terça-feira, 23 de novembro de 2021

Reorganização do “Ticão” publicada em Diário da República

Acaba de ser publicada, em Diário da República, a lei que reorganiza o TCIC (Tribunal Central de Instrução Criminal), vulgarmente conhecido por “Ticão”, que entra em vigor a 4 de janeiro e vai absorver juízes, funcionários e competências do JIC (Juízo de Instrução Criminal) de Lisboa.
A integração do JIC de Lisboa no TCIC traduzir-se-á no aumento dos atuais 2 juízes de instrução – Carlos Alexandre e Ivo Rosa – para 9, com a passagem dos 7 magistrados de Lisboa para a instância central de instrução.
Foi também alargado o leque de competências para instrução criminal do TCIC, ao passar a incluir os crimes de recebimento indevido de vantagem e tráfico de influência, bem como de prevaricação punível com pena superior a dois anos.
Segundo o atual diploma – Lei n.º 77/2021, de 23 de novembro , cabe ao TCIC a atividade criminosa, relativamente aos crimes que já constavam na lei, que venha a ocorrer na área de competência do Tribunal da Relação de Lisboa, um dos 5 tribunais da Relação do país.
Quanto à transição, os processos pendentes no JIC de Lisboa passam para o TCIC sem deixarem de continuar “na titularidade dos juízes que neste tribunal sejam colocados”, não havendo lugar à redistribuição dos processos que, à data da entrada em vigor da lei, já lhes estejam atribuídos. A mesma medida é adotada face aos processos pendentes no TCIC, que continuam sob a alçada de Ivo Rosa e Carlos Alexandre.
A entrada em vigor está prevista para 4 de janeiro de 2022, com exceção do artigo 6.º, que determina a adoção das providências necessárias para a execução da lei por parte do CSM (Conselho Superior da Magistratura), do CSMP (Conselho Superior do Ministério Público) e da DGAJ (Direção-Geral da Administração da Justiça), disposição essa que entra em vigor no dia seguinte à publicação da lei.
A mudança na Lei da Organização do Sistema Judiciário, ora aprovada pela Lei n.º 77/2021, de 23 de novembro, que altera a Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, a qual estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais, foi proposta pelo Governo e aprovada na generalidade pela Assembleia da República (AR) em julho, seguindo depois para discussão na especialidade em sede da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, e teve a aprovação final global a 15 de outubro passado.
Na votação final global na AR, a proposta de lei do Governo não teve votos contra, mas PSD, Bloco, CDS, PAN, Chega, IL e a deputada Cristina Rodrigues abstiveram-se. PS, PCP, PEV e a deputada Joacine Katar Moreira votaram a favor.
Na discussão do diploma na especialidade, o PSD propôs que o TCIC fosse “desdobrado” em dois tribunais centrais, um a Norte (no Porto) e outro a Sul (em Lisboa), e que lhe fossem alocadas uma série de novas competências que incluíam, por exemplo, o tráfico internacional de estupefacientes e armas, o tráfico de pessoas e associação criminosa, financiamento de terrorismo. Mas essas propostas foram chumbadas pelos votos contra do PS e PCP. Entretanto, os socialdemocratas conseguiram que fosse incluído um ligeiro reforço de competências do TCIC, com os crimes de recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência e prevaricação punível com pena superior a dois anos, a par dos já existentes de corrupção, peculato e participação económica em negócio.
Por seu turno, o Presidente da República promulgou, a 13 de novembro, o decreto da AR sobre o regime de organização e funcionamento dos tribunais judiciais que, dando origem à lei em referência, funde o TCIC que trata dos megaprocessos de criminalidade económico-financeira com o JIC de Lisboa, assumindo-se apenas a designação do primeiro – o que mereceu crítica da parte de Ivo Rosa, aduzindo que a opção acaba com a especialização dos juízes na criminalidade económico-financeira e menoriza o papel do juiz de instrução criminal. O diploma entra em vigor a 4 de Janeiro, aquando da reabertura dos tribunais após as férias judiciais de Natal, tendo o TCIC já a composição de 9 juízes, depois de absorver o JIC de Lisboa.
Com esta medida ora promulgada por Marcelo Rebelo de Sousa, para lá dos atuais dois juízes de instrução (Carlos Alexandre e Ivo Rosa que se encontram afetos ao TCIC), os grandes processos poderão ser atribuídos a outros sete juízes que pertencem atualmente ao TIC (Tribunal de Instrução Criminal) de Lisboa, levando a que sejam despachados com maior celeridade e evitando incertezas sobre distribuição de processos e personalização da interpretação judicial – acusações que têm vindo a ser cada vez mais frequentes nos últimos anos e que suscitaram vários incidentes processuais.
Em conferência por vídeo sobre temas de direito e processo penal, Ivo Rosa, como se disse, criticou esta alteração da organização judiciária alegando que isso “põe fim à especialização” dos juízes que compõem o tribunal – tanto irão “tratar de criminalidade organizada económico-financeira como daí a bocadinho estarão a tratar de violência doméstica, de um interrogatório de um indivíduo em flagrante delito por furto de telemóvel ou de injúria ou difamação” –, o que põe em risco o combate contra a criminalidade complexa, e lamentou a menorização do papel do juiz de instrução criminal.
A presente lei altera a Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e o Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, que estabelece o regime aplicável à organização e funcionamento dos tribunais judiciais.
Nos termos do art.º 2.º da nova lei, os artigos 116.º e 120.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, passam a ter nova redação.
Assim, a teor do art.º 116.º, “o tribunal central de instrução criminal tem competência definida nos termos dos n.os 1, 2 e 5 do artigo 120.º.
Por sua vez, o art.º 120.º, que define “casos especiais de competência”, estabelece:
1 – A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior (proceder à instrução criminal, decidir quanto à pronúncia e exercer as funções jurisdicionais relativas ao inquérito, salvo nas situações previstas na lei, em que as funções jurisdicionais relativas ao inquérito podem ser exercidas pelas secções de competência genérica da instância local), quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas pertencentes à área de competência de diferentes tribunais da Relação, cabe ao tribunal central de instrução criminal, quanto aos seguintes crimes: a) contra a paz e a humanidade; b) organização terrorista e terrorismo; c) contra a segurança do Estado, com exceção dos crimes eleitorais; d) tráfico de estupefacientes, substâncias psicotrópicas e precursores, salvo tratando-se de situações de distribuição direta ao consumidor, e associação criminosa para o tráfico; e) branqueamento de capitais; f) corrupção, peculato, recebimento indevido de vantagem, tráfico de influência, participação económica em negócio, bem como de prevaricação punível com pena superior a 2 anos; g) insolvência dolosa; h) administração danosa em unidade económica do setor público; i) fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito; j) infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada, nomeadamente com recurso à tecnologia informática; k) infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional.
2 – Cabe ainda ao tribunal central de instrução criminal: a) a competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quando a atividade criminosa ocorrer no município de Lisboa; b) a competência relativamente aos crimes a que se refere o número anterior, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do Tribunal da Relação de Lisboa.
3 – Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, a competência dos juízos de instrução criminal da sede dos tribunais da Relação abrange a respetiva área de competência relativamente aos crimes a que se refere o n.º 1, quando a atividade criminosa ocorrer em comarcas diferentes dentro da área de competência do mesmo tribunal da Relação.
4 – Nas comarcas em que o movimento processual o justifique e sejam criados departamentos de investigação e ação penal (DIAP), são também criadas secções de instrução criminal com competência circunscrita à área abrangida.
5 – A competência a que se refere o n.º 1 do artigo anterior, quanto aos crimes estritamente militares, cabe ao tribunal central de instrução criminal e à unidade orgânica de instrução criminal militar dos juízos de instrução criminal do Porto, com jurisdição nas áreas indicadas no Código de Justiça Militar.
6 – O disposto nos números anteriores não prejudica a competência do juiz de instrução da área onde os atos jurisdicionais, de caráter urgente, relativos ao inquérito, devam ser realizados.”.
Obviamente o estabelecido nos n.os 3, 4 e 6 não relevam para o TCIC.
O art.º 3.º estipula que “é extinto o Juízo de Instrução Criminal de Lisboa”.
Quanto aos juízes e oficiais de justiça atualmente do JIC de Lisboa, o art.º 4.º estabelece:
1 – Os juízes colocados no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa à data da respetiva extinção consideram-se colocados no Tribunal Central de Instrução Criminal.
2 – Os juízes a que se refere o número anterior e que reúnam os requisitos legalmente exigidos têm preferência absoluta no primeiro movimento judicial que tenha lugar após a entrada em vigor da presente lei, relativamente à totalidade dos juízos de instrução criminal.
3 – À data da respetiva extinção, os oficiais de justiça que exercem funções no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa passam a exercer funções no Tribunal Central de Instrução Criminal.”.
No atinente à transição de processos, lê-se no art.º 5.º:
1 – Os processos que se encontrem pendentes no Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, à data de entrada em vigor da presente lei, transitam para o Tribunal Central de Instrução Criminal, mantendo-se na titularidade dos juízes que neste tribunal sejam colocados nos termos do artigo anterior, sem que haja lugar à redistribuição dos processos que lhes estejam atribuídos.
2 – Os processos que se encontrem pendentes no Tribunal Central de Instrução Criminal, à data de entrada em vigor da presente lei, mantêm-se na titularidade dos juízes que naquela data se mostrem colocados nesse tribunal, sem que haja lugar à redistribuição dos processos que lhes estejam atribuídos.
3 – Os aspetos não regulados nos números anteriores, designadamente as medidas tendentes ao equilíbrio das pendências, a operar nas distribuições subsequentes à transição de processos, são objeto de deliberação, consoante o caso, pelo Conselho Superior da Magistratura ou pelo Conselho Superior do Ministério Público.”.
E o artigo 6.º determina que, “no âmbito das respetivas competências, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior do Ministério Público e a Direção-Geral da Administração da Justiça adotam as providências necessárias à execução da presente lei.
Por seu turno, o art.º 7.º altera os mapas iii e iv anexos ao Decreto-Lei n.º 49/2014, de 27 de março, passando o TCIC a ser composto por 9 juízes. E o art.º 8.º revoga a alínea e) do art.º 84.º deste decreto-lei, ou seja, extingue a 1.ª Secção de instrução criminal, com sede em Lisboa.
***
Afinal, foi extinto o TIC de Lisboa e não o TCIC. E, embora um tribunal central de investigação criminal tenha a seu cargo a instrução de casos de pequena monta, o que parece um desperdício, o certo é que os processos de extrema relevância social, nas fases de inquérito e de instrução, não correm o risco de ser invariavelmente distribuídos ou a um juiz demasiado complacente com o Ministério Público ou a um juiz apontado como estrénuo defensor dos arguidos. Talvez assim haja maior equilíbrio entre o rigor da investigação e a defesa das liberdades. E seria bom que a justiça não se tornasse espetáculo – nunca dando azo a que as pessoas fossem condenadas na praça pública –, não tivesse agenda política e fosse ágil, célere e eficaz para todos.   

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