho – à qual os deputados deram o nome de
“dever de abstenção de contacto” – abrange todos os trabalhadores, quer estejam a exercer as
suas funções presencialmente, quer o façam de forma remota. Além disso, a
proposta ora aprovada deixa claro que constitui contraordenação grave a
violação deste dever pelo empregador.
De acordo com a lei laboral, as contraordenações graves dão lugar a coimas entre as 6 e as 95 unidades de conta, isto
é, entre 612 euros e 9.690 euros, valor que varia em
função do volume de negócios da empresa e do grau de culpa do infrator.
Assim, para as empresas com volume de negócios inferior a
500 mil euros, em situação de negligência, a coima
mínima é de 612 euros e a máxima é de 1.224. Já em caso de dolo, a coima mínima é
de 1.326 euros e a máxima de 2.652.
Para empresas com volume de negócios igual ou superior a
500 mil euros, mas inferior a 2,5 milhões,
a infração por negligência dá azo à aplicação de
uma coima entre 714 euros e 1.428.
Em situação de dolo, os limites são 1.530 euros e 4.080.
Já no caso das empresas com volume de negócios igual ou
superior a 2,5 milhões de euros, mas inferior a 5 milhões, os
limites são os seguintes: entre 1.020 euros e 2.040, para situação de negligência, e,
entre 2.142 euros e 4.590, em situação
de dolo.
No caso das empresas com volume de negócios igual ou superior
a 5 milhões de euros, mas inferior a dez milhões,
a coima mínima, em situação de negligência, é de 1.224 euros e a máxima é de 2.550 euros. Em caso de dolo, a penalização
varia entre 2.652 euros e 5.100.
As empresas com maior volume de negócios (igual ou superior a dez milhões de euros) podem esperar coimas mais pesadas: entre 1.530 euros e 4.080 euros, em
situação de negligência, e entre 5.610 euros e 9.690 euros em situação de dolo.
Estes valores de penalização serão aplicados, com as mesmas variações, aos
empregadores que não promovam contactos presenciais entre os teletrabalhadores e as chefias e os demais trabalhadores,
com a periodicidade estabelecida no acordo de teletrabalho ou, em caso de
omissão, “com intervalos não superiores a dois meses”. Este dever
consta também da proposta do PS aprovada, no dia 3,
pelos deputados do grupo de trabalho dedicado às iniciativas legislativas
referentes ao teletrabalho. O PS e o BE votaram a favor, enquanto o PCP se absteve.
É de referir que, em votação indiciária, foram rejeitadas
as propostas que defendiam o chamado “direito a desligar”, considerando
os deputados que tal já está incluído atualmente na lei laboral.
Todas as votações foram confirmadas em
reunião da Comissão de Trabalho e Segurança Social, ocorrida neste dia 4,
esperando-se que a votação final consiga ser feita
no plenário do dia 5, estando os deputados numa “corrida
contra o tempo”, na medida em que, perante a rejeição da proposta de OE 2022,
está iminente a dissolução da AR, sendo que a publicação do respetivo decreto
fará cair as iniciativas legislativas em curso e antecipará, como anunciou o
Presidente da República, as eleições legislativas para o dia 30 de janeiro de
2022.
***
Enfim, é legítimo a empresa almejar os seus objetivos, incluindo o lucro,
mas sem descurar o seu papel social, como é de justiça outorgar ao trabalhador
condições de dignidade no trabalho.
2021.11.04 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário