segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Suspeitas de tráfico de pedras preciosas envolvem a elite do Exército

 

Novo escândalo para as Forças Armadas (FA) leva à mobilização de centenas de inspetores da Polícia Judiciária (PJ) que, neste dia 8 de novembro realizaram mais de 100 buscas no país – não só nos domicílios dos militares como também no Regimento de Comandos, na Carregueira (Sintra) e em escritórios de advogados – por suspeitas de tráfico de pedras preciosas como diamantes e ouro, que envolvem a elite do Exército.

De acordo com a TVI, foi dado cumprimento a 10 mandados de detenção para comandos e ex-comandos no âmbito deste “novo escândalo para as Forças Armadas”. E já foram detidos pelo menos 10 suspeitos, que foram conduzidos à  cadeia anexa à sede da PJ em Lisboa. Os militares terão de ficar no estabelecimento prisional de Tomar e os que, não sendo já militares, integrem a PSP e GNR ficarão em Évora no estabelecimento prisional que recebe detidos das forças de segurança. Só os civis deverão ficar na cadeia anexa à PJ de Lisboa. 

Em causa está o esquema em que os suspeitos usavam missões portuguesas, ao abrigo da ONU, na República Centro Africana (RCA) – nomeadamente a 6.ª FND (Força Nacional Destacada) –, para tráfico de diamantes, ouro e droga daquele país para a Europa, bem como para branqueamento de capitais através de criptomoedas e outras ações de associação criminosa. O tráfico era feito com recurso a aviões militares cuja carga não é fiscalizada. 

Os diamantes e ouro chegavam à Antuérpia e Bruxelas, sendo que os envolvidos tinham como contrapartida benefícios financeiros. 

Os detidos deverão ser presentes a primeiro interrogatório judicial no prazo de 48 horas. 

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Trata-se da “Operação Miríade” montada pela PJ, a qual, através de comunicado, confirma que está a investigar uma rede criminosa, com ligações internacionais, que se dedicava a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro, tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de capitais.

Sem mencionar nomes ou locais, a PJ, confirma que foram realizados “cem (100) mandados de busca, noventa e cinco (95) buscas domiciliárias e cinco (5) buscas não domiciliárias, visando a recolha de prova relacionada com as práticas criminosas, sob investigação, bem como ao cumprimento de dez (10)  mandados de detenção emitidos pelo DIAP”.

Segundo a TVI, a ação teve lugar em várias zonas do país, nomeadamente Lisboa, Funchal, Bragança, Porto de Mós, Entroncamento, Setúbal, Beja e Faro.

A operação em causa é dirigida pelo DIAP de Lisboa – 10.ª Secção, juntamente com várias unidade da Polícia Judiciária e, ainda, a Autoridade Tributária, juntamente com o Juiz de Instrução Criminal e Magistrados do Ministério Público. E a investigação, que contou com a participação de cerca 320 inspetores e peritos da PJ vai continuar.

Segundo refere a GNR em comunicado, foi detido pela PJ um guarda-provisório em formação, desde junho de 2021, no 44.º Curso de Formação de Guardas em Portalegre, o qual ingressou na formação proveniente das FA.

E, segundo fonte da PSP (Polícia de Segurança Pública) em declarações à Lusa, um elemento da PSP foi detido pela PJ por suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missão militar portuguesas. O polícia, que já esteve nas FA, estava ao serviço do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP.

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Sobre esta operação, o Ministro da Defesa Nacional revelou, neste dia 8, ter informado as Nações Unidas (ONU) em 2020 das suspeitas de tráfico que recaíam sobre alguns militares portugueses em missão na República Centro-Africana, garantindo que estes já não se encontravam naquele território. São dele estas declarações à agência Lusa:

Informei [a ONU] de que a denúncia tinha ocorrido, que o assunto tinha sido encaminhado para as nossas autoridades judiciais e que todos os elementos pertinentes tinham sido entregues para investigação judiciária. E também, naturalmente, que os militares sob suspeita já não estavam na RCA e que, portanto, podiam ter toda a confiança em relação às nossas Forças Armadas como sempre tiveram.”.

João Gomes Cravinho disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missões na RCA por militares portugueses em dezembro de 2019 pelo Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante António Silva Ribeiro, que lhe falou da intenção de comunicar à Polícia Judiciária Militar (PJM) os casos.

O governante disse ter informado a ONU da situação já “nos primeiros meses” de 2020 e garantiu que “aqueles cujos nomes tinham sido indicados como suspeitos já não regressaram à RCA em missões posteriores”, vincando que “os militares denunciados já não estavam na RCA na altura da denúncia”.

Questionado sobre a possível dimensão do caso, o Ministro adiantou que a informação que lhe foi dada em dezembro de 2019 “dizia respeito a dois militares” e sustentou:

Eu hoje vejo pelas notícias que houve 10 militares ou ex-militares que foram detidos, mas não tenho mais informação do que isso. Tudo indica que se trata de atividades assumidas a título individual por alguns militares e não por algo que tenha qualquer tipo de natureza sistémica. (…) E é isso que nos permite dizer que, embora não possamos garantir a plena integridade ética de cada individuo membro das FA, podemos garantir a integridade ética das FA como um conjunto que agiram exatamente de acordo com os procedimentos estabelecidos.”.

Gomes Cravinho indicou que, para já, estão em causa apenas suspeitas, apesar de considerar “profundamente lamentável” este tipo de alegações em relação a militares portugueses e frisou:

É muito importante também sublinhar que os procedimentos estabelecidos para lidar com este tipo de situação, com desvios de natureza criminal nas Forças Armadas, esses procedimentos foram entabulados de imediato, ou seja, tendo havido denúncias de irregularidades, essas denúncias foram imediatamente encaminhadas para a Polícia Judiciária Militar, que por sua vez fez o seu trabalho”.

O governante afirmou que a partir do momento em que um caso entra na PJM passa para uma “esfera inteiramente autónoma”, pelo que adiantou não ter “nenhuma informação sobre os procedimentos, as investigações que estão em curso trabalhadas com o Ministério Público e com a Polícia Judiciária”.

Cravinho salientou que as FA portuguesas têm desenvolvido um papel de “grande prestígio” na RCA e em várias outras missões, vincando que estas agiram “de forma exemplar ao encaminhar de imediato para as autoridades judiciais” o caso, o que demonstra que “qualquer desvio ao comportamento eticamente aceitável não será tolerado”.

Em comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares portugueses em missões na RCA podem ter sido utilizados como “correios no tráfego de diamantes”, adiantando que o caso foi reportado em 2019.

Para o EMGFA, “o que está em causa de momento é a possibilidade de alguns militares que participaram nas FND [Força Nacional Destacada], na RCA, terem sido utilizados como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes” e que “estes produtos foram alegadamente transportados nas aeronaves de regresso das FND a território nacional”.

Além da denúncia imediata, segundo a respetiva nota, o EMGFA “mandou reforçar os procedimentos de controlo e verificação à chegada dos militares das FND e respetivas cargas”.

De acordo com o EMGFA, “os inquéritos militares e respetivas consequências estão pendentes das investigações em curso, com o cuidado de não interferir neste processo, ainda em segredo de justiça”. E, “uma vez esclarecidas as responsabilidades, as FA tomarão as devidas medidas sendo absolutamente intransigentes com desvios aos valores e ética militar”, pois as FA “repudiam totalmente estes comportamentos contrários aos valores da Instituição Militar”.

Por sua vez, o Presidente da República alvitrou que era preciso saber se se trata de caso isolado ou se há um fenómeno sistémico, mas descartou o caso como labéu para as FA no seu todo.

Também Jorge Seguro Sanches, Secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, garantiu que, “logo que houve algumas suspeitas sobre esta situação, os órgãos próprios passaram a fazer essa investigação e este resultado está agora a funcionar”, mas referiu desconhecer dados mais específicos sobre a operação policial em curso.

Ao comentar a operação que visa militares por alegado envolvimento em tráfico de diamantes e ouro, afirmou que “as investigações são muito importantes” para a credibilidade das instituições militares e, em declarações aos jornalistas, na Marinha Grande (distrito de Leiria), sustentou:

“Como é evidente, vivendo nós num Estado de direito e existindo separação de poderes, estas questões devem ser investigadas de uma forma absolutamente clara, para defender o interesse público, e, portanto, desse ponto de vista, nós observamos com toda a atenção no Governo como é que estas investigações estão a ser feitas, porque elas são muito importantes, nomeadamente para mantermos com toda a credibilidade e com todo o bom-nome todas as instituições militares”.

Reconhecendo que, “por vezes, em todas as organizações, pode haver uma situação menos clara ou outra”, Sanches salientou que é “nessas situações que as autoridades devem investigar”.

O governante adiantou que, “neste âmbito, existe uma estrutura que é Polícia Judiciária Militar que, desde o início, está envolvida, precisamente na investigação destas situações”. E observou:

Aquilo que nós observamos é, com toda a tranquilidade, as instituições a funcionar, a esclarecer aquilo que têm de esclarecer e a atuar se for caso disso nesta situação”.

Questionado se esta situação afeta a imagem das FA e de Portugal, Seguro Sanches respondeu que “não afeta”, mas que, havendo alguma situação que deva ser esclarecida, ela tem de ser esclarecida”, pois, “se não fosse esclarecida, é que poderia afetar”. E acrescentou:

A perspetiva é esta, sempre que houver que atuar, devemos atuar e dessa forma, com certeza absoluta, que as instituições ficam salvaguardas. E por isso é que é tão importante que os órgãos num Estado de direito funcionem na medida em que o devam fazer.”.

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É óbvio que, apesar da enorme gravidade do ocorrido, não está em causa a probidade, a imagem ou o prestígio das FA Portuguesas no seu todo, a menos que viesse a provar-se que tenha havido ação organizada sob enquadramento militar. Na verdade, como em bom pano cai a nódoa, não se pode confundir a árvore com a floresta. No entanto, é imperativo que as suspeitas sejam investigadas e os prevaricadores tenham punição exemplar. Talvez aqui a justiça esteja a ser lenta como sói. O caso já vem de 2019, pelo menos; e, como estes casos têm impacto internacional, põem em causa a defesa e deslustram o caráter humanitário da missão militar, deveriam ter atempada atenção do sistema judiciário. Porém, não valendo atirar pedras, espera-se que os poderes políticos não tenham aqui um pretexto para ostracizar ainda mais as FA.

2021.11.08 – Louro de Carvalho

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