Novo
escândalo para as Forças Armadas (FA) leva à mobilização de centenas de inspetores da Polícia Judiciária (PJ) que, neste dia 8 de novembro realizaram mais de 100 buscas no país – não só nos domicílios dos militares
como também no Regimento de Comandos, na Carregueira (Sintra) e em escritórios de advogados – por suspeitas de
tráfico de pedras preciosas como diamantes e ouro, que envolvem a elite do Exército.
De acordo com
a TVI, foi dado cumprimento a 10 mandados de detenção para comandos e ex-comandos
no âmbito deste “novo escândalo
para as Forças Armadas”. E já foram detidos pelo menos 10 suspeitos, que foram conduzidos à cadeia
anexa à sede da PJ em Lisboa. Os militares terão de ficar no estabelecimento
prisional de Tomar e os que, não sendo já militares, integrem a PSP e GNR ficarão
em Évora no estabelecimento prisional que recebe detidos das forças de
segurança. Só os civis deverão ficar na cadeia anexa à PJ de Lisboa.
Em causa
está o esquema em que os suspeitos
usavam missões portuguesas, ao abrigo da ONU, na República Centro Africana (RCA) – nomeadamente a 6.ª FND (Força Nacional Destacada) –, para tráfico de
diamantes, ouro e droga daquele país para a Europa, bem como para branqueamento
de capitais através de criptomoedas e outras ações de associação criminosa. O tráfico era feito com recurso a aviões militares
cuja carga não é fiscalizada.
Os diamantes
e ouro chegavam à Antuérpia e Bruxelas, sendo que os envolvidos tinham como
contrapartida benefícios financeiros.
Os detidos
deverão ser presentes a primeiro interrogatório judicial no prazo de 48
horas.
***
Trata-se da “Operação Miríade” montada pela PJ, a qual, através de comunicado, confirma
que está a investigar uma rede criminosa, com ligações internacionais, que se
dedicava a obter proveitos ilícitos através de contrabando de diamantes e ouro,
tráfico de estupefacientes, contrafação e passagem de moeda falsa, acessos
ilegítimos e burlas informáticas, tendo por objetivo o branqueamento de
capitais.
Sem
mencionar nomes ou locais, a PJ, confirma que foram realizados “cem (100) mandados de busca, noventa e cinco (95) buscas domiciliárias e cinco (5) buscas não domiciliárias, visando a recolha de prova
relacionada com as práticas criminosas, sob investigação, bem como ao
cumprimento de dez (10)
mandados de detenção emitidos pelo DIAP”.
Segundo a
TVI, a ação teve lugar em várias zonas do país, nomeadamente Lisboa, Funchal, Bragança, Porto de Mós,
Entroncamento, Setúbal, Beja e Faro.
A operação
em causa é dirigida pelo DIAP de Lisboa – 10.ª Secção, juntamente com várias
unidade da Polícia Judiciária e, ainda, a Autoridade Tributária, juntamente com
o Juiz de Instrução Criminal e Magistrados do Ministério Público. E a
investigação, que contou com a participação de cerca 320 inspetores e
peritos da PJ vai continuar.
Segundo
refere a GNR em comunicado, foi detido pela PJ um guarda-provisório em formação,
desde junho de 2021, no 44.º Curso de Formação de Guardas em Portalegre, o qual
ingressou na formação proveniente das FA.
E, segundo fonte da PSP (Polícia de Segurança Pública) em declarações à Lusa, um elemento da PSP foi detido pela
PJ por suspeitas de tráfico de diamantes e ouro em missão militar portuguesas.
O polícia, que já esteve nas FA, estava ao serviço
do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP.
***
Sobre
esta operação, o Ministro da Defesa Nacional revelou, neste dia 8, ter informado as Nações Unidas (ONU) em 2020 das suspeitas de tráfico que recaíam sobre
alguns militares portugueses em missão na República Centro-Africana, garantindo
que estes já não se encontravam naquele território. São dele estas declarações
à agência Lusa:
“Informei [a ONU] de que a denúncia
tinha ocorrido, que o assunto tinha sido encaminhado para as nossas autoridades
judiciais e que todos os elementos pertinentes tinham sido entregues para
investigação judiciária. E também, naturalmente, que os militares sob suspeita
já não estavam na RCA e que, portanto, podiam ter toda a confiança em relação
às nossas Forças Armadas como sempre tiveram.”.
João Gomes
Cravinho disse ter sido informado sobre as suspeitas de tráfico de diamantes e
ouro em missões na RCA por militares portugueses em dezembro de 2019 pelo Chefe
do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), almirante António Silva Ribeiro, que lhe falou da
intenção de comunicar à Polícia Judiciária Militar (PJM) os casos.
O governante
disse ter informado a ONU da situação já “nos primeiros meses” de 2020 e
garantiu que “aqueles cujos nomes tinham sido indicados como suspeitos já não
regressaram à RCA em missões posteriores”, vincando que “os militares
denunciados já não estavam na RCA na altura da denúncia”.
Questionado
sobre a possível dimensão do caso, o Ministro adiantou que a informação que lhe
foi dada em dezembro de 2019 “dizia respeito a dois militares” e sustentou:
“Eu hoje vejo pelas notícias que
houve 10 militares ou ex-militares que foram detidos, mas não tenho mais
informação do que isso. Tudo indica que se trata de atividades assumidas a
título individual por alguns militares e não por algo que tenha qualquer tipo
de natureza sistémica. (…) E é isso que nos permite dizer que, embora não
possamos garantir a plena integridade ética de cada individuo membro das FA,
podemos garantir a integridade ética das FA como um conjunto que agiram
exatamente de acordo com os procedimentos estabelecidos.”.
Gomes
Cravinho indicou que, para já, estão em causa apenas suspeitas, apesar de
considerar “profundamente lamentável” este tipo de alegações em relação a
militares portugueses e frisou:
“É muito importante também sublinhar
que os procedimentos estabelecidos para lidar com este tipo de situação, com
desvios de natureza criminal nas Forças Armadas, esses procedimentos foram
entabulados de imediato, ou seja, tendo havido denúncias de irregularidades,
essas denúncias foram imediatamente encaminhadas para a Polícia Judiciária
Militar, que por sua vez fez o seu trabalho”.
O governante
afirmou que a partir do momento em que um caso entra na PJM passa para uma
“esfera inteiramente autónoma”, pelo que adiantou não ter “nenhuma informação
sobre os procedimentos, as investigações que estão em curso trabalhadas com o
Ministério Público e com a Polícia Judiciária”.
Cravinho
salientou que as FA portuguesas têm desenvolvido um papel de “grande prestígio”
na RCA e em várias outras missões, vincando que estas agiram “de forma exemplar
ao encaminhar de imediato para as autoridades judiciais” o caso, o que
demonstra que “qualquer desvio ao comportamento eticamente aceitável não será
tolerado”.
Em
comunicado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) revelou que alguns militares portugueses em missões
na RCA podem ter sido utilizados como “correios no tráfego de diamantes”,
adiantando que o caso foi reportado em 2019.
Para o
EMGFA, “o que está em causa de momento é a possibilidade de alguns militares
que participaram nas FND [Força Nacional Destacada], na RCA, terem sido utilizados como correios no
tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes” e que “estes produtos foram
alegadamente transportados nas aeronaves de regresso das FND a território
nacional”.
Além da denúncia
imediata, segundo a respetiva nota, o EMGFA “mandou reforçar os procedimentos de controlo e verificação à
chegada dos militares das FND e respetivas cargas”.
De acordo
com o EMGFA, “os inquéritos militares e respetivas consequências estão
pendentes das investigações em curso, com o cuidado de não interferir neste
processo, ainda em segredo de justiça”. E, “uma vez
esclarecidas as responsabilidades, as FA tomarão as devidas medidas sendo
absolutamente intransigentes com desvios aos valores e ética militar”, pois as
FA “repudiam totalmente estes comportamentos contrários aos valores da
Instituição Militar”.
Por sua vez,
o Presidente da República alvitrou que era preciso saber se se trata de caso
isolado ou se há um fenómeno sistémico, mas descartou o caso como labéu para as
FA no seu todo.
Também Jorge Seguro Sanches, Secretário
de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, garantiu que, “logo que houve algumas
suspeitas sobre esta situação, os órgãos próprios passaram a fazer essa
investigação e este resultado está agora a funcionar”, mas referiu desconhecer
dados mais específicos sobre a operação policial em curso.
Ao
comentar a operação que visa militares por alegado envolvimento em tráfico de
diamantes e ouro, afirmou que “as investigações são muito importantes” para a
credibilidade das instituições militares e, em declarações aos jornalistas, na
Marinha Grande (distrito de Leiria), sustentou:
“Como
é evidente, vivendo nós num Estado de direito e existindo separação de poderes,
estas questões devem ser investigadas de uma forma absolutamente clara, para
defender o interesse público,
e, portanto, desse ponto de vista, nós observamos com toda a atenção no Governo
como é que estas investigações estão a ser feitas, porque elas são muito
importantes, nomeadamente para mantermos com toda a credibilidade e com todo o
bom-nome todas as instituições militares”.
Reconhecendo
que, “por vezes, em todas as organizações, pode haver uma situação menos clara
ou outra”, Sanches salientou que é “nessas situações que as autoridades devem
investigar”.
O
governante adiantou que, “neste âmbito, existe uma estrutura que é Polícia
Judiciária Militar que, desde o início, está envolvida, precisamente na
investigação destas situações”. E observou:
“Aquilo que
nós observamos é, com toda a tranquilidade, as instituições a funcionar, a
esclarecer aquilo que têm de esclarecer e a atuar se for caso disso nesta
situação”.
Questionado
se esta situação afeta a imagem das FA e de Portugal, Seguro Sanches respondeu
que “não afeta”, mas que, havendo alguma situação que deva ser esclarecida, ela
tem de ser esclarecida”, pois, “se não fosse esclarecida, é que poderia afetar”.
E acrescentou:
“A perspetiva
é esta, sempre que houver que atuar, devemos atuar e dessa forma, com certeza
absoluta, que as instituições ficam salvaguardas. E por isso é que é tão importante
que os órgãos num Estado de direito funcionem na medida em que o devam fazer.”.
***
É
óbvio que, apesar da enorme gravidade do ocorrido, não está em causa a
probidade, a imagem ou o prestígio das FA Portuguesas no seu todo, a menos que
viesse a provar-se que tenha havido ação organizada sob enquadramento militar. Na
verdade, como em bom pano cai a nódoa, não se pode confundir a árvore com a
floresta. No entanto, é imperativo que as suspeitas sejam investigadas e os
prevaricadores tenham punição exemplar. Talvez aqui a justiça esteja a ser
lenta como sói. O caso já vem de 2019, pelo menos; e, como estes casos têm impacto
internacional, põem em causa a defesa e deslustram o caráter humanitário da
missão militar, deveriam ter atempada atenção do sistema judiciário. Porém, não
valendo atirar pedras, espera-se que os poderes políticos não tenham aqui um pretexto
para ostracizar ainda mais as FA.
2021.11.08 – Louro de Carvalho
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