Os deputados da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao Novo Banco (NB) aprovaram, no dia 26 deste
mês de julho, o relatório final, em que foram introduzidas alterações de monta
à versão preliminar elaborada pelo relator, o deputado socialista Fernando
Anastácio. Apenas o PS (7 deputados) votou contra, enquanto PSD,
Bloco, PCP, PAN e Iniciativa Liberal (IL) (9 deputados ao todo) deram luz verde, tendo o CDS optado pela abstenção. Que dirá a isto o Ministério
Público?
Apenas o PS votou contra, por não concordar com as conclusões
relativas à venda do NB, que atribuem responsabilidades também ao 1.º Governo
de António Costa. Já PSD, Bloco, PCP, PAN e IL deram luz verde,
apesar de não concordarem com todas as conclusões.
Fernando Anastácio (PS),
referido supra, renunciou à condição de relator por não se rever nas conclusões entretanto aprovadas, pelo que o
relatório final vai a plenário sem autor.
Enquanto a versão preliminar ilibava, de alguma forma, os governos na
resolução do BES e na venda do NB, no dia 26 foram aprovadas alterações que
atribuem responsabilidades aos dois executivos neste processo, que não
foram do agrado nem do PSD e do CDS, nem do PS. Porém, mantêm-se críticas à
atuação do Banco de Portugal (BdP), ao banco e
aos devedores.
Antes da votação, os partidos esgrimiram argumentos, com o PS a mostrar-se
crítico com as conclusões introduzidas no capítulo da venda do NB ao fundo Lone
Star, que são “da maior gravidade” e
“puramente políticas”. Neste sentido,
o deputado João Paulo Correia vincou:
“Quando olhamos
para as conclusões da venda em que querem responsabilizar unicamente o Governo,
fazendo tábua rasa do resto, do Banco de Portugal e das imposições da DG-Comp,
deixaram de ser conclusões de facto, desviaram-se da linha factual”.
E, na declaração final, este deputado socialista anotou que o “PSD, ao aprovar o
relatório final, reconhece a ‘fraude política’ que foi a resolução”,
em 2014, e cria cisão entre socialdemocratas e CDS que estiveram na
governação de Passos Coelho.
Por sua vez, do lado do PSD, Duarte Pacheco diz que “caiu a máscara ao PS”, que “queria impingir aos portugueses que o Governo, António Costa e Mário
Centeno não tiveram nada a ver com o assunto, foram vítimas das circunstâncias”.
Segundo o deputado socialdemocrata, o Ministro das Finanças, que acompanhou o
processo de venda, poderia ter negociado com a Comissão Europeia as condições
da venda do NB, em 2017, mas nem sequer tentou. Pacheco frisou que o relatório
final se refere à alienação prejudicial do NB “como um contrato mal negociado e incentivos errados e ainda gestão
pouco rigorosa da administração após a venda”.
Do lado do BE, Mariana Mortágua recusou que as conclusões apontem numa única
direção de responsabilizar o Governo de António Costa, como fez crer João Paulo
Correia, deixou claro que “houve
uma distribuição de responsabilidades pelas instituições” e observou
que seria pior a comissão não ter um relatório aprovado depois de tantas horas
de trabalho.
Segundo o deputado Duarte Alves, do PCP, o relatório corrige a versão
inicial ao imputar responsabilidades aos governos em todo o processo.
E Cecília Meireles, do CDS falou na “tentativa falhada do PS para reescrever o passado” e de
“passar uma borracha em relação à atuação
do Governo na venda” do NB, destacando que “nenhum partido se revê em todas as conclusões”, mas que “há mais partidos a reverem-se em mais
conclusões no relatório final do que na versão preliminar”.
O PAN disse que o relatório traz maior clareza sobre o que se passou na
comissão de inquérito.
E a IL diz que “não é lícito nem é
justo” apontar “fraude política”
na resolução do BES.
À
esquerda, as alterações foram bem recebidas pois os dois governos foram
responsabilizados.
Para o
PCP, a decisão de resolver o BES em 2014 e dotar o NB
com 4,9 mil milhões foi uma “fraude
política”, que também “responsabiliza
o Governo” de Passos Coelho (PSD/CDS-PP). E
esta ideia acabou por ser acolhida pela comissão com os votos favoráveis do PS
e Bloco, além dos comunistas, enquanto PSD, CDS, PAN e IL votaram contra.
A fraude política consistiu em se ter dito aos
portugueses que seria possível resolver o banco com 4,9 mil milhões de euros,
sabendo-se que o passivo da holding era
superior a 12 mil milhões de euros, como foi apurado nas audições e consta na
versão final do relatório. Ora, “pelas suas
implicações”, a decisão “também
responsabiliza o Governo”, que na altura era liderado por Passos Coelho,
numa coligação entre PSD e CDS, quando alguns pretendiam responsabilizar apenas
o BdP.
Neste
campo, foi ainda aprovada, por unanimidade, a proposta de alteração do BE
sobre as declarações públicas do
Governo e do governador do BdP no momento da resolução, em que
estes “asseguraram que esta decisão não
imporia qualquer ónus aos contribuintes”. Com efeito, de
acordo com o Tribunal de Contas (TdC), estas asserções
“aumentaram a opacidade na comunicação do
impacto da resolução do BES na sustentabilidade das finanças públicas”.
Sobre
o processo de venda do NB ao fundo Lone Star, em 2017, os deputados apontaram
responsabilidades ao primeiro governo de Costa e a implicação de Centeno, então
Ministro das Finanças e atual governador do BdP, no processo. Neste capítulo,
só o PS votou contra. Assim, a versão final inclui a proposta da IL a
acrescentar que “a decisão da venda ao
fundo americano Lone Star coube ao BdP no exercício das suas competências”
– como dizia a versão preliminar – e também “ao Governo”, como se apurou nas audições e a versão final passou a
acolher.
O PSD
também viu aprovada a sua proposta de que a venda contou com “a colaboração do Ministério
das Finanças, que foi sendo informado sobre todo o processo”.
E o BE
viu duas propostas suas terem luz verde: que o Governo de António Costa teve “um papel determinante, tanto nas negociações
com a Comissão Europeia como na decisão final”; e que a “venda do Novo Banco e as suas condições
contratuais – definidas pelo Banco de Portugal e pelo XXI Governo
Constitucional, em linha com as imposições europeias – não permitiram a melhor
a salvaguarda do interesse público”.
Ainda
em relação à venda, PCP, CDS e IL apresentaram propostas de alteração no
sentido de incluir no relatório que a alienação “não assegurou a melhor utilização do erário
público” (PCP) e que “não foi minimizado o seu impacto na sustentabilidade das finanças
públicas nem reduzido o risco moral” (CDS).
Para a IL, o processo de venda não acautelou “da melhor forma a defesa dos contribuintes”.
É de
recordar que, aquando da venda do NB ao Lone Star, foi criado um mecanismo de
capital contingente (CCA) no valor de 3,9 mil milhões de euros
para compensar o banco relativamente a perdas com um conjunto de ativos. Por
conseguinte, no relatório final constará a conclusão de que ninguém – Governo, BdP e FdR, instituições europeias e NB –
assumiu publicamente que o montante ia ser esgotado na quase totalidade, apesar
de todos saberem isso. Por isso, em consonância com os factos
apurados, foi aprovada com o voto contra do PS a proposta do PSD:
“Todos
os intervenientes no processo de venda do NB nomeadamente o Governo, o BdP, o
FdR, as entidades europeias e o NB, sabiam desde o início que o limite de 3,89
mil milhões de euros do mecanismo de capital contingente (CCA) iria ser quase
integralmente utilizado, mas isso nunca foi assumido publicamente”.
Outra
proposta do PSD que foi aprovada por todos, à exceção do PS, é que os contratos
de venda e o CCA, “não obstante terem
introduzido um mecanismo de travão às chamadas de capital, mais não fizeram do
que diluir no tempo a utilização a prestações do limite máximo de capital
disponível” e até criaram “incentivos a um modelo de gestão que otimizasse o recurso a essa verba,
em prejuízo do Fundo de Resolução e dos seus participantes e, por decorrência,
dos contribuintes portugueses”. Segundo o PSD, “houve uma evidente incapacidade do Governo
para impor junto da Comissão Europeia a presença do Fundo de Resolução no
Conselho de Administração do Novo Banco, algo que já estava negociado com a
Lone Star”.
A
gestão do NB tinha dura crítica na versão preliminar, que sai agora reforçada,
nomeadamente em relação à política de atribuição de prémios aos
administradores. A título de exemplo, ressalta que, segundo a proposta do PSD –
aprovada apesar do voto contra do PS e da abstenção da IL – “os prémios de gestão ocorrem quanto
maior for a maximização dos prejuízos ou das chamadas de capital”,
não tendo sido esta situação devidamente acautelada no contrato de venda do NB
à Lone Star. E O PS viu aprovada a proposta de que “a atribuição de remuneração
variável não se afigura compatível com a apresentação de prejuízos”.
***
Em suma, a versão final do relatório, que sobe ao plenário, foi objeto destas
sete alterações:
- A Resolução
do BES em 2014 e a dotação do NB com 4,9 mil milhões foi “uma fraude política” que também “responsabiliza o Governo” de
Passos-Portas e não só o BdP, pois sabiam que o passivo da holding era superior
a 12 milhões de euros.
- As
declarações públicas do Governo e do governador do BdP na resolução assegurando
que não haveria qualquer ónus sobre os contribuintes, asserção que, segundo o
TdC, aumentou a opacidade na comunicação do impacto da
resolução na sustentabilidade das finanças públicas.
- O 1.º Governo
de Costa com “papel determinante” na
venda, pois a decisão “coube ao BdP no
exercício das suas competências” e também “ao Governo”.
- O interesse público não foi
acautelado na venda do NB, que “não assegurou a melhor utilização do erário público”, “não foi minimizado o seu
impacto na sustentabilidade das finanças públicas nem reduzido o risco moral, e o
processo não acautelou “da melhor forma a
defesa dos contribuintes portugueses”.
- Todos os intervenientes no processo de venda do
NB, nomeadamente Governo, BdP, FdR, as entidades europeias e o NB, sabiam desde
o início que o limite de 3,89 mil milhões de euros do CCA seria quase
integralmente utilizado, mas isso nunca foi assumido publicamente.
- Os contratos criaram os incentivos a um modelo de gestão que otimizasse o recurso a
essa verba, em prejuízo do FdR e dos seus participantes e, por decorrência, dos
contribuintes.
- Os prémios de gestão ocorrem
quanto maior for a maximização dos prejuízos ou das chamadas de capital,
não tendo esta situação sido devidamente acautelada nos contratos e não sendo
compatível com a apresentação de prejuízos
a atribuição de remuneração variável.
***
Há relatório final da CPI sobre o NB, apesar da oposição global do
PS, que ilegitimamente quis atribuir ó ónus da venda ao BdP, tendo o PSD
esquecido o papel de Sérgio Monteiro (ex-membro do Governo de
Passos) na venda. Aprovará o PSD o relatório no Plenário, tendo os seus
deputados na CPI reconhecido a fraude política na resolução? Se não, é pena,
pois a CPI fez bom trabalho!
2021.07.28 – Louro de Carvalho
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