sexta-feira, 26 de novembro de 2021

País novamente em calamidade e com limitação de contactos

 

Depois de na semana passada se terem voltado a reunir políticos e especialistas no Infarmed e esta semana Costa ter recebido os partidos com assento parlamentar em São Bento, o Conselho de Ministros reuniu-se neste dia 25 de novembro, vindo depois o Primeiro-Ministro anunciar que, entre outras medidas, passa a ser obrigatório o certificado digital para entrar em restaurantes, alojamentos, eventos e ginásios, bem como a apresentação de teste negativo para entrar em Portugal Por fronteiras aéreas, terrestres e fluviais.

Com o objetivo de mitigar o crescente aumento de casos de covid-19, a obrigatoriedade de máscaras em espaços fechados e de testes negativos à covid-19 e certificado digital em recintos desportivos, bares, discotecas, grandes eventos e a implementação de uma semana de contenção de contactos entre 2 e 9 de janeiro de 2022 foram as principais medidas ora anunciadas por Costa. E, para enquadrar tais medidas, em Portugal vai ser declarado o estado de calamidade pública (o grau maior de risco nos termos da Lei de Bases da Proteção Civil) a vigorar a partir de 1 de dezembro. Paralelamente, o certificado digital volta a ser obrigatório no acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, assim como à entrada de ginásios e eventos com lugares marcados. E para acesso a lares, estabelecimentos de saúde e grandes eventos culturais ou desportivos passa a exigir a apresentação de teste de deteção do vírus SARS-CoV-2 com resultado negativo, mesmo para pessoas vacinadas contra a covid-19.

Na semana de contenção de contactos, no início do próximo ano, creches e escolas estarão encerradas, assim como bares e discotecas, enquanto o teletrabalho será obrigatório.

Em termos de controlo das fronteiras, o Primeiro-Ministro anunciou que será obrigatório o teste negativo em todos os voos que cheguem a Portugal, incorrendo em multas de 20 mil euros por pessoa as companhias aéreas que transportem passageiros sem teste negativo à covid-19.

Recorde-se que a Lei de Bases da Proteção Civil, aprovada pela Lei n.º 27/2006, de 3 de julho, e cuja última alteração foi introduzida pela Lei n.º 80/2015, de 3 de agosto, estabelece, no seu art.º 8.º, que, “sem prejuízo do caráter permanente da atividade de proteção civil, os órgãos competentes podem, consoante a natureza dos acontecimentos a prevenir ou a enfrentar e a gravidade e extensão dos seus efeitos atuais ou expectáveis: declarar a situação de alerta; declarar a situação de contingência; declarar a situação de calamidade”. Tais atos “correspondem ao reconhecimento da adoção de medidas adequadas e proporcionais à necessidade de enfrentar graus crescentes de risco”, sendo que “a declaração de situação de contingência ou de situação de calamidade pressupõe, numa lógica de subsidiariedade, a existência prévia dos atos correspondentes aos patamares precedentes, salvo na ocorrência de fenómenos cuja gravidade e extensão justifiquem e determinem a declaração imediata de um dos patamares superiores”. Por outro lado, “a declaração de situação de alerta, de situação de contingência e de situação de calamidade pode reportar-se a qualquer parcela do território, adotando um âmbito inframunicipal, municipal, supramunicipal, regional ou nacional”.
A explicar as medidas tomadas e que serão objeto de Resolução do Conselho de Ministros a publicar entretanto, o Primeiro-Ministro, na conferência de imprensa, tinha subjacente o texto duma brochura adrede preparada para a sessão deste dia 25 intitulada “Controlar a Pandemia”, com o subtítulo “Graças ao sucesso da vacinação, estamos melhor do que outros países” e tendo como pano de fundo as três medidas basilares do ataque à pandemia: respeito pelo distanciamento físico, uso de máscara e higienização das mãos. Dá-nos o estado de vacinação na Europa estando Portugal com a percentagem maior de população vacinada; espelha a relação da percentagem da população vacinada com o número de internados por milhão de habitantes nos diversos países da Europa (informação em falta da parte de alguns países), com internamentos em UCI e com óbitos, ficando Portugal relativamente bem colocado. Também se regista que o número de casos diários de infetados internados, de internados em UCI e de óbitos é bastante mais baixo em 25 de novembro de 2021 que no dia homólogo de 2020.

Apesar de tudo, os números sobem nos últimos tempos, pelo que é essencial a prossecução da campanha da vacinação. Assim, há que proceder ao reforço das estruturas de vacinação contra a covid-19. Por isso, até 19 de dezembro, têm de ser vacinadas: as pessoas maiores de 65 anos elegíveis, ou seja, com vacinação completa há mais de 150 dias, incluindo os recuperados; e as pessoas maiores de 50 anos que foram vacinadas com Janssen. Não obstante o sucesso da vacinação, entrámos em fase de maior risco; cresce a pandemia no resto da Europa, aproxima-se o inverno e avizinha-se uma época de convívios familiares e festivos. Em Portugal, a situação está a agravar-se, com a incidência no Contente em 251,3 e o R(t) em 1,20. Ao mesmo tempo, nos últimos 14 dias, o número internados subiu de 375 para 691, o de internados em UCI subiu de 65 para 103 e o de óbitos subiu de 9 para 15 (chegou a ter 18, como chegou a ter 2).

Portanto, há que tomar medidas preventivas, que evitem o alastramento da doença.

Assim, em termos gerais, recomenda-se a testagem geral e o teletrabalho.

Como medidas novas para o momento, será declarada a situação de calamidade para vigorar a partir de 1 de dezembro; será obrigatória a máscara em espaços fechados e todos os recintos não excecionados pela DGS; o certificado digital será obrigatório no acesso a restaurantes, estabelecimentos turísticos e alojamento local, eventos com lugares marcados e ginásios; é obrigatório, mesmo para vacinados, o teste negativo no acesso a visita a lares, a visitas a pacientes internados em estabelecimentos de saúde, a grandes eventos sem lugares marcados ou em recintos improvisados e recintos desportivos e a discotecas e bares; em relação à política fronteiriça, determina-se que é obrigatório exibir teste negativo para todos os voos que cheguem a Portugal, sendo previstas fortes sanções para as companhias de aviação. Em relação à semana de contenção de contactos (de 2 a 9 de janeiro), fica estabelecido que as aulas recomeçarão apenas a 10 de janeiro, que é obrigatório o teletrabalho e que encerram as discotecas; e, quanto às vacinas contra a Covid-19 para crianças entre cinco e 11 anos, a que a EMA e o ECDC deram luz verde, caso a inoculação venha a ter o aval da comissão técnica de vacinação portuguesa, chegarão a Portugal a partir de 20 de dezembro, para o que as estruturas estarão efetivamente preparadas.

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O PS, para que a obrigatoriedade do uso de máscara na rua decretada pelo Governo não esbarre com as usuais objeções de inconstitucionalidade, propôs ao Parlamento um projeto de lei que dê ao Executivo a possibilidade de a decretar – projeto que deseja ver aprovado no dia 26.

O presidente do CDS-PP reagiu às medidas de combate à pandemia reveladas pelo Primeiro-Ministro, frisando as demissões dos profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde:

Parece-me que o Governo, com esta campanha de medo, de terror, que ninguém compreende, com esta histeria que os dados não permitem concluir, está a fazer algo que é muito preocupante: a desviar atenções do que é essencial”.

Vincou a “forma exemplar” como decorreu o processo de vacinação no país, “graças à extraordinária adesão dos portugueses” e disse que “a situação pandémica, por aquilo que nos é facultado, pelos dados objetivos, está manifestamente controlada, pelo que nós não encontramos razões para que o Governo não trate os portugueses como adultos responsáveis, capazes de adotar os comportamentos seguros nesta altura”. Recordando que António Costa “em julho” disse que, “logo que atingíssemos a imunidade de grupo, haveria uma libertação total da nossa sociedade”, mas agora afirma que “não podíamos viver à sombra da vacinação”, o que “é um péssimo estímulo que está a dar aos portugueses”. Já sobre a vacinação, frisou que continuamos a aposta nesta como a “cláusula de salvaguarda que nos permite ter uma vida em liberdade”.

Rodrigues dos Santos considerou que as medidas para travar a covid-19 ora dadas a conhecer “vão afetar a economia”, uma vez que “implicam, desde logo, sobre o consumo, um conjunto de comportamentos que restringem o acesso, por exemplo, à restauração, aos bares, às discotecas, e à vida normal das famílias, como nas escolas”. E, quanto à “semana de contenção”, foi taxativo:

Existirão encerramentos que penalizarão, essencialmente, os setores estratégicos da nossa economia que foram mais penalizados desde que a pandemia viu os primeiros dias e que o Governo começou a adotar medidas musculadas”. 

Enquanto os donos das discotecas concordam com o seu encerramento entre 2 e 9 de janeiro e com a máscara para dançar, pois receavam que o Governo viesse a decretar o seu encerramento na passagem de ano, os patrões criticam as medidas como excessivas e desproporcionadas.

Assim, Armindo Monteiro, um dos vice-presidentes da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), considerando o teletrabalho medida “desproporcional” em relação ao objetivo e referindo que estão a ser “expiados os pecados do que aconteceu no Natal do ano passado”, disse à Lusa:

Não posso ignorar que estamos com muitos casos e eles cresceram de forma exponencial, mas também não podemos ignorar que somos dos países mais vacinados e, por isso, a CIP não pode concordar com esta medida”.

E, salientando que há um “cuidado que parece excessivo”, já que há um ano não havia “o nível de vacinação que há hoje e que impede a doença grave e muito grave”, sustenta que deveria “haver uma correspondência entre o custo e o objetivo da medida” e que não há.

Por sua vez, Luís Miguel Ribeiro, presidente da AEP (Associação Empresarial de Portugal), disse que as novas medidas, aprovadas pelo Governo para conter a pandemia são “motivo de preocupação acrescida” e que podem afetar o consumo no Natal. Apontando que a escola só vai começar “a partir de 10 de janeiro e quem tiver filhos mais novos terá de tomar conta deles”, referiu que “as novas medidas exigem que haja alguma clarificação relativamente à sua aplicação e aos setores de atividade” a que são dirigidas. E, acerca do teletrabalho, diz que “é preciso perceber de que forma e em que setores será aplicado”.

Sublinhando, no âmbito do “impacto emocional”, que havia uma sensação “de que teríamos ultrapassado isto e afinal temos aqui um desafio pela frente”, apontou que “vamos ainda ver o impacto que isto terá no comportamento dos consumidores, no Natal, nas compras, na predisposição das pessoas para viver este período de festa, bem como “no facto de não podermos ter uma passagem de ano em condições normais”.

E, recordando que está em processo de montagem a feira EMAF, na Exponor, de máquinas, equipamentos e robótica, que contava com um cenário e que terá de ter ajustamentos”, diz perceber que “estamos a acautelar uma situação, tendo em conta o que aconteceu no ano passado”, mas salientou que “é sempre motivo de preocupação acrescida”.

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Portugal será o primeiro país da UE a pedir testes a todos os que entram no país, mesmo que vacinados. Isto contraria a recomendação da Comissão Europeia e esbarra no princípio do Certificado Digital Covid – aprovado na presidência portuguesa da UE para facilitar a livre circulação entre os 27. Ao meio dia, a Comissão Europeia recomendava que quem tivesse Certificado Digital Covid não fosse alvo de restrições adicionais às viagens, fosse qual fosse o ponto de partida dentro da UE. Mas, a meio da tarde, Costa anunciava a imposição de testes para todos os que viajam para Portugal. O anúncio é uma inflexão de rumo: o país que lidera as mais altas taxas de vacinação da UE poderá ser o primeiro a exigir, dum modo geral e por princípio, testes a todos os viajantes vacinados na UE. A Áustria, que está em confinamento total e sem viagens turísticas até 13 de dezembro, continua a permitir a entrada a partir de outros países europeus a quem tiver o Certificado Covid de vacinação e recuperação.

A 14 de junho, Costa voou para Bruxelas para a Cimeira da NATO e para assinar o regulamento que criou o Certificado Digital Covid-19. Era uma das bandeiras da presidência portuguesa da UE, que sempre considerou uma vitória a negociação, em tempo recorde, entre os 27, para ter o sistema a funcionar a um de julho e a tempo do verão.

Então, nas palavras do Primeiro-Ministro, o certificado era “um passo importante” para “viajar em segurança” e uma “ferramenta inclusiva”, por abranger quem recuperou da Covid-19, testou negativo ou foi vacinado. Agora, o Certificado, concebido para facilitar o regresso à livre circulação, arrisca deixar de ser útil a quem quiser viajar para Portugal nos próximos tempos. Aliás, o objetivo do certificado era a utilização nas viagens entre países e só isso está regulado a nível da UE. A aplicação em restaurantes, ginásios e afins é uma deriva nacional posterior.

Ao avançar com novas recomendações de viagens, a Comissão Europeia tentou evitar que o Certificado Digital perdesse o sentido, evitando também o caos e a divergência de medidas restritivas entre Estados-Membros. Mas poderá não ser bem-sucedida, sendo que estas recomendações têm ainda de ser aprovadas pelos 27 Estados-membros, no Conselho.

Nas propostas ora divulgadas, Bruxelas defende que o foco deve estar nas “pessoas”. Quer viessem de país no vermelho, no verde ou no laranja, deveriam poder circular mostrando o Certificado Digital Covid, sem passar por testes adicionais ou quarentenas. A exceção seriam os não vacinados ou os não recuperados que quisessem viajar a partir das zonas vermelho-escuro, caso em que teriam de fazer teste antes e quarentena à chegada.

A recomendação prevê regras adaptadas aos mais novos. Se os que têm mais de 12 anos devem seguir as regras dos adultos, os menores de seis devem poder viajar sem restrições. Entre os 6 e os 12, também não devem fazer teste, a não ser que venham de país europeu a vermelho-escuro. Nesse caso ou apresentam Certificado Covid ou teste negativo.

As recomendações da Comissão, porque recomendações, mesmo que aprovadas pelos 27, não impedem Estados cada um de controla as próprias fronteiras de acordo com as regras nacionais. No entanto, a Comissão vai analisar as medidas portuguesas atinentes à matéria.

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Os críticos têm razão quando falam nas repercussões das medidas na economia. Não estou tão seguro que a tenham quando falam na segurança adveniente da vacinação ou do comportamento responsável dos cidadãos, nomeadamente os mais novos e mesmo os ligados à liderança dos movimentos públicos. Por seu turno, o Governo, que advertiu que podiam ser retomadas as restrições, quer, ouvidos os especialistas e os partidos, atacar a pandemia e criar condições para uma campanha eleitoral tranquila em termos sanitários, colhida que foi a experiência das últimas eleições presidenciais.     

2021.11.25 – Louro de Carvalho

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