terça-feira, 2 de novembro de 2021

Crescer sem pressa, tal como se é

 

A Pedagogia Waldorf, foi introduzida em Portugal em 1982, no centro histórico do Porto, num edifício de raiz setecentista (com fachada prolongada por muro encimado por estatuetas em granito atribuídas a Nicolau Nasoni) e voltada ao ocidente com o Atlântico no horizonte e o Rio Douro aos pés.

Prossegue a experiência iniciada com a Cooperativa de Ensino Artístico que lhe deu existência e que, em mais duma década, desenvolveu experiências alternativas de formação nas artes plásticas e design, sob influência e como resultado da “aventura” pedagógica ensaiada pelo movimento de artistas, professores e intelectuais que, na década de 60, deu corpo à Cooperativa Waldorf do Porto, que desenvolveu um projeto de ensino voltado para os mais novos, o qual apostava na liberdade de desenvolvimento das crianças, valorizando nos primeiros 7 anos de vida o aspeto sensorial, em detrimento do intelectual.

Existem apenas dois jardins de infância portugueses que, à semelhança do projeto Waldorf no Porto, seguem o Ideário criado por Rudolf Steiner, incluindo atividades como modelar cera de abelhas, costurar panos coloridos, amassar e cozer pão, trabalhar com materiais naturais, como troncos de madeira, conchas e cortiça, ou tratar da horta e do jardim – atividades que desenvolvem os 78 sentidos das crianças, estimulam a imaginação, a vitalidade e a alegria de viver, apostando sempre numa maior ligação e respeito pela Natureza.

A fundadora do Jardim-de-Infância Waldorf, em Alfragide, que introduziu esta pedagogia em Portugal, em 1984, diz que o método se centra mais no desenvolvimento motor e sensorial da criança, deixando para segundo plano os aspetos intelectual e cognitivo, pois importa que as crianças brinquem livremente e expressem o que realmente sentem, ou seja, não a partir das nossas agendas, mas a partir do que elas precisam de desenvolver e criar.

Assim, a formação Waldorf inclui as vertentes científica, artística e estética, afirmando que a prioridade é que a criança se revele como ser único; e o que lhe damos enquanto ambiente educativo é para ela se desenvolver de acordo com a sua vontade, com o que sente que precisa. Porém, isto não quer dizer que ela não tenha limites no processo de desenvolvimento.

No concelho Lagos, uma educadora alemã criou, em 1992, um Jardim Waldorf, em Barão de São João. Para a fundadora, o sistema Waldorf não é só uma pedagogia, é também um método e uma atitude que tem a ver com uma forma global de encarar o Mundo, sendo importante dar tempo e espaço suficientes para uma aprendizagem sem competição e sem pressas.

A pedagogia Waldorf é um movimento mundial com forte abordagem multicultural, que torna as crianças mais autónomas e responsáveis, com consciência étnica e respeito pela diversidade, buscando formas de se integrar e participar numa sociedade saudável. É contracorrente e procura uma pedagogia alternativa, mesmo a nível da alimentação. Mas não será indicada para todas as crianças, pois devem as famílias estar inseridas nessa lógica de pensamento, seguindo um estilo de vida com menor consumismo e maior ligação à Natureza.

Em Portugal utilizam esta pedagogia os jardins de infância supramencionados, uma escola de educação especial, em Seia, e a Escola Waldorf, no Porto.

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A LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo) estabelece o quadro geral do sistema educativo. Teoriza a sua organização, de modo a contribuir para a defesa da identidade nacional e o reforço da fidelidade à nossa matriz histórica pela consciencialização relativamente ao património cultural do povo português. O sistema escolar subordina-se aos propósitos educativos gerais, segundo três vectores: desenvolvimento global da personalidade, progresso social e democratização da sociedade. O teor da LBSE consagra forte componente estatal do sistema educativo, mas sujeita a tensão de sentido dinâmico entre o desejo monopolizador da realização educativa por parte do Estado e a sua atribuição mais repartida por outras entidades sociais.

É da responsabilidade de um único Ministério a coordenação da política do sistema educativo. Em consequência, toda a iniciativa e instituição que se integre no sistema educativo fica sujeita à coordenação do Ministério da Educação (ME) e toda a educação, em todas as instituições, em todo o território, é regulada pela ação político-governamental mediada pelo ME. O sistema é único e uniforme para todo o território nacional. Os princípios consagrados na LBSE são: os princípios gerais, os princípios organizativos e os princípios específicos ou particulares. O conjunto dos princípios gerais consagra: o direito à educação e à cultura; a democratização do ensino traduzida numa justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares; a liberdade de aprender e de ensinar; o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva.

A LBSE procura definir um modelo de cidadão a ser educado, dando origem à definição de correspondente modelo educativo. O cidadão deverá ser livre, responsável, autónomo, solidário, possuidor dum espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros, das suas ideias e das suas culturas, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, crítico e criativo em relação ao meio social, capaz duma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos, possuidor de capacidade para o trabalho e para a vida ativa e, ainda, para a utilização criativa dos tempos livres. Porém, a LBSE não define claramente um modelo de sociedade em que o cidadão se integra. No entanto, não só de um modelo de cidadão se pode inferir o modelo de sociedade. Há uma nítida valorização do homem como elemento essencial e central da sociedade, sendo o centro do processo educativo que é claramente explicitado na LBSE quando esta se refere à valorização de dimensão humana do trabalho. Não se procura a formação do indivíduo com vista à adequação ao trabalho, mas antes, este se deve adequar à dimensão humana. A pari, a LBSE consagra princípios com implicação direta no modelo organizativo: assegurar a formação moral e cívica, bem como para o trabalho; descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e ações educativas; desenvolver a participação das populações nas ações educativas, nomeadamente, dos alunos, docentes e famílias, na definição da política educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana; promover a correção das assimetrias regionais no atinente aos benefícios da educação, cultura e ciência; assegurar a existência duma escolaridade de segunda oportunidade; e assegurar a igualdade de oportunidade para ambos os sexos.

Mais determina a LBSE que, ao nível do ensino básico, se assegure uma formação geral comum a todos os portugueses, na qual sejam equilibradamente inter-relacionados. A cultura escolar e a cultura do quotidiano devem ser a exemplificação deste equilíbrio inter-relacionado.

Após a LBSE, surgiu o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, que, para concretizar a autonomia da escola, exige o Projeto Educativo, constituído e executado de forma participada, dentro dos princípios da responsabilização dos vários intervenientes na vida escolar e adequação às caraterísticas e recursos da Escola e às solicitações e apoios da comunidade em que se insere.

A Escola, na sua caminhada autónoma, define uma linha de orientação fundamental que norteie as múltiplas atividades que ocorrem no quotidiano. A Escola aparece, assim, como organização enquanto entidade social complexa onde se interrelacionam várias estruturas e múltiplos intervenientes: alunos, pessoal docente, pessoal não docente, pais e comunidade em geral, contribuindo todos para a mesma finalidade e missão. E o Projeto Educativo surge quando se reconhece que a qualidade da formação escolar passa pelo envolvimento das escolas e dos agentes educativos na configuração de ações adequadas à população que as vão viver.

E a pedagogia do projeto identifica-se com a própria especificidade do ser humano: a criança, o adolescente, o adulto são seres em projeto e de projetos. Uma dinâmica rica e saudável duma Escola passará, antes de mais, pelo envolvimento de todos na inventariação dos problemas e na partilha de responsabilidades para a sua resolução. E toda a dinâmica da Escola se espelha no seu Projeto Educativo e no Plano Anual de Atividades e se revê na sua concretização.

O sistema prevê uma distribuição de competências entre os vários níveis de administração da educação, pressupondo-se a possibilidade da liberdade de ação no sentido da implementação de um modelo científico-pedagógico descentralizado, passível de introduzir novas pedagogias, novas formas de ação e atuação educativas, com remissão para a possibilidade da adoção de pedagogias como a Waldorf nas escolas. Com efeito, a autonomia da escola constitui um fator importante no desenvolvimento de iniciativas locais, uma vez que permite maior liberdade no trabalho dos professores e na gestão de recursos.

Embora a LBSE não defina em contornos claros um perfil de sociedade, não contradiz a Constituição, segundo a qual a República Portuguesa se rege por princípios éticos e é “baseada na dignidade da pessoa humana e que está empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.º 2.º), devendo a educação, a que todos têm direito, contribuir para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva” (cf art.º 73.º). A mesma Constituição, ao logo do seu articulado, explicita diversos valores e/ou direitos, dos quais, pela sua relevância na educação, se salientam: liberdade, justiça, paz, tolerância e compreensão mútua, solidariedade, participação cívica, trabalho, família, maternidade e paternidade, educação, saúde, património cultural, natureza e recursos naturais. E, nessa linha de valores, a LBSE explicita que o desenvolvimento da personalidade deve ser integral, contemplando os domínios cognitivo, afetivo, estético, físico e motor, social e moral.

Em síntese, o nosso ordenamento jurídico permite, através do regime de autonomia das escolas, e da construção do seu projeto educativo, a implementação da pedagogia Waldorf, sendo certo que persistem muitas e diversas resistências à mudança.

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A pedagogia Waldorf surgiu em 1919, em Estugarda, Alemanha, com o austríaco Rudolf Steiner, filósofo, educador, artista – um pensador que defendia que “o nosso mais elevado objetivo deve ser a promoção do desenvolvimento de seres humanos livres, aptos a dar por si próprios sentido e direção às suas vidas”. Trata-se de um método alternativo com mais de 700 escolas em todo o mundo que valorizam os trabalhos manuais, o contacto com a natureza, as experiências sensoriais, fazendo-o até à entrada no ensino superior (universitário ou politécnico).

Tudo começou numa escola para os filhos dos operários da fábrica de cigarros Waldorf-Astória com ideais e métodos pouco comuns na época, ainda hoje considerados alternativos. Steiner fora convidado para dar palestras aos funcionários sobre educação e temas sociais. E os funcionários pensaram em dar uma educação aos filhos com base nas ideias do palestrante.

Os planos não são fechados, nem estanques, nem formatados. Estimula-se o ato de brincar, a livre descoberta, a imaginação. Nas salas de aula, é possível amassar pão, modelar a cera das abelhas, costurar tecidos coloridos, usar materiais naturais como conchas da praia, troncos de madeira, cortiça... Há todo um processo de desenvolvimento neste percurso formativo que reúne as vertentes científica, artística, estética. Parte-se da verificação de que a criança é um ser único e de que as experiências sensoriais nos primeiros anos de vida são essenciais, pelo que não se contraria a vitalidade dos mais novos, cuja criatividade e imaginação são importantes. E respira-se natureza. Os sentidos e a liberdade, a ligação constante ao meio natural, a alegria de viver e a curiosidade são pilares deste método que chegou aqui em 1984. Nos primeiros anos de vida, é o desenvolvimento motor e sensorial da criança que importa, não tanto os aspetos intelectuais e cognitivos. Brincar, expressar, criar, descobrir, sem seguir planos traçados nas agendas feitas por adultos. O ambiente educativo é construído para crescer sem amarras e sem pressas.

Cada criança é um ser único, com a sua própria bagagem, que dá e recebe, que aprende e ensina nessa descoberta do mundo, num crescimento livre e em harmonia com a natureza, com tempo e espaço para aprender. É um método que se preocupa com a alimentação e com o consumismo, investe em maior e permanente ligação à natureza e pugna por criatividade, responsabilidade, independência. Não há avaliação com números, há um relatório feito por todos os professores no final do ano, valoriza-se o empenho, destaca-se o esforço.

Não há chumbos, há várias fases de desenvolvimento naturais e salutares; e espera-se entreajuda no grupo/turma. Aprendem-se duas línguas desde o primeiro ano, segue-se o currículo Waldorf com as disciplinas habituais do ensino convencional, há disciplinas individuais, os livros dos primeiros anos são feitos pelos alunos, os temas tornam-se mais complexos no secundário. A essência nunca se perde para desabrochar competências inatas únicas nessa caminhada da educação, da descoberta de cada um e do mundo. A autoconsciência, a flexibilidade cognitiva, o espírito crítico, a capacidade para preservar a própria identidade. Todas estas componentes interessam no percurso desta pedagogia que cultiva competências para aprendizagens contínuas ao longo da vida. E os pais são sempre peças fundamentais neste caminho.

A Pedagogia Waldorf parte duma visão antropológica do homem como um conjunto harmónico que abrange três dimensões: física, anímica e espiritual. Assim, fundamenta as práticas educativas nos valores que desenvolvem o aluno de forma integral, isto é, associando habilidades corporais, cognitivas e emocionais. Influenciada pelas Ciências Sociais, os seus princípios estribam-se nos ideais da Revolução Francesa: liberdade de pensar, igualdade de deveres e direitos e fraternidade, no respeito mútuo.

Os ciclos de aprendizagem são divididos em septénios: de 0 a 7 anos, maturidade escolar; de 7 a 14 anos, maturidade sexual; e, de 14 a 21 anos, maturidade social. Mas sempre com os seguintes parâmetros: desenvolvimento integral, educação para o futuro, cooperação, respeito mútuo e interação com a natureza.

2021.11.02 – Louro de Carvalho

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