São expressões com
que Dom Jorge Ortiga,
Arcebispo de Braga, define a Igreja bracarense ao longo da História em
entrevista à Ecclesia publicada a 19
de julho, dia seguinte ao daquele em que perfez 22 anos como o responsável
máximo da vida desta Igreja particular, já que entrou solenemente a 18 de julho
de 1999. E, de olhar no futuro,
sublinha o processo de “renovação inadiável” que pode beneficiar do dinamismo
do sucessor.
Neste dia 18 de julho, festa litúrgica de São Bartolomeu dos
Mártires e dia de ordenações sacerdotais, vê a realidade da Arquidiocese, como
a das demais dioceses, com os problemas e dificuldades, os desafios da pandemia,
admitindo que alguns desafios “vieram confirmar um pouco” a caminhada eclesial
em modo sinodal, conforme a opção de há dois anos e em que se vem insistindo,
pois as comunidades, sobretudo as paroquiais, são ainda demasiado formalistas: as
pessoas conhecem-se, mas receiam no dia a dia criar proximidade, mostrar
amizade e amizade concreta. Ora, remando contra a maré, é preciso dizer-lhes
que “se têm de aproximar”, sem medo de se quererem bem, ajudar-se,
reconhecendo-se interdependentes”.
Questionado sobre se este é um momento
de transição, concede que é “momento de transição e de mudança”,
enquadrando-o no dinamismo da “fidelidade criativa”. E vinca o ponto de partida:
“A Arquidiocese
de Braga tem uma história longa, lodo desde os primórdios do Cristianismo, e
precisamos de ter consciência da nossa história, de fazer memória dos nossos
antepassados (…). O nosso Cristianismo tem raízes muito profundas, mas corremos
o risco de ter uma Igreja tradicionalista.”.
No alerta para a “diferença entre Tradição e tradicionalismo”, frisa a
fidelidade às origens, mas em articulação com a “necessidade de uma grande
criatividade, de nos adaptarmos às exigências e interpelações”, pois não se
trata de “uma mudança de era”, mas de “uma era nova”. E, como “os tempos são
outros, a sociedade é outra”, a Igreja “tem de ser outra”. Nestes termos, a
Igreja bracarense, fiel ao passado, não tem medo de se adaptar e começa “a
percorrer caminhos novos na evangelização e na vida concreta das comunidades”.
Sobre a possibilidade de a
mudança de arcebispo, que se supõe iminente, ser parte desta transformação, o
Arcebispo primaz, acentuando que 22 anos são bastante tempo e que se identifica
com a mentalidade minhota, espera que “a
vinda de alguém fora de Braga possa trazer um outro ritmo diferente, outra
maneira de conceber a Igreja”, o que ajudará neste “processo de renovação
inadiável”. Depois, observa que “a renovação não é um apêndice”, mas tem de ser
estrutural, pelo que o novo arcebispo “nada fará sem os sacerdotes, sem os
leigos”, mas trará outro dinamismo à velha diocese, “que quer ser nova nos
tempos que correm”.
No atinente a este tempo de
espera pela sucessão, acha que dois anos e
meio são muito tempo para a diocese, em si, porque gera incerteza, apreensão,
expectativa para ele próprio, que se coloca “numa atitude de nem sempre saber o
que é melhor, o que é oportuno fazer, nesta quase que ambiguidade”, como tecer
algumas considerações e dar orientações pastorais.
Todavia, confessa que nunca foi parando e que pede “a graça de ser fiel”
até ao dia em que entregar o báculo a quem vier, pois, com coragem e necessidade
de ultrapassar problemas e contratempos – neste ambiente de expectativa que parece
criar uma atitude de resignação, de deixar correr, de esperar – não dá para
cruzar os braços. E tem a sensação de que a diocese não parou, embora queiramos
“muitíssimo mais”, sabendo que a pandemia também o veio dificultar. Por isso,
entende que “o fundamental é que nos deixemos interpelar”, sem a necessidade de
saber quem vem, quem será o novo arcebispo, pois virá, “aquele que a Igreja
considera mais oportuno e mais adequado para este momento”, visto que “a Igreja
não é uma realidade humana” e “o Papa, fruto da plenitude do Espírito Santo”,
oferecerá à Arquidiocese o bispo mais conveniente. Está é preocupado com “o que
lhe vamos oferecer, quando aqui chegar”:
“Uma Igreja com
dinamismo, já em movimento, empenhada nesta ideia da renovação? Ou, pelo
contrário, estamos desmotivados, fruto da pandemia – que talvez seja a razão
que usamos com mais frequência?”.
E “é este o alerta” que lança “aos sacerdotes, às pessoas mais empenhadas
na própria Igreja”, o da preocupação por trabalharmos para que o novo arcebispo
“veja uma Igreja unida, em comunhão, empenhada na dinâmica interna das
comunidades e nesta vocação do exterior”. Enfim, quer que Braga ofereça “uma
Igreja samaritana”, ou seja, inspirada na parábola do Bom Samaritano, como “uma
espécie de estalagem, para acolher os mais pobres, os marginais, os sozinhos,
os últimos”. E menciona a expressão de São Frei Bartolomeu dos Mártires: “a
paróquia é uma espécie de hospital de Deus”. Por isso, em enallagê prosôpou, define:
“Esta Igreja
que nós queremos ser hoje é uma Igreja dinâmica interiormente e uma Igreja para
fora. Empenhada num compromisso social, numa amizade social, que quer
efetivamente transformar as estruturas existentes, de tal forma que as pessoas
sintam a sua plena realização. (…) Em vez de nos preocuparmos muito com quem
virá, quando virá, que estejamos sempre alerta, sempre empenhados, sempre
comprometidos, trabalhando. (…) Esta é uma hora com muitos desafios, muitos
problemas, mas também com muitas oportunidades.”.
Em relação às nomeações que
tornou públicas, que diz, de forma “consciente e responsável”, terem de ser
poucas, refuta a insinuação de isso ser trabalho para o sucessor. Contrapõe que
“as nomeações “são um
pormenor” e não pretende grandes mudanças, mas tem de responder às novas
interpelações e desafios. Assim, “não no sentido de empurrar a responsabilidade”,
diz ter feito o que pensa necessário e suficiente para esta altura. Não quer
limitar os movimentos de quem vier, que pode mudar de método e mesmo fazer
novas nomeações para os cargos de maior responsabilidade na diocese. Reconhece que Braga é diocese
com muitas estruturas e que alguns pensarão que é uma Igreja pesada. Mas quem
vier assumirá a responsabilidade de a repensar.
Não circunscreve a sua preocupação
em ter vindo a dar vida ao que existia. Antes, na linha da “fidelidade criativa”, confessa-se “um eterno
insatisfeito”, sempre “à procura de mais e melhor”, a ponto de dizer que “aquilo
que hoje é uma meta, amanhã é uma etapa” e que “temos de seguir em frente e
descobrir caminhos novos”. E explica melhor o dinamismo sinodal:
“Fomos
discernindo que o programa pastoral para a diocese, nesta altura, era
trabalharmos para uma Igreja sinodal e samaritana, naquilo que as duas palavras
significam. Fiquei muito contente quando o Papa decretou que o próximo ano
pastoral, a partir de setembro, era um tempo em que convidava a própria Igreja
a refletir, colocando-se em questão, sobre a sinodalidade. Pensando na
sinodalidade como comunhão, participação e missão.”.
E, em jeito de monitorização da caminhada, considera:
“Já percorremos
um caminho, talvez não tanto quanto nós gostaríamos, porque a pandemia
condicionou muito as coisas, mas ele existe. A diocese não vai começar agora a
pensar na sinodalidade, o que isso implica, o contributo que podemos dar à
Igreja universal, estamos a caminho. Estamos nesse processo, numa sinodalidade
afetiva – em termos de aproximar as pessoas, nesta consciência de que somos um
só corpo – e efetiva, de envolver as pessoas, dentro da própria comunidade e
também fora.”.
Observa que é ponto assente que “a
Igreja, hoje, não pode fechar-se nas sacristias nem nos santuários”. Braga
tem o Sameiro e muitos outros santuários girando muito os cristãos à volta deles.
Ora, temos de “vir aqui respirar” para ir “entrar nas estruturas da realidade
humana”. E não deixa de salientar algumas realizações concretas: o turismo, com
empenho forte e consistente no turismo religioso, com uma dinâmica muito própria;
a Pastoral da Cultura em permanente diálogo com o que se pensa e diz, com muitas
e variadas iniciativas, com destaque para a “Nova Ágora”, como este espaço
aberto que a Igreja de Braga quer ser, encontrando-se com mentalidades
totalmente diferentes; e a Pastoral Universitária, com incidência mais com os
jovens e com os professores. E assinala uma grande preocupação, a de que “houvesse
um compromisso maior com o mundo do trabalho”. Sobre isto, desenvolve:
“A semente está
lançada: esta Igreja que não se fecha, em saída, em compromisso com tudo aquilo
que são realidades humanas. É um caminho, agora, que é difícil, sabemos que as
pessoas têm uma dificuldade muito grande em comprometer-se. A Igreja de Braga
tem sido este alerta para muitas realidades, muitas situações. Não sabemos os
resultados, mas esperamos que alguma coisa vá ficando.”.
No âmbito do mundo do
trabalho, uma efetiva
preocupação, faz a seguinte caraterização: a parte marítima, hoje com pouco
expressão; a parte central, que é o mundo dos operários, do trabalho em
fábricas; a parte do interior, mais ligada à agricultura e com o desafio de
estar em vias de desertificação (pessoas quase sozinhas, em situações precárias); e as preditas fábricas.
E, em relação ao acompanhamento a este mundo do trabalho, recorda que Braga
já teve uma Ação Católica mais interventiva. Foi ela que alertou para a luta
contra o trabalho infantil. É patente hoje a necessidade de uma ação mais
interventiva, o que é difícil. Salienta a ação da ACEGE, nesta preocupação com
os empresários, para verem o seu trabalho como missão, colocando Cristo nas
empresas. E Dom Jorge gostaria duma presença “mais consistente”.
Quanto à juventude, contraria-se o passado em que o distrito de Braga era o
mais jovem do país. Não obstante, há muitos movimentos e grupos, mas ainda faz
falta o empenho e o compromisso com a juventude, esperando que e a Jornada
Mundial da Juventude seja alavanca para tal.
***
Interpelado sobre o que
gostaria de ter feito e terá ficado por fazer, aduz a visão da Igreja como
comunidade, segundo o lema que elegeu para o seu episcopado “Ut unum sint”
– unidade, que supõe a
diversidade. E, à laia de balanço a partir da romã das suas armas episcopais,
expõe:
“Caminhamos
muito, mas podemos caminhar muito mais. (…) Escolhi a romã para simbolizar a preocupação
pela unidade. Há anos ofereci aos padres uma pequena peça, em cerâmica, com uma
romã, significando que é bom que trabalhemos por ser uma coisa só. Dizem que a
romã tem 633 grãos, tantos quantos os preceitos da lei judaica. (…) Tem uma
membrana, com pequenos grupos dentro. Há os grãos e há ali pequenos grupos, ali
associados. Gostava de ver uma Igreja com estes grãos todos, que simbolizam os
cristãos espalhados por todos os cantos, nas mais variadas situações; uma parte
que é constituída pelos sacerdotes, pelos religiosos, pelos movimentos, pelas
associações, mas todos numa preocupação por se amarem e se quererem bem,
fazendo a experiência do Ressuscitado entre eles, partindo com Ele.”.
Assim, preconiza “ir ao encontro das diversas realidades humanas, para as
cristianizar, para as cristificar, a partir de dentro”, pelo que, se pudesse
deixar um testamento era “uma romã, como simbologia, como interpelação, como
compromisso, como realidade que é possível fazer”, pois, se as comunidades paroquiais
se revirem simbolizadas na romã, todas unidas em Cristo ressuscitado presente
no meio, Cristo, a Igreja estará a cumprir a sua missão.
Diz que a sua ação episcopal resulta de um sujeito coletivo, comunitário –
“com os padres, com os movimentos, com os grupos, sempre a trabalhar no plural,
porque a Igreja é isto mesmo”.
Não teve medo de investir.
Ao invés, “em termos de estruturas até dizem
que talvez tenham sido de mais”, mas pensa que foram as que lhe parecem necessárias.
E menciona o centro cultural e pastoral, com auditório, salas, espaço, com a
cooperativa para servir refeições a preço acessível; o projeto de construção da
livraria nova e o da edificação dum arquivo central.
Quando se refere ao arquivo, que é um sonho e uma necessidade, pensa nos
documentos que estão espalhados pela diocese com o risco de se perderem ou
danificarem. Há projeto feito, há dinheiro, está tudo delineado e estruturado.
Apostou-se muito no património, diz, e já se vê retorno. E discorre
exemplificando com o turismo na cidade que pretende ser capital da cultura. O
turismo em Braga é fundamentalmente turismo religioso. Vêm a Braga pelo que
envolve a cidade, mas sem as igrejas, o turismo quase deixa de existir. Ora, as
igrejas estão bem conservadas, foi um investimento muitíssimo grande, como
enfatiza, e “dá gosto ver o que as nossas comunidades foram fazendo, para se
poder dotar de um património que é útil para nós, para as celebrações” e “para
mostrar a nossa cultura e a nossa alma do passado”.
Quanto ao futuro, espera que Deus lhe conceda alguns anos para continuar.
Não tem projeto, quer apenas trabalhar gastando todas as suas energias até ao
dia em que entregar o báculo ao arcebispo que vier. Depois, verá com ele o que
irá fazer, na certeza de que não se intrometerá. Ajudará no que for preciso e,
se fizer falta estar em casa, saberá “ser contemplativo”.
***
Das eleições autárquicas espera
que “aqueles que se propõem e vão ser
eleitos estejam motivados por um sentido do bem comum” e que os católicos sintam
“o dever, a obrigação de exercer o seu direito de cidadania”. Denuncia o medo
de muitos e a atitude de quem se lamenta por causa dos políticos, do que são e
fazem contra ou sem a Igreja, mas os católicos não estão lá. Ora, “se os
cristãos estivessem na política, a política poderia ter uma alma”, assegura.
E o Arcebispo evoca o facto de o Papa ter declarado “venerável” Robert
Schuman, o estadista cuja declaração colocou a
produção franco-alemã de carvão e de aço sob uma Alta Autoridade comum numa
organização aberta à participação de outros países da Europa, o que deu origem
à União Europeia (UE). E conclui que os católicos fazem falta na política,
a qual “poderá ser um desafio, uma oportunidade”, porque ela se faz a nível nacional,
a nível mundial e também a nível local, ou seja, a partir das freguesias, onde
vive o povo.
Fala ainda dos Centros Sociais Paroquiais, um problema que exige muita
reflexão. Na verdade, Braga tem mais de 200, sobretudo no interior. E sustenta que
“são centros pequenos, com muitas dificuldades, muitos problemas, com
exigências permanentes da Segurança Social”, algumas compreensíveis, “mas são
uma presença efetiva” a levar “o que é necessário para que as pessoas tenham
dignidade de vida”.
Espera que Braga seja Capital
Europeia da Cultura em 2027, pois merece-o: é cidade que tem algum dinamismo. A Igreja bracarense “está empenhada e
comprometida nisso”, pelo que vai fazendo todos os dias. E o Arcebispo deseja
que o seja, não pelo que Braga é, mas pelo que poderá ser, parecendo necessário
“apostar muito mais na cultura”, pois “ver a alma de um povo e desenvolvê-la”
constitui o desafio a um maior empenho na dimensão cultural. E refere que o
investimento no património revela bem o interesse da Igreja, sendo relevante a
questão do turismo e tantas outras realidades de património imaterial, como a Semana
Santa, as festas, enquanto “sinais de uma cultura latente no nosso quotidiano”.
Por fim, como mensagem ao sucessor,
recomenda que “não tenha medo”, pois tem aqui “gente muito boa”, “que
quer, que precisa de um outro dinamismo, de uma outra vivacidade”.
***
Eis a Igreja de Braga a desmentir, na sinodalidade e
compromisso, aqueles que a consideravam tão conservadora e tradicionalista que
até os padres “arejados” que o Papa nomeava bispos auxiliares da Arquidiocese,
uma vez lá chegados, eram moldados no torno especial ficando a pensar, sentir e
a agir à moda de Braga, o que deixou de ser verdade com Dom Jacinto Botelho e com
os que foram auxiliares com Dom Jorge Ortiga – prova de que ser velho como a Sé
de Braga não é incompatível com a frescura e a renovação.
2021.07.22 –
Louro de Carvalho
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