Na
alocução do passado domingo, dia 18, antes da recitação do Angelus com os fiéis reunidos na Praça de São Pedro, o Papa
Francisco, a partir do Evangelho do dia e considerando que estamos no verão,
tempo de férias para muitos, falou da importância do verdadeiro repouso, “parar, ficar em silêncio, rezar, para não
passar das coisas do trabalho para as férias”, pois só “o coração que não se deixa levar pela pressa
é capaz de se comover (...), de perceber os outros, suas feridas, suas
necessidades”. E frisou que “a compaixão
nasce da contemplação”.
Convicto
da necessidade que o mundo tem de “uma ecologia do coração”, que postula repouso,
contemplação, comunhão e compaixão. Francisco releva o descanso e a compaixão
como contraponto essencial à atividade humana – a social e profissional e a
eclesial (evangelizadora,
santificadora e odegética)
– sendo de evitar o excesso de atividade, que dá pelo nome de ativismo.
Na
verdade, Jesus, que se preocupava com a urgência da missão, que devia ser
desempenhada de forma intensa, mas livre das apetências meramente pessoais e de
tudo o que a possa impossibilitar ou dificultar, é o mesmo que se preocupa com
o cansaço físico e interior dos seus discípulos. Assim, ao ouvir o relato
pormenorizado e jubiloso dos “prodígios da pregação” durante a missão, Jesus faz-lhes
o convite ao repouso: “Vinde a sós para
um lugar deserto e descansai um pouco”. E o Papa comenta:
“Ele quer alertá-los de um perigo, que
sempre está à espreita também para nós: o perigo de deixar-se cair no frenesim
do fazer, cair na armadilha do ativismo, onde o mais importante são os resultados
que obtemos e o sentirmo-nos protagonistas absolutos”.
Chamando a atenção para a necessidade de “aprender a parar”, Francisco avisou que
o excesso de atividade acontece também na Igreja sempre que “estamos
atarefados, corremos, pensamos que tudo depende de nós”, com o risco de
negligenciarmos Jesus e de nos pormos a nós no centro. Por isso, Jesus “convida
os seus para repousar um pouco à parte, com Ele”. E o Santo Padre apressa-se a
esclarecer:
“Não é apenas repouso físico, é também
descanso do coração. Porque não basta ‘desligar’, é preciso repousar de
verdade. E como se faz isso? Para fazer isso é preciso voltar ao cerne das
coisas: parar, ficar em silêncio, rezar, para não passar da correria do
trabalho para a correria das férias.”.
Todavia, o facto de Jesus se retirar
a cada dia na “oração, no silêncio, na intimidade com o Pai”, não obsta a que
esteja atento às necessidades da multidão, e o convite dirigido aos discípulos,
deveria acompanhar-nos também a nós, que deveríamos parar “a correria frenética
que dita as nossas agendas”. Isto, para advertir que temos de aprender a parar,
a desligar o telefone, a contemplar a natureza e a fazer a nossa regeneração no
diálogo com Deus.
E o Papa Bergoglio vai mais longe ao
assinalar que “o Evangelho narra que Jesus e os discípulos não podem descansar
como gostariam”, pois as pessoas provenientes dos lugares mais diversos os
reconhecem. Neste ponto, “move-se a compaixão”, pois, como regista o
evangelista Marcos, Jesus olhou para a multidão e compadeceu-se por serem como
ovelhas sem pastor. E, por consequência, pôs-se a ensinar aquela gente acabando
por lhes dar de comer, para o que aproveitou os cinco pães e os dois peixes que
um rapaz tinha e fez a multiplicação. E a multidão de cinco mil homens, mais as
mulheres e as crianças, comeu e ficou saciada.
Ora, no
dizer do Sumo Pontífice, a par da missão e do repouso, está a compaixão, que é “o
estilo de Deus”. E o estilo de Deus “é proximidade, compaixão e ternura”.
Assim, é recorrente no Evangelho, na Bíblia, a frase: “teve compaixão dele”.
E, comovido, Jesus dedica-se ao povo e retoma o ensino. De facto, só o coração
que não se deixa levar pela pressa é capaz de se comover, isto é, de não se
deixar levar por si mesmo e pelas coisas a fazer e de perceber os outros com as
suas feridas, as suas necessidades, as suas aspirações.
E o Papa
sublinha que “a compaixão nasce da contemplação”. Com efeito, se não olharmos e não nos colocarmos à
escuta, não sentiremos as pessoas, não as contemplaremos. Mas, para isso, temos
de saber parar, saber ver e saber auscultar (Deus, o mundo e as pessoas). Porém, não basta parar e contemplar: é preciso
mover-se pela compaixão, como Cristo o sentiu e o fez. E a nossa compaixão não
pode ser platónica ou romântica: tem de nos levar a agir em conformidade, como
Cristo fez e ensinou a fazer.
Na lógica do pensamento do Papa Francisco,
a dedicação ao verdadeiro repouso (não ao repouso supino) é fundamental para nos tornarmos capazes da
verdadeira compaixão (do latim “compassio”,
cognata de “compatior” – “cum +
patior”: sofrer com), porque temos necessidade de uma ecologia do
coração. E a linha de raciocínio e sentimento papais é:
“Se cultivarmos o olhar contemplativo,
levaremos em frente as nossas atividades sem a atitude voraz de quem quer
possuir e consumir tudo; se permanecermos em contacto com o Senhor e não
anestesiarmos a parte mais profunda de nós, as coisas a fazer não terão o poder
de nos tirar o fôlego e de nos devorar. Temos necessidade – ouçam isto – temos
necessidade de uma ‘ecologia do coração’ que inclui descanso, contemplação e
compaixão. Aproveitemos o tempo de verão para isso.”.
E o Papa não deixou de, em conclusão,
convidar os fiéis a dirigirem-se a Nossa Senhora, “que cultivou o silêncio, a
oração e a contemplação, e sempre se move em terna compaixão pelos seus filhos.
***
Para os budistas, há muito estreita interdependência
entre o meio
ambiente natural e os seres sencientes que o habitam. Isto contraria aqueles para quem a natureza humana
de base é um tanto violenta. Se examinarmos os diferentes tipos de animais,
mormente aqueles cuja própria sobrevivência depende de tirar outras vidas, como
os tigres ou os leões, veremos que a sua natureza de base os dota de dentes e
garras afiadas. Já os animais pacíficos, como as corças, que são totalmente
vegetarianas, são mais gentis, possuem dentes menores e não têm garras. Desse
ângulo, os
seres humanos têm natureza de base não violenta. E, no atinente
à sobrevivência, são animais sociais. Para sobreviver, precisam de companheiros, de modo que,
segundo as leis da natureza, não há possibilidade de sobrevivência dum ser
humano sem outros seres humanos.
Sendo os seres humanos gentis por sua natureza de base, devem
não só manter relações gentis e pacíficas com a comunidade de seres humanos,
mas também estender a mesma atitude gentil ao meio ambiente natural.
É, pois, uma questão ética a preocupação com o meio ambiente,
como é uma questão de sobrevivência. Na verdade, o meio ambiente é muito
importante não só para esta geração, mas também para as gerações futuras. E, se explorarmos exaustivamente
o meio ambiente,
embora isso nos dê, a curto prazo, mais dinheiro ou outros benefícios, a longo prazo as consequências abater-se-ão
sobre nós e sobre as gerações futuras. Se o meio ambiente muda,
mudam também as condições climáticas; e, se estas mudam dramaticamente, também
mudam muitas outras coisas, como a economia, o aspeto do mundo, as condições de
vida e de saúde, a sociedade…
Portanto, isto, para lá do imperativo moral, é uma questão de
sobrevivência pessoal e coletiva: é uma questão de vida e vida de qualidade. E,
para o sucesso da proteção e conservação do meio ambiente natural, importa,
antes de mais, promover o equilíbrio interno dentro dos próprios seres
humanos. O
abuso do meio ambiente, que redundou nos enormes danos para a comunidade humana,
a lamentar, surgiu da ignorância sobre a importância do meio ambiente e da
ambição gananciosa de enriquecimento desmedido por parte de alguns grupos
económicos.
Por isso, é essencial
ajudar as pessoas a compreender que o meio ambiente tem uma relação direta com o nosso
próprio benefício. E entra aqui o pensamento e o sentimento de compaixão. É o
que o Papa denomina como escutar o grito da natureza. E a escuta deste grito da
natureza capacita-nos da abertura a escutarmos o grito dos pobres. Assim,
munidos do conhecimento e desprovidos da ganância e do egoísmo, temos a
consciência clara de que tanto as outras pessoas precisam de nós e da natureza
física do mundo, como nós precisamos das outras pessoas e dos benefícios do
meio ambiente. Mais: todas as pessoas têm o direito de habitar o mundo e de
dele usufruir. Assim, desenvolver a preocupação pelo bem-estar de outras
pessoas, compartilhar o sofrimento dos outros e ajudá-los são atitudes que
beneficiam os outros, mas também acabam por nos beneficiar a nós. Ao invés, se
pensarmos só em nós mesmos e esquecermos os outros, perderemos mais do que
ganhamos. Com efeito, a solidariedade é uma lei da natureza.
Se não sorrirmos para as outras pessoas, mas as olharmos de
forma acabrunhada, elas responderão de maneira similar; mas, se lidarmos com elas
de forma sincera e aberta, também se comportarão assim connosco. Todos queremos
ser e ter amigos. Ora, a forma correta de fazer amizades é ter um coração
caloroso. E os amigos verdadeiros devem ser verdadeiros amigos do peito. Amigos
humanos autênticos ficam ao nosso lado, quer tenhamos sucesso quer estejamos
sem sorte, e compartilham as nossas dores e problemas.
Porém, muitas pessoas egoístas são tacanhamente egoístas. Se
ao menos fossem sabiamente egoístas…. Ora, a chave deste relacionamento dom o ambiente e com as pessoas é o
sentido de responsabilidade universal, que é a genuína fonte da força, a
autêntica fonte da felicidade. Se a nossa geração explora tudo
que há disponível – árvores, água, animais, vegetais, minerais e energia fóssil,
sem qualquer cuidado com as próximas gerações ou o futuro, está errada; mas, se
tivermos um sentido genuíno de responsabilidade universal como motivação central,
as nossas relações com os nossos vizinhos, tanto os nacionais como os
internacionais, serão promissoras.
E esta postura é produzida e afinada na consciência, na
mente, no coração.
O mundo ocidental, nos últimos dois séculos, enfatizou a
ciência e a tecnologia, voltado sobretudo para a matéria: nunca viu a alma ou a
mente na ponta do bisturi ou da caneta. Todavia, atualmente alguns físicos
nucleares e neurologistas dizem que, ao investigarmos partículas de forma muito
detalhada, há alguma influência do lado do observador, o sabedor. Ora, este observador-sabedor
é um ser humano, o cientista. E sabe com o cérebro, a mente, a consciência,
havendo íntima relação entre cérebro e mente/consciência e entre mente e
matéria, o que dá a possibilidade de estabelecer um diálogo frutífero entre a filosofia
e ciência orientais e a ciência e filosofia ocidentais com base naquela relação.
É, depois, natural que, face a um mundo virado do avesso e a seres humanos que
vivem em condições de humana degradação, o coração e as vísceras se revoltem
com o que a mente faz que os olhos nos mostrem
Em qualquer caso, atualmente as pessoas estão muito envoltas
com o mundo externo, enquanto negligenciam o mundo interno. Ora, nós precisamos
de desenvolvimento científico e material para sobreviver e para aumentar o
benefício e a prosperidade geral, mas precisamos igualmente de paz mental. No entanto,
nenhum médico pode prescrever um comprimido ou uma injeção de paz mental,
nenhum mercado a pode vender, nem ela está a concurso. Nem os computadores mais
sofisticados podem dar a paz mental. A paz mental deve vir da mente, da
consciência. Todos queremos felicidade e prazer, mas, se compararmos prazer
físico e dor física com prazer mental e dor mental, concluiremos que a mente é
mais efetiva, predominante e superior. Assim, vale a pena adotar os métodos que
deem e aumentem a paz mental.
Entre
esses métodos, sobressai a meditação que o repouso físico e mental pode
proporcionar. Na verdade, a meditação ajuda a
ficar mais à vontade com o nosso próprio ser. Se nos conhecemos autenticamente,
os nossos olhos abrem-se para a nossa profunda interconexão com todos os outros
seres. Sabemos que prejudicar o outro é prejudicarmo-nos a nós mesmos. Enquanto
alguém sofre, nós sofremos. Por outro lado, há que ampliar a nossa visão da vida
e do mundo, o que nos dará uma qualitativa mais-valia no modo como vivemos as nossas
vidas, sabendo que estamos todos entrelaçados. Cuidaremos do ambiente natural,
respeitaremos e amaremos o ambiente humano que nos cerca, influencia e se deixa
influenciar.
E, se as empresas de produção, transformação e circulação
adotarem como princípio basilar o respeito
pelo meio ambiente e, melhor ainda, se assumirem a sério o desenvolvimento de projetos
de educação ambiental, outro galo cantará no quadro da ecologia ambiental e da
ecologia humana. O compromisso com a sustentabilidade, reforçado sempre que e à
medida do necessário, postula as práticas adequadas para minimizar o impacto da
atividade económica e evitar o desequilíbrio da diversidade ecológica,
investindo em novas tecnologias sustentáveis e promovendo ações que garantam a
preservação dos recursos naturais com vista à sua equânime disponibilidade
para benefício de todos e também para as gerações futuras.
***
Também aqui
há de funcionar o sistema preventivo preconizado e implementado por São João
Bosco. Francisco Bodrato, em conversa com o insigne formador da juventude, perguntou-lhe
qual o segredo para conquistar tantos jovens tornando-os obedientes,
respeitadores e dóceis. Em resposta, o Santo descreveu a suas ações quotidianas,
que originaram o dito sistema preventivo.
E, se São Francisco
de Assis é “o exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma
ecologia integral vivida com alegria e autenticidade” (LS 10), vivida com genuína compaixão, São João Bosco é o
exemplo de educador que devotou a vida ao cuidado dos corações frágeis da
juventude do seu tempo, potencializando o bem pela educação integral que
valoriza a pessoa na sua totalidade e não a vê em gavetas estanques – outro modo
de compaixão. Com efeito, a ecologia e a educação requerem o olhar compassivo, equânime
e magnânimo.
O Papa
Francisco, no n.º 156 da encíclica “Laudato
Si” (LS), define a ecologia integral como “o conjunto das
condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro,
alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição”. Neste sentido, adota o
princípio do bem comum, que pressupõe o respeito e o cuidado pela pessoa humana
e suas organizações sociais, bem como por toda a criação. Por isso, adverte que
“a ecologia integral possui uma perspetiva ampla” (LS 159) e insta a examinar a problemática ambiental de um modo
transdisciplinar. E a
leitura atenta da encíclica “Fratelli tutti” leva-nos a que a ecologia integral postula o
empenho do coração e a ciência da fraternidade universal, com a força anímica
da oração.
2021.07.19 – Louro de Carvalho
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