De acordo com o n.º 10 do Comunicado
Final, de 11 de novembro, da 201.ª Assembleia Geral da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), os Bispos
foram informados de que a terceira edição
portuguesa do “Missal
Romano” recebeu o Decreto da “Confirmatio e Recognitio” da parte da Congregação para o
Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos a 13 de outubro de 2021.
Assim, a CEP emitiria um decreto a determinar que esta nova edição
terá a data de 21 de novembro de 2021, solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Rei do Universo, e que “esta edição para as celebrações em língua portuguesa
deve ser considerada ‘típica’ para a Igreja peregrina em Portugal, oficial para
o uso litúrgico”. Por outro lado, embora entre em vigor no dia 14 de abril de
2022, poderá usar-se logo após a sua publicação.
Sabe-se que foi Dom José Cordeiro, Bispo de Bragança e
Miranda e presidente da Comissão Episcopal da Liturgia e Espiritualidade (CELE), quem abordou durante os trabalhos o projeto que
levou à referida tradução, vindo a CEP a concluir que ““a nova edição do Missal
Romano será um excelente estímulo para todo o povo de Deus celebrar e viver
melhor a Eucaristia”.
Entretanto, neste dia 19 de Novembro, a agência Ecclesia reporta que o presidente da CELE
repisou que a nova edição portuguesa do Missal Romano, que vai ter data de 21
de novembro e que, após um trabalho realizado com a Santa Sé, traz alterações
para as conclusões das orações, para o ato penitencial (nomeadamente a fórmula da confissão) e para o nome de Maria.
Por outro lado, o prelado bragançano explicitou que “a nova tradução recebeu do Missal a
tradução dos textos já aprovados pela Congregação na 2.º edição de alguns
livros litúrgicos: os textos, sobretudo as rubricas, que constam na Instrução
Geral do Missal Romano; os textos bíblicos das antífonas; e as citações ou
alusões à Sagrada Escritura constantes nas orações”.
O presidente da CELE adianta que, entre as novidades,
está a nova fórmula da confissão no Ato Penitencial, com o tríplice reconhecimento
da culpa pessoal: ‘por minha culpa, minha
culpa, minha tão grande culpa’. E diz, a este respeito, que “voltar ao
ritmo ternário do reconhecimento da culpa e do bater com a mão no peito não
será problemático”, sendo que o esforço de atenção pode ajudar “a quebrar a
rotina”.
Aliás, sempre achei formulação manca, digo eu, a passagem
ao ritmo binário, quando a tradição bíblica nos remete para a tríplice formulação.
Por exemplo, temos o Deus três vezes santo e cantamos o triságio, a negação de
Pedro é tríplice, a confissão de amor de Pedro por Cristo é tríplice, é
tríplice a tentação de Cristo no deserto, é tríplice a aceitação da vontade do
Pai na oração de Cristo no horto, são três os passos da correção fraterna… E
parece-me que o nosso incisivo “minha tão grande culpa”, um expressivo superlativo
analítico a traduzir o latino “mea máxima culpa”, faz mais sentido apos a
iteração do “minha culpa”.
Segundo Dom José Cordeiro, existem alterações na
narração da instituição da Ceia, com opção de tradução por ‘abençoar’ a ser
substituída pelo verbo ‘bendizer’, mudança que se poderá estranhar, mas que “faz
todo o sentido”.
Nos Ritos de Conclusão, o Missal introduz novas
fórmulas para a despedida e o nome de Maria, “no seguimento do diálogo
ecuménico”, passa a ser com o tratamento de ‘Virgem Santa Maria’.
O Bispo de Bragança-Miranda, especialista em
Liturgia, adianta que algumas novidades de conteúdo são, por exemplo, as
conclusões das orações e a adoção de duas formas – longa e breve – “traz maior
riqueza e variedade à oração da Igreja”.
Por sua vez, o diretor do Secretariado Nacional da
Liturgia, da CELE, frisa que “as grandes diferenças não estão nas respostas dos
fiéis”, mas que, para os celebrantes e concelebrantes, mudam algumas coisas. Assim,
em declarações à Ecclesia, o Padre Pedro
Ferreira assinala não ser “preciso fazer nenhum caderno para os fiéis
participarem” nas celebrações, como na Itália, onde “mudaram muitas coisas”. E declara
que “gostaríamos que o aparecimento do novo Missal fosse recebido com espírito
novo”, observando que a questão “é rezar como lá está, que é bastante
diferente”.
Dom José Cordeiro salienta que também a terceira
edição do Missal em língua portuguesa “adota o novo acordo ortográfico da
língua portuguesa entre os Países lusófonos”, respeitando o acordo com a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), quanto “aos diálogos do Ordinário da Missa e às fórmulas sacramentais”.
Depois, segue a “tríplice fidelidade da tradução dos
livros litúrgicos” – ao texto original, à língua portuguesa e à
compreensibilidade dos destinatários –, oferece, no Próprio dos santos, “uma breve
notícia histórico-litúrgica para guia homilética e didascálica de cada
celebração”, e inclui os santos novos dos últimos 30 anos.
O Missal mostra que o canto não é mero “elemento
ornamental”, mas parte necessária e integrante da Liturgia solene, pelo que
música e texto vão juntos. E Pedro Ferreira, observando que estar a presidir à
celebração e a procurar a página com a música “é complicado”, vinca:
“Vai ser uma novidade que o missal português explora muito bem,
normalmente põem as músicas arrumadas numa secção e os textos correm pela
outra. (…) É uma questão de oração, não é a solenidade só, não é o adorno
externo, o ser bonito, é a oração. A música está ao serviço da oração, é uma
forma mais perfeita de oração, é rezar duas vezes, como diziam os antigos.”.
Esta é a terceira edição do Missal Romano em língua
portuguesa para Portugal, após 29 anos da segunda edição de 1992, e vai ser
também oficial para Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste,
depois dos procedimentos junto de cada Conferência Episcopal e dos competentes organismos
da Sé Apostólica.
O presidente da CELE recorda que o “longo itinerário”
da CEP, entre 2008 e 2021, no processo da tradução do Missal Romano com os
organismos da Sé Apostólica “foi dinâmico, consciente e frutuoso,
especialmente”, e, desde 2019, com a “paternidade solícita do Papa Francisco” e
com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos”.
Dom José Cordeiro convida os Secretariados Diocesanos
de Liturgia e Espiritualidade a colaborar com os outros lugares educativos da
fé da Igreja – famílias, paróquias, santuários, institutos de vida consagrada,
associações, movimentos, grupos eclesiais.
***
Conservar o
Rito Romano não é uma questão de estética, de conservadorismo, mas de zelar
pela natureza da Liturgia milenar, que remonta à comunidade primitiva. Por
isso, o Papa São Paulo VI trouxe essa renovação, conservando a tradição, com a
publicação dum novo “Ordo missae” – o
novo Missal Romano – em 1969, três anos após o Concilio Vaticano II, como
recordou ao “Vatican News” o Padre
Gerson Schmidt na secção “Memória Histórica – 50 anos do Concílio Vaticano II”,
falando de “O rito e o Missal
Romano”, em que assinala que o Missal Romano (“Missale Romanum”) é o missal do rito romano da Igreja Católica.
Segundo Gerson,
a primeira edição (impressa) de livro com
o título de “Missale Romanum” com
os textos da Missa em conformidade com os usos da Cúria Romana (“Ordo
Missalis Secundum Consuetudinem Curiae Romanae”) remonta a 1474 e foi impressa em Milão. Desde aquele
ano à publicação da primeira edição oficial do Missal Romano pela Santa Sé, passou-se
quase um século. No entanto, neste período, surgiram pelo menos outras 14
edições do livro litúrgico: dez em Veneza, três em Paris e uma em Lyon. Pela
falta dum órgão de supervisão da sua qualidade, tais edições acabaram por
sofrer várias modificações pelos editores, algumas das quais não foram triviais.
Assim, a edição de 1474 é considerada o arquétipo de todas as publicações que
mais tarde se fundiram na edição oficial aprovada pelo Papa São Pio V em 1570,
conhecido como “Missal tridentino” ou “Missal de São Pio V”. As notas do
Cardeal Guglielmo Sirleto num exemplar da edição do “Missale secundum
morem Sanctae Romanae Ecclesiae” impresso
em Veneza em 1497 (substancialmente idêntico ao de 1474) mostram que a edição veneziana foi usada como modelo
para a edição de 1570.
Missais com
maior ou menor número de modificações foram publicados sucessivamente pelos
Papas Clemente VIII em 1604, Urbano VIII em 1634, Leão XIII em 1884, Bento XV
em 1920 (Missal cuja
revisão foi iniciada por São Pio X).
O Venerável Pio
XII reformou profundamente a liturgia da Semana Santa e da Vigília Pascal,
modificando não somente o texto das orações, mas também o horário das
celebrações.
A sexta (e última) edição típica do Missal Romano “revisto por decreto do
Concílio de Trento” foi a publicada pelo Papa São João XXIII em 1962.
Ao aplicar a
Constituição “Sacrosanctum Concilium”
do Concílio Vaticano II, o Papa São Paulo VI, assistido por uma comissão de
cardeais, bispos e peritos (o Consilium
ad exsequendam Constitutionem de Sacra Liturgia), criou uma nova edição do
Missal Romano, promulgada pela Constituição Apostólica “Missale Romanum”, de 3 de
abril de 1969 e que entrou em vigor em 30 de novembro sucessivo, início do novo
Ano Litúrgico. A forma ordinária matricial da celebração da Missa
segundo o rito romano continua a ser a do Missal Romano, reformado e publicado
por São Paulo VI.
Antes da
grande reforma litúrgica realizada por São Paulo VI, o Missal Romano previa a
celebração da dita Missa tridentina, que era a forma anterior do rito
romano e cujo uso foi amplamente restaurado pelo Papa Bento XVI com o motu
proprio “Summorum Pontificum” e
da instrução “Universae Ecclesiae”. Entretanto, Francisco, com a publicação, a 16 de julho, do motu
proprio “Traditionis custodes”, sobre o uso da
liturgia romana anterior a 1970, acompanhado com uma carta na qual explica as
razões de sua decisão, restringiu em muito a liberalidade concedida pelo motu
proprio anterior.
Assim, conforme
reflete o Padre Gerson, a questão do “Missale
Romanum” pode sintetizar-se nos termos seguintes:
Apenas três
anos após o término do Concilio Vaticano II, São Paulo VI surpreendia o mundo
católico com a publicação de um novo “Ordo Missae” – um novo missal
Romano – com a data de 6 de abril de 1969. De facto, até ao Papa Montini,
os Sumos Pontífices não modificaram o Ordo Missae no Rito Romano. Mesmo
introduzindo modos próprios para novas festas, não se destruía a dita Missa
Tridentina ou Missa de São Pio V. Depois do Papa Montini, o Papa São João Paulo
II fez duas edições típicas latinas do Missal de São Paulo VI, uma em 2000 e outra
em 2002, sendo que a nova tradução em língua portuguesa corresponde à 3.ª edição
típica latina.
Porém, uma
Missa Tridentina ou de São Pio V na verdade nunca existiu, pois, nas instâncias
do Concílio de Trento, não foi criado um Novus Ordo Missae, visto
que a Missa de São Pio V não é mais que o Missal da Cúria Romana, que se foi constituindo
em Roma muitos séculos antes e difundido especialmente pelos franciscanos em
muitas regiões do Ocidente. As modificações efetuadas por São Pio V são tão
pequenas, que apenas são percetíveis pelos olhos ou pela lupa dos
especialistas. Efetivamente, São Pio V tomou o missal em uso em Roma e em
tantos outros lugares, deu-lhe retoques, especialmente reduzindo o número das festas
dos Santos que continha. Porém, não o tornou obrigatório para toda a Igreja. Ao
invés, até respeitou até as tradições locais que pudessem gloriar-se de ter, pelo
menos, duzentos anos de existência. É, por exemplo, o caso do nosso rito bracarense.
Assim, era
suficiente que um missal estivesse em uso, pelo menos, há duzentos anos, para
que pudesse permanecer em uso ao lado e no lugar do publicado por São Pio V.
O fato de
que o Missale Romanum se ter difundido tão rapidamente e ter sido
espontaneamente adotado também em dioceses que tinham o modo próprio mais que
bicentenário, deve-se a outras causas. Roma não exerceu sobre elas nenhuma
pressão – isto numa época em que, bem diferente do que acontece hoje, não se
falava de pluralismo ou de tolerância.
Por isso,
deixando para trás a expressão imprópria de Missa Tridentina, é melhor falar em
um Ritus Romanus. O rito romano remonta pelo menos ao século
V, e mais precisamente ao Papa São Dâmaso (366-384). E o Canon Missae, com exceção de alguns
retoques efetuados por São Gregório I (590-604), alcançou com São Gelásio I (492-496) a forma que conservou até há pouco. A única coisa
sobre a qual os Romanos Pontífices não cessaram de insistir do século V em
diante foi a importância para todos de adotarem o Canon Missae Romanae (a Anáfora
I), dado que o dito cânon remonta nada
menos que ao próprio Apóstolo Pedro.
O primeiro
Papa que ousou inovar o Missal tradicional foi Pio XII, quando modificou a
liturgia da Semana Santa, mas nada impedia de restabelecer a Missa do Sábado
Santo no curso da noite de Páscoa, ainda que sem modificar o rito. São João
XXIII seguiu por este caminho, retocando as rubricas. Mas nem um nem o outro
ousaram inovar no Ordo Missae, que continuou invariável. Porém,
tinha sido aberta a porta e por ela cruzaram aqueles que queriam uma
substituição radical da liturgia tradicional e que a obtiveram.
Muitos não
concordaram com as mudanças de São Paulo VI com um novo Rito Romano e previam
consequências desastrosas; outros, no lado oposto, prefeririam inventar uma
liturgia totalmente nova, perdendo-se a tradição milenar. Todavia, nem oito nem
oitenta, conservar o Rito Romano não é mera questão de estética ou de
conservadorismo, mas de zelo pela natureza da Liturgia, que remonda à comunidade
primitiva. Por isso, há que manter o fio condutor da tradição na abertura à
compreensão das pessoas e comunidades de hoje – sem tiros no pé a nível do
preciosismo museológico ou da inovação caprichosa (nem tudo o
que é antigo é precioso, nem tudo o que é novo é para assumir) –, de modo que a liturgia reúna, eleve e edifique o
homem de Deus e a Igreja num mundo em constante e profunda mudança.
E, enquanto
o comum dos crentes passará a bater no peito e a dizer “por minha culpa, minha
culpa, minha tão grande culpa”, os nossos liturgistas deveriam fazê-lo por
certos preciosismos de tradução que, em vez de porem em sintonia todos os
participantes na celebração do Mistério, põem o celebrante a dizer uma coisa e
o povo a dizer outra, verdadeira, mas distante (exemplo: V/ O Senhor esteja
convosco R/ Ele está no meio de nós).
2021.11.19 – Louro de Carvalho
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