A
Pedagogia Waldorf, foi introduzida em Portugal em 1982, no centro histórico do
Porto, num edifício de raiz setecentista (com fachada prolongada
por muro encimado por estatuetas em granito atribuídas a Nicolau Nasoni) e voltada ao ocidente com o
Atlântico no horizonte e o Rio Douro aos pés.
Prossegue
a experiência iniciada com a Cooperativa de Ensino Artístico que lhe deu
existência e que, em mais duma década, desenvolveu experiências alternativas de
formação nas artes plásticas e design, sob influência e como resultado da
“aventura” pedagógica ensaiada pelo movimento de artistas, professores e
intelectuais que, na década de 60, deu corpo à Cooperativa Waldorf do Porto,
que desenvolveu um projeto de ensino voltado para os mais novos, o qual
apostava na liberdade de desenvolvimento das crianças, valorizando nos
primeiros 7 anos de vida o aspeto sensorial, em detrimento do intelectual.
Existem
apenas dois jardins de infância portugueses que, à semelhança do projeto Waldorf
no Porto, seguem o Ideário criado por Rudolf Steiner, incluindo atividades como
modelar cera de abelhas, costurar panos coloridos, amassar e cozer pão,
trabalhar com materiais naturais, como troncos de madeira, conchas e cortiça,
ou tratar da horta e do jardim – atividades que desenvolvem os 78 sentidos das
crianças, estimulam a imaginação, a vitalidade e a alegria de viver, apostando
sempre numa maior ligação e respeito pela Natureza.
A
fundadora do Jardim-de-Infância Waldorf, em Alfragide, que introduziu esta
pedagogia em Portugal, em 1984, diz que o método se centra mais no
desenvolvimento motor e sensorial da criança, deixando para segundo plano os
aspetos intelectual e cognitivo, pois importa que as crianças brinquem
livremente e expressem o que realmente sentem, ou seja, não a partir das nossas
agendas, mas a partir do que elas precisam de desenvolver e criar.
Assim,
a formação Waldorf inclui as vertentes científica, artística e estética,
afirmando que a prioridade é que a criança se revele como ser único; e o que
lhe damos enquanto ambiente educativo é para ela se desenvolver de acordo com a
sua vontade, com o que sente que precisa. Porém, isto não quer dizer que ela
não tenha limites no processo de desenvolvimento.
No
concelho Lagos, uma educadora alemã criou, em 1992, um Jardim Waldorf, em Barão
de São João. Para a fundadora, o sistema Waldorf não é só uma pedagogia, é
também um método e uma atitude que tem a ver com uma forma global de encarar o
Mundo, sendo importante dar tempo e espaço suficientes para uma aprendizagem
sem competição e sem pressas.
A
pedagogia Waldorf é um movimento mundial com forte abordagem multicultural, que
torna as crianças mais autónomas e responsáveis, com consciência étnica e respeito
pela diversidade, buscando formas de se integrar e participar numa sociedade
saudável. É contracorrente e procura uma pedagogia alternativa, mesmo a nível
da alimentação. Mas não será indicada para todas as crianças, pois devem as
famílias estar inseridas nessa lógica de pensamento, seguindo um estilo de vida
com menor consumismo e maior ligação à Natureza.
Em
Portugal utilizam esta pedagogia os jardins de infância supramencionados, uma
escola de educação especial, em Seia, e a Escola Waldorf, no Porto.
***
A
LBSE (Lei
de Bases do Sistema Educativo)
estabelece o quadro geral do sistema educativo. Teoriza a sua organização, de
modo a contribuir para a defesa da identidade nacional e o reforço da
fidelidade à nossa matriz histórica pela consciencialização relativamente ao
património cultural do povo português. O sistema escolar subordina-se aos
propósitos educativos gerais, segundo três vectores: desenvolvimento global da
personalidade, progresso social e democratização da sociedade. O teor da LBSE consagra
forte componente estatal do sistema educativo, mas sujeita a tensão de sentido
dinâmico entre o desejo monopolizador da realização educativa por parte do
Estado e a sua atribuição mais repartida por outras entidades sociais.
É
da responsabilidade de um único Ministério a coordenação da política do sistema
educativo. Em consequência, toda a iniciativa e instituição que se integre no
sistema educativo fica sujeita à coordenação do Ministério da Educação (ME) e toda a educação, em todas as
instituições, em todo o território, é regulada pela ação político-governamental
mediada pelo ME. O sistema é único e uniforme para todo o território nacional.
Os princípios consagrados na LBSE são: os princípios gerais, os princípios
organizativos e os princípios específicos ou particulares. O conjunto dos princípios
gerais consagra: o direito à educação e à cultura; a democratização do ensino
traduzida numa justa e efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso
escolares; a liberdade de aprender e de ensinar; o desenvolvimento do espírito
democrático e pluralista, respeitador dos outros e suas ideias, aberto ao
diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com
espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem
na sua transformação progressiva.
A
LBSE procura definir um modelo de cidadão a ser educado, dando origem à
definição de correspondente modelo educativo. O cidadão deverá ser livre,
responsável, autónomo, solidário, possuidor dum espírito democrático e
pluralista, respeitador dos outros, das suas ideias e das suas culturas, aberto
ao diálogo e à livre troca de opiniões, crítico e criativo em relação ao meio
social, capaz duma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos,
morais e cívicos, possuidor de capacidade para o trabalho e para a vida ativa e,
ainda, para a utilização criativa dos tempos livres. Porém, a LBSE não define
claramente um modelo de sociedade em que o cidadão se integra. No entanto, não
só de um modelo de cidadão se pode inferir o modelo de sociedade. Há uma nítida
valorização do homem como elemento essencial e central da sociedade, sendo o
centro do processo educativo que é claramente explicitado na LBSE quando esta
se refere à valorização de dimensão humana do trabalho. Não se procura a
formação do indivíduo com vista à adequação ao trabalho, mas antes, este se
deve adequar à dimensão humana. A pari,
a LBSE consagra princípios com implicação direta no modelo organizativo: assegurar
a formação moral e cívica, bem como para o trabalho; descentralizar,
desconcentrar e diversificar as estruturas e ações educativas; desenvolver a participação
das populações nas ações educativas, nomeadamente, dos alunos, docentes e
famílias, na definição da política educativa, na administração e gestão do
sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana; promover a correção das
assimetrias regionais no atinente aos benefícios da educação, cultura e ciência;
assegurar a existência duma escolaridade de segunda oportunidade; e assegurar a
igualdade de oportunidade para ambos os sexos.
Mais
determina a LBSE que, ao nível do ensino básico, se assegure uma formação geral
comum a todos os portugueses, na qual sejam equilibradamente inter-relacionados.
A cultura escolar e a cultura do quotidiano devem ser a exemplificação deste
equilíbrio inter-relacionado.
Após
a LBSE, surgiu o Decreto-Lei n.º 43/89, de 3 de fevereiro, que, para
concretizar a autonomia da escola, exige o Projeto Educativo, constituído e
executado de forma participada, dentro dos princípios da responsabilização dos
vários intervenientes na vida escolar e adequação às caraterísticas e recursos
da Escola e às solicitações e apoios da comunidade em que se insere.
A
Escola, na sua caminhada autónoma, define uma linha de orientação fundamental
que norteie as múltiplas atividades que ocorrem no quotidiano. A Escola
aparece, assim, como organização enquanto entidade social complexa onde se
interrelacionam várias estruturas e múltiplos intervenientes: alunos, pessoal
docente, pessoal não docente, pais e comunidade em geral, contribuindo todos
para a mesma finalidade e missão. E o Projeto Educativo surge quando se
reconhece que a qualidade da formação escolar passa pelo envolvimento das
escolas e dos agentes educativos na configuração de ações adequadas à população
que as vão viver.
E
a pedagogia do projeto identifica-se com a própria especificidade do ser
humano: a criança, o adolescente, o adulto são seres em projeto e de projetos.
Uma dinâmica rica e saudável duma Escola passará, antes de mais, pelo
envolvimento de todos na inventariação dos problemas e na partilha de
responsabilidades para a sua resolução. E toda a dinâmica da Escola se espelha no
seu Projeto Educativo e no Plano Anual de Atividades e se revê na sua
concretização.
O
sistema prevê uma distribuição de competências entre os vários níveis de
administração da educação, pressupondo-se a possibilidade da liberdade de ação
no sentido da implementação de um modelo científico-pedagógico descentralizado,
passível de introduzir novas pedagogias, novas formas de ação e atuação
educativas, com remissão para a possibilidade da adoção de pedagogias como a
Waldorf nas escolas. Com efeito, a autonomia da escola constitui um fator
importante no desenvolvimento de iniciativas locais, uma vez que permite maior
liberdade no trabalho dos professores e na gestão de recursos.
Embora
a LBSE não defina em contornos claros um perfil de sociedade, não contradiz a
Constituição, segundo a qual a República Portuguesa se rege por princípios
éticos e é “baseada na dignidade da pessoa humana e que está empenhada na
construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.º
2.º), devendo a
educação, a que todos têm direito, contribuir para o progresso social e para a
participação democrática na vida coletiva” (cf art.º 73.º). A mesma Constituição, ao logo
do seu articulado, explicita diversos valores e/ou direitos, dos quais, pela
sua relevância na educação, se salientam: liberdade, justiça, paz, tolerância e
compreensão mútua, solidariedade, participação cívica, trabalho, família,
maternidade e paternidade, educação, saúde, património cultural, natureza e recursos
naturais. E, nessa linha de valores, a LBSE explicita que o desenvolvimento da
personalidade deve ser integral, contemplando os domínios cognitivo, afetivo,
estético, físico e motor, social e moral.
Em
síntese, o nosso ordenamento jurídico permite, através do regime de autonomia
das escolas, e da construção do seu projeto educativo, a implementação da
pedagogia Waldorf, sendo certo que persistem muitas e diversas resistências à
mudança.
***
A pedagogia Waldorf surgiu em 1919, em Estugarda, Alemanha, com o austríaco Rudolf Steiner, filósofo, educador, artista – um pensador que defendia que “o nosso mais elevado objetivo deve ser a promoção do desenvolvimento de seres humanos livres, aptos a dar por si próprios sentido e direção às suas vidas”. Trata-se de um método alternativo com mais de 700 escolas em todo o mundo que valorizam os trabalhos manuais, o contacto com a natureza, as experiências sensoriais, fazendo-o até à entrada no ensino superior (universitário ou politécnico).
Tudo começou numa escola para os filhos dos operários da
fábrica de cigarros Waldorf-Astória com ideais e métodos pouco comuns na época,
ainda hoje considerados alternativos. Steiner fora convidado para dar palestras
aos funcionários sobre educação e temas sociais. E os funcionários pensaram em
dar uma educação aos filhos com base nas ideias do palestrante.
Os planos não são fechados, nem estanques, nem formatados.
Estimula-se o ato de brincar, a livre descoberta, a imaginação. Nas salas de
aula, é possível amassar pão, modelar a cera das abelhas, costurar tecidos
coloridos, usar materiais naturais como conchas da praia, troncos de madeira,
cortiça... Há todo um processo de desenvolvimento neste percurso formativo que
reúne as vertentes científica, artística, estética. Parte-se da verificação de que a criança é um ser único e de que as experiências
sensoriais nos primeiros anos de vida são essenciais, pelo que não se contraria
a vitalidade dos mais novos, cuja criatividade e imaginação são importantes. E
respira-se natureza. Os sentidos e a liberdade, a ligação constante ao meio
natural, a alegria de viver e a curiosidade são pilares deste método que chegou
aqui em 1984. Nos primeiros anos de vida, é o desenvolvimento motor e sensorial
da criança que importa, não tanto os aspetos intelectuais e cognitivos.
Brincar, expressar, criar, descobrir, sem seguir planos traçados nas agendas
feitas por adultos. O ambiente educativo é construído para crescer sem amarras
e sem pressas.
Cada criança é um ser único, com a sua própria bagagem, que
dá e recebe, que aprende e ensina nessa descoberta do mundo, num crescimento
livre e em harmonia com a natureza, com tempo e espaço para aprender. É um
método que se preocupa com a alimentação e com o consumismo, investe em maior e
permanente ligação à natureza e pugna por criatividade, responsabilidade,
independência. Não há avaliação com números, há um relatório feito por todos os
professores no final do ano, valoriza-se o empenho, destaca-se o esforço.
Não há chumbos, há várias fases de desenvolvimento naturais e
salutares; e espera-se entreajuda no grupo/turma. Aprendem-se duas línguas
desde o primeiro ano, segue-se o currículo Waldorf com as disciplinas habituais
do ensino convencional, há disciplinas individuais, os livros dos primeiros
anos são feitos pelos alunos, os temas tornam-se mais complexos no secundário.
A essência nunca se perde para desabrochar competências inatas únicas nessa
caminhada da educação, da descoberta de cada um e do mundo. A autoconsciência,
a flexibilidade cognitiva, o espírito crítico, a capacidade para preservar a
própria identidade. Todas estas componentes interessam no percurso desta
pedagogia que cultiva competências para aprendizagens contínuas ao longo da
vida. E os pais são sempre peças fundamentais neste caminho.
A Pedagogia Waldorf parte duma visão antropológica do homem
como um conjunto harmónico que abrange três
dimensões: física, anímica e espiritual. Assim,
fundamenta as práticas educativas nos valores que desenvolvem o aluno de forma
integral, isto é, associando habilidades corporais, cognitivas e emocionais.
Influenciada pelas Ciências Sociais, os seus princípios estribam-se nos
ideais da Revolução Francesa: liberdade de pensar, igualdade de
deveres e direitos e fraternidade, no respeito mútuo.
Os ciclos de aprendizagem são divididos em
septénios: de 0 a 7 anos, maturidade escolar; de 7 a 14 anos, maturidade
sexual; e, de 14 a 21 anos, maturidade social. Mas sempre com os seguintes
parâmetros: desenvolvimento integral, educação para o futuro, cooperação,
respeito mútuo e interação com a natureza.
2021.11.02 – Louro de Carvalho
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