quinta-feira, 11 de novembro de 2021

“Sair” ao encontro da pobreza nas suas várias formas

A 5.ª edição do “Dia Mundial dos Pobres” será celebrada a 14 de novembro, iniciativa fortemente desejada por Francisco para exortar a Igreja e os fiéis a “sair” para encontrar a pobreza nas várias formas em que se manifesta hoje e estender a mão aos mais necessitados.

O lema para este ano vem do Evangelho de Marcos “Sempre tereis pobres entre vós(Mc 14,7) e foi divulgado, como vem sendo usual, na Mensagem do Santo Padre, no dia da festa de Santo António de Pádua ou de Lisboa, a 13 de junho, a partir de São João de Latrão.

Como habitualmente, o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Dicastério encarregado pelo Papa para promover o evento, organizou várias iniciativas de preparação para a celebração. Assim, a Sala de Imprensa da Santa Sé comunicou atempadamente a programação do Papa em Assis a 12 de novembro, para o encontro de oração e testemunho na terra natal de São Francisco. Serão cerca de 3 horas passadas com 500 pessoas em situação de pobreza de toda a Europa, um tempo curto, mas intenso, de escuta e oração.

À chegada, de helicóptero, para a visita considerada privada, às 9 horas da manhã, o Santo Padre será acolhido pelas Autoridades locais. Em seguida, os pobres presentes formarão um “abraço” ideal no átrio da Basílica de Santa Maria dos Anjos para lhe dar as boas-vindas e entregar-lhe simbolicamente o manto e o bastão do Peregrino, indicando que todos vieram como peregrinos aos lugares de São Francisco, para ouvir a sua palavra. De lá caminharão juntos em procissão em direção à Basílica. Ali, a princípio, Francisco, refazendo os gestos do Santo de Assis, fará uma pausa para rezar na Porciúncula, um dos lugares mais importantes da vida do frade, que naquela época gostava de acolher os seus confrades, os muitos pobres, e onde Santa Clara decidiu consagrar-se ao Senhor. No mesmo local, fará o gesto significativo de benzer uma pedra retirada previamente da Porciúncula para ser doada a alguns representantes do abrigo para os sem teto “Rosas de São Francisco” de Trsat (na Croácia), fundado em 2007 pela fraternidade local da Ordem Franciscana Secular de Trsat, na cidade de Rijeka.

Também na Basílica haverá um momento de escuta. Serão ouvidos os testemunhos de 6 pessoas pobres (dois franceses, um polaco, um espanhol e dois italianos) aos quais o Pontífice responderá. Depois, às 10,30 horas, haverá intervalo para oferecer um lanche aos presentes e, às 11 horas, o retorno à Basílica para o momento de oração e distribuição de presentes de Francisco aos pobres. Após as saudações, o Papa retornará ao Vaticano de helicóptero enquanto as 500 pessoas presentes serão recebidas para o almoço por Dom Domenico Sorrentino, Bispo de Assis. 

Este momento do Santo Padre com os pobres – explica o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização – prepara, juntamente com uma série de iniciativas, o Dia Mundial dos Pobres, a 14 de novembro, desejado por Francisco para exortar a Igreja e os fiéis a “sair” ao encontro da pobreza nos vários significados em que ela se manifesta no mundo atual e estender a mão aos mais necessitados, tendo como fio condutor o lema escolhido para este dia.

Os susoditos 500 pobres que se encontrarão o Papa são provenientes das dioceses da Úmbria, guiados pela Caritas, pela Associação francesa “Fratello” e por uma delegação proveniente de Roma formada pela Esmolaria Apostólica e pelas associações Caritas Diocese de Roma, Círculo São Pedro, Comunidade de Sant’ Egídio, Coordenação Regional da Família Vicentina, Centro Astalli, ACLI de Roma. E, no final do dia, serão doadas aos participantes 500 mochilas produzidas no âmbito do projeto “+Three”, que promove produtos feitos em conformidade com a sustentabilidade ambiental e económica, numa cadeia ética socialmente útil, cada uma contendo roupas doadas pela Tombolini, conhecida marca de roupas produzidas na Itália (blusões, cachecóis, chapéus e bonés, casacões e máscaras anticovid em tecido lavável e reutilizável).

Todo o evento poderá ser acompanhado ao vivo pelo circuito das mídias do Vaticano e será transmitido por algumas redes nacionais e internacionais.

***

No domingo, 14 de novembro, às 10 horas, o Papa Francisco presidirá à celebração da Eucaristia na Basílica de São Pedro, com a participação de 2.000 pobres, de acordo com as normas e cuidados de saúde, assistidos pelas várias associações de voluntários presentes na região de Roma. As leituras e as orações dos fiéis serão proclamadas por alguns pobres. No final da Celebração, serão distribuídas refeições quentes a todos os participantes.

Os bilhetes de participação na Celebração podem ser retirados na sede do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Via della Conciliazione 7, de 11 a 13 de novembro, das 8,30 horas às 13,30.

Este ano, Francisco quis dar atenção especial às Casas-família presentes no território da Diocese de Roma. São estruturas de acolhimento e até de disponibilização de residências a pessoas, principalmente adolescentes ou em tenra idade, com as suas mães, profundamente necessitadas dum lugar protegido para crescer, receber uma educação ou ter a possibilidade de começar uma nova vida através da integração gradual na sociedade.

Na região há um grande número de Casas-família de todos os tipos, que oferecem diversas modalidades de hospitalidade. E, porque, muitas vezes, são enormes as necessidades materiais para a administração dessas estruturas e nem sempre é possível corresponder apropriadamente às necessidades, a generosidade da rede de Supermercados Elite e o fornecimento de macarrão e molho de tomate do Antico Molino e Pastificio La Molisana, permitiram ajudar 40 Casas-família, entregando diretamente nas suas sedes, alimentos e produtos de higiene pessoal, especialmente produtos para a primeira infância, o suficiente para mais de dois meses. E um suprimento semelhante será entregue a algumas paróquias e organizações de caridade. No total, serão distribuídas cerca de 5 toneladas de macarrão, sendo uma tonelada de arroz, duas toneladas de molho de tomate, 1.000 litros de óleo e 3.000 litros de leite, só para citar alguns dos muitos produtos pedidos pelas várias estruturas que serão entregues por voluntários.

Outra iniciativa consistirá na entrega de 5 mil “kits” de artigos de saúde e cuidados pessoais a cerca de 60 paróquias de Roma, que os distribuirão pelas famílias mais necessitadas.

Devido às restrições por força da pandemia de covid-19, não foi possível, durante os últimos dois anos, a instalação do Centro de Saúde na Praça de São Pedro. A estrutura, um verdadeiro hospital móvel, forneceu várias consultas e serviços médicos para pessoas pobres, por meio de várias associações de voluntariado. Este ano, portanto, querendo dar um sinal de proximidade às pessoas que necessitam de alguma assistência médica e com o objetivo de dar continuidade às atividades de triagem e visitas à Praça de São Pedro, será realizada – como já sucedeu em anos passados – a iniciativa “Em busca do vírus”. Assim, estará presente na Praça de São Pedro durante o Dia Mundial dos Pobres, em dia 14 de novembro, uma unidade móvel equipada para realizar testes capazes de detetar a presença do vírus HCV (hepatite C) e do vírus HIV. O serviço estará disponível a partir do momento em que o Santo Padre concluir a recitação do Angelus, pouco depois das 12 horas, até às 18 horas.  Terão acesso aos serviços oferecidos todos os pobres que estiverem na Praça São Pedro. O projeto é executado com o apoio da sociedade Regia Congressi S.r.l. de Florença, da S.I.M.G. (Sociedade Italiana de Medicina Geral e Cuidados Primários), do Departamento de Doenças Infeciosas da Policlínica da Universidade de Roma Tor Vergata e do Corpo de Enfermeiras Voluntárias da Cruz Vermelha Italiana.

***

O dito do Senhor “Sempre tereis pobres entre vós” surge no contexto da indignação de Judas pelo facto de uma mulher ter entrado na casa de Simão, o leproso, onde Jesus estava com os discípulos para uma refeição, a derramar um vaso de alabastro cheio de perfume muito precioso sobre a cabeça de Jesus. Judas, que alvitrou, em nome dos Doze, que era preferível gastar o dinheiro do perfume com os pobres, fê-lo por ser ladrão, não por ser amigo dos pobres ou por os reconhecer. E, na mensagem referenciada supra, o Papa Francisco infere que a crítica saída da boca do traidor mostra como os discípulos, quando “não reconhecem os pobres”, “atraiçoam o ensinamento de Jesus” e estão a desdizer do discipulado.

Jesus, ao invés, sabendo da iminência da sua morte, viu ali “a antecipação da unção do seu corpo sem vida antes de ser depositado no sepulcro”, visão que ultrapassa as expectativas dos convivas. E diz o Papa que “Ele é o primeiro pobre, o mais pobre entre os pobres, porque os representa a todos”, sendo “em nome dos pobres, das pessoas abandonadas, marginalizadas e discriminadas que o Filho de Deus aceita o gesto daquela mulher”, a única que percebeu “o estado de espírito do Senhor”. E Francisco vai mais longe no significado da postura da mulher:

Esta mulher anónima – talvez por isso destinada a representar todo o universo feminino que, no decurso dos séculos, não terá voz e sofrerá violências – inaugura a significativa presença de mulheres que participam no momento culminante da vida de Cristo: a sua crucifixão, morte e sepultura e a sua aparição como Ressuscitado. As mulheres, tantas vezes discriminadas e mantidas ao largo dos postos de responsabilidade, nas páginas do Evangelho são, pelo contrário, protagonistas na história da revelação. E é eloquente a frase conclusiva de Jesus, que associa esta mulher à grande missão evangelizadora: ‘Em verdade vos digo: em qualquer parte do mundo onde for proclamado o Evangelho, há de contar-se também, em sua memória, o que ela fez’.”.

Esta empatia entre Jesus e a mulher e o modo como Ele interpreta a unção “inauguram um fecundo caminho de reflexão sobre o laço indivisível que existe entre Jesus, os pobres e o anúncio do Evangelho”, pois o Deus que Jesus Revela é “Pai para os pobres e próximo dos pobres”. E, como apregoa o Papa, “os pobres são verdadeiros evangelizadores”, porque foram os primeiros a ser evangelizados e chamados a partilhar a bem-aventurança e o Reino de Deus. Por isso, a nova evangelização é um convite “a reconhecer a força salvífica das suas vidas e a colocá-los no centro do caminho da Igreja”. E “o nosso compromisso não consiste apenas em ações ou programas de promoção e assistência”; antes, o que o Espírito põe em movimento não é o excesso de ativismo, mas a atenção prestada ao outro, atenção amiga que “é o início duma verdadeira preocupação pela sua pessoa e desejo de procurar efetivamente o seu bem”.

Francisco releva que “Jesus não só está do lado dos pobres, mas também partilha com eles a mesma sorte”, o que serve de “forte ensinamento para os seus discípulos de todos os tempos”. Com efeito, as palavras “sempre tereis pobres entre vós” pretendem indicar que a sua presença é constante, não devendo induzir a habituação da indiferença, mas empenhar numa partilha de vida que não prevê delegações. Os pobres são irmãos e irmãs cujo sofrimento se partilha para “lhes ser devolvida a dignidade perdida e garantida a necessária inclusão social”. Se um gesto de beneficência, como a esmola, é ocasional e “pressupõe um benfeitor e um beneficiado”, a partilha é duradoura e gera fraternidade. A esmola corre o risco de gratificar quem a dá e humilhar quem a recebe, enquanto a partilha “reforça a solidariedade e cria as premissas necessárias para se alcançar a justiça”. Por outro lado, a genuína atenção aos pobres constitui, na ótica de Francisco, a adesão convicta ao apelo do Senhor “Convertei-vos e acreditai no Evangelho(Mc 1,15), conversão que implica “abrir o nosso coração para reconhecer as múltiplas expressões de pobreza e, depois, manifestar o Reino de Deus através dum estilo de vida coerente com a fé que professamos”.

O Evangelho impele a uma particular atenção para com os pobres e requer que se reconheçam as múltiplas formas de desordem moral e social que geram novas formas de pobreza. Ganha terreno a conceção segundo a qual os pobres “são responsáveis pela sua condição” e constituem “um peso intolerável para um sistema económico que põe no centro o interesse dalgumas categorias privilegiadas”. A isto “veio juntar-se outra praga que multiplicou ainda mais o número dos pobres: a pandemia” – que, mesmo sem trazer sofrimento e morte, é portadora de pobreza, tendo os pobres aumentado desmesuradamente (e a tendência é de aumento exponencial).

Impõe-se, pois, no dizer do Papa, “uma abordagem diferente da pobreza” – um desafio que “os governos e as instituições mundiais precisam de perfilhar, com um modelo social clarividente, capaz de enfrentar as novas formas de pobreza que invadem o mundo e marcarão de maneira decisiva as próximas décadas”. E diz o Pontífice:

Com grande humildade, temos de confessar que muitas vezes não passamos de incompetentes a respeito dos pobres: fala-se deles em abstrato, fica-se pelas estatísticas e pensa-se sensibilizar com qualquer documentário. Ao contrário, a pobreza deveria incitar a uma projetação criativa, que permita fazer aumentar a liberdade efetiva de conseguir realizar a existência com as capacidades próprias de cada pessoa. (…) Servir eficazmente os pobres incita à ação e permite encontrar as formas mais adequadas para levantar e promover esta parte da humanidade, demasiadas vezes anónima e sem voz, mas que em si mesma traz impresso o rosto do Salvador que pede ajuda.”.

Sempre tereis pobres entre vós” é convite a não perder de vista a oportunidade para fazer o bem. Não se trata de “serenar a consciência dando qualquer esmola, mas de contrastar a cultura da indiferença e da injustiça com que se olha para os pobres”. Como dizia São João Crisóstomo, “quem é generoso não deve pedir contas do comportamento, mas somente melhorar a condição de pobreza e satisfazer a necessidade”, pois “o pobre só tem uma defesa: a sua pobreza e a condição de necessidade em que se encontra”.

É, por conseguinte, decisivo aumentar a sensibilidade para se compreenderem as exigências dos pobres, sempre em mutação por força das condições de vida. Nas áreas economicamente mais desenvolvidas do mundo, está-se menos predisposto hoje que no passado a confrontar-se com a pobreza. O estado de relativo bem-estar torna mais difícil aceitar sacrifícios e privações. Está-se pronto a tudo só para não ficar privado do que é fruto de fácil conquista. Assim, “cai-se em formas de rancor, nervosismo espasmódico, reivindicações que levam ao medo, à angústia e, nalguns casos, à violência”. Também estas são formas de pobreza, a quais não se pode deixar de olhar. A assistência imediata às necessidades dos pobres não deve impedir de ser clarividente para atuar com novos sinais do amor e da caridade cristã em resposta às novas pobrezas.

Por isso, o Papa deseja que o “Dia Mundial dos Pobres” se radique nas Igrejas locais e se abra ao movimento de evangelização que encontre os pobres onde eles estão, sem ficarmos à espera de que nos batam à porta, sem os contarmos, mas reconhecendo-os e abraçando-os.

2021.11.11 – Louro de Carvalho 

Sem comentários:

Enviar um comentário