A
cada passo, perante situações de índole política que são de lamentar, sugere-se
ou exige-se a demissão do responsável político da tutela do departamento em que
os factos ocorreram, invocando a responsabilidade política, mesmo que não tenha
havido responsabilidade pessoal ou mesmo que que não tenha havido ilícito
criminal da parte do respetivo titular da pasta.
De
quando em quando fala-se do Ministro da Educação, por erros praticados, ora por
ser dado como desaparecido, como se fala da Ministra da Cultura pelo que diz e
pelo que não faz, da Ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança
Social ou da Ministra da Saúde. E o caso em que se tem falado com maior
insistência é o do atual Ministro da Administração Interna, não faltando casos que
se lhe apontem. Este, enquanto governante, tem
estado envolvido em diversas polémicas, nomeadamente: a distribuição de golas
de proteção antifumo feitas com material inflamável pela Proteção Civil; a
morte dum cidadão ucraniano pelas mãos do SEF; a conivência com festejos da
vitória de clube de futebol que reuniu milhares de pessoas em período
pandémico; o alojamento de imigrantes em Odemira no empreendimento turístico
ZMar; a formação de longas filas nas eleições presidenciais de 2020; e,
recentemente, num acidente com carro em que o Ministro viajava que resultou
numa vítima mortal. Neste último caso, com o afloramento de sérias dúvidas
sobre a velocidade do automóvel, a sua situação perante o registo na
conservatória, a falta ou não de sinalização dos trabalhos na autoestrada, etc.
Para lá do seu tardio aparecimento a dar justificações, imputam-se-lhe
contradições e um pouco de quase tudo o que é mau num governante.
Ora,
a apresentação do pedido de demissão por parte do titular dum cargo é
perfeitamente legítima, desde que o titular não se sinta minimamente
confortável para continuar no seu desempenho ou por motivos de força maior. E quem
o nomeou deve exonerá-lo em caso de incapacidade ou mau desempenho.
Tenho,
porém, sérias dúvidas de que a demissão de titular de cargo político signifique
assunção de responsabilidade política pelo que funcionou mal na área abrangida
pela sua liderança. E sei que neste aspeto remo contra a corrente, mas continuo
na minha.
O
juízo político em tempo de governação cabe institucionalmente ao Parlamento,
tal como o prevê a Constituição através da rejeição do programa do governo, da
moção de censura, pela não aprovação de uma moção de confiança (cf
art.º 195.º, n.º 1) ou
pela iniciativa de demissão do Governo por parte do Presidente da República quando
esteja em causa o regular funcionamento das instituições democráticas (cf
art.º 195.º, n.º 2);
e, em eleições, pela apresentação do voto dos eleitores. Isto não impede que os
cidadãos individualmente considerados ou constituídos em associações e
entidades similares usem o direito e dever de crítica devidamente sustentada.
Porém,
isto não funciona: os cidadãos facilmente se desinteressam da política e
refugiam-se na abstenção em eleições, bem como na ausência de crítica
sustentada; os partidos estão enredados no aparelhismo e transportam-no para o
Parlamento e os votos geralmente não correspondem ao pensamento, visão e
vontade de cada deputado; e os governantes raramente escutam as críticas dos
cidadãos, parecendo-me que não será por não as conhecerem, mas por lhes
interessarem, regra geral, muito pouco, pois há casos em que ouvem e são
consequentes com tal audição.
As
demissões revelam, em vez da assunção da responsabilidade política, a
incapacidade de conduzir a respetiva barca, o cansaço, a pressão ou a atração
por outros interesses. Assim, um ministro foi obrigado a pedir a demissão por
ter contado uma anedota imprópria; uma ministra saiu atacada injustamente pela
contaminação de sangue; um ministro demitiu-se por ter feito declarações
impróprias no sentido de que determinadas personalidades mereciam um par de
bofetadas; o António Manuel demitiu-se alegadamente para que o país não ficasse
num pântano; o José Manuel demitiu-se para ocupar um cargo na Europa; o Mário
José demitiu-se para ir governar o Banco de Portugal ou, como dizem alguns,
para não titular a governança das finanças no momento pior da visibilidade dos
resultados da pandemia; e o José Alberto demitiu-se porque se viu enredado em
contradições sobre a gravidade e o conhecimento no caso de Tancos, no atinente
ao furto e à encenação da restituição de materiais furtados. Contudo, uma governante
da administração interna foi imolada pelos incêndios de 2017, mas ficaram
ilesos os seus colegas da agricultura, ambiente e ordenamento do território. E
madame Milu Rodrigues, cuja demissão a oposição política nunca exigiu a sério,
apesar do mal que fez de querer reformar a educação contra os professores, apoiada
nos pais, cumpriu a legislatura “em lume brando”, após o que foi substituída
por madame Alçada, que reverteu em parte o percurso da antecessora.
Como
tenho deixado entender, nutri simpatia por Jorge Coelho e alinho nos elogios
que têm sido levantados à sua personalidade política e humanista. Porém, não
alinho no elogio à sua autodemissão aquando da tragédia queda da ponte, embora
a respeite e a compreenda. Entendo que a responsabilidade política podia levar
o governante à demissão, mas só depois dum processo investigatório em que se
apurassem responsabilidades dos dirigentes dos diversos serviços que deviam ter
intervindo a tempo e se o governante tivesse recusado a alocação de meios
considerados necessários.
Sou
admirador de Bento XVI e penso injusto compará-lo negativamente com o grande
Papa Francisco. Não obstante, admiro-o pelo que disse e tentou fazer. Já,
quanto à sua renúncia ao pontificado, respeito-a e compreendo-a, mas não a
elejo como assunção de responsabilidades; antes a vejo como expressão humilde
da incapacidade em continuar a conduzir com a necessária proficiência a Barca
de Pedro e abrir as portas à oportunidade dum pontificado de proximidade e
revolução mental e atitudinal corporizado por Mario Bergoglio.
***
A
demissão por suposta assunção de responsabilidades contradiz o que se ouvia na
tropa de que o comandante é o último a abandonar o perigo. E dizia-se que, se o
comandante morresse, o comando seria assegurado, ainda que interinamente, pelo
elemento mais graduado na unidade.
No
âmbito da “capitulação injustificada”, o art.º 57.º do Código de Justiça
Militar estabelece a pena de prisão de 15 a 25 anos para “o chefe militar que, em tempo de guerra,
capitular, entregando ao inimigo qualquer força ou instalação militar sob o seu
comando ou cuja defesa, proteção ou guarda lhe estejam confiadas, sem haver
empregado todos os meios de defesa de que podia dispor e sem ter feito quanto,
em tal caso, exigem a honra e o dever militares”. E, no âmbito do “abandono de comando”, o art.º 59.º
prevê pena de prisão doseada conforme as diversas circunstâncias para “o comandante de força ou instalação
militares que, em qualquer circunstância de perigo, abandonar o comando”.
Na verdade,
os militares, enquanto a força e a defesa de cada país, estão sempre de
prontidão para auxiliar a sociedade em guerras, conflitos, combate ao
terrorismo e desastres naturais.
Também
a convenção STCW (International Convention of Standards
of Trainning, certification and Watchkeeping for Seafarers, 1978), da Organização Marítima
Internacional, uma agência das Nações Unidas, estabelece que “é proibido ao
comandante abandonar o navio por maior perigo que a situação ofereça, só sendo
possível em caso de naufrágio e após certificar-se de que é o último a fazê-lo”.
Como em tudo, a norma contempla exceções, pois, “em muitos casos”, a
permanência do comandante no navio, “poderá não ser a decisão mais acertada”,
devendo cada organização adotar políticas de segurança específicas.
Porém,
há outros que devem permanecer em situações de
risco para segurança de terceiros.
Não importando o tamanho do problema que assole um país, é
dever de todo o Chefe de Estado permanecer entre as fronteiras para garantir a
segurança dos cidadãos que representa (desta
vez Marcelo cumpre), tal como o Governo. Na verdade, a lei suprema é a
salvação da república.
De modo análogo devem comportar-se os gestores da
continuidade de negócios que atinjam setores estratégicos, sobretudo se a
desistência implicar a perda de oportunidade de ouro para a comunidade de que
são responsáveis.
No elenco dos que, em situação de perigo, embora tudo devam
fazer para a minimizar, não devem abandonar o posto de trabalho ou devem mesmo
correr para o olho do furacão (ou, pelo menos,
logo depois para garantir que os serviços sejam retomados com rapidez e assim
garantir condições de trabalho para equipas de resgate e hospitais), contam-se
também os diretores técnicos de empresas que prestam serviços básicos, como a
energia e a água.
Por seu turno, os médicos e enfermeiros devem estar onde há
pessoas que precisam de cuidados de saúde. Com isso, é de se esperar que em
regiões onde quase nenhum ser humano gostaria de estar, como em conflito
armado, desastre natural ou epidemia, a demanda por estes profissionais se
multiplique. E um dos exemplos desse cuidado abnegado e arriscado é organização
Médicos Sem Fronteiras. Em média, segundo informações da instituição, a MSF
intervém entre 48 e 72 horas após uma situação de emergência. Atualmente,
mantém cerca de 22 mil profissionais espalhados por 65 países que vivenciam
alguma situação de crise.
Também os
bombeiros, vocacionados a dar “vida por
vida”, e os polícias, como forças de segurança, devem estar na
crista da onda em caso de calamidade. Exemplo deste denodo de bombeiros são os
mais de 300
bombeiros que morreram no atentado dos ataques terroristas de 11 de setembro de
2001 nos EUA, pois, enquanto tentavam resgatar vítimas, lutaram até ao fim para
garantir o maior número de sobreviventes. E, em relação aos polícias, o filme “World Trade Center”, inspirado na
história de John McLoughlin, interpretado por Nicolas Cage e Will Jimeno (Michael
Peña) dá conta da história dos esforços
desses profissionais.
Não devem
também desistir de lugar do perigo, seja em teatro de guerra, seja em foco de
cataclismo ou calamidade, os jornalistas, fotojornalistas e cinegrafistas em
prol do seu dever e direito de informar em resposta ao direito que os cidadãos
têm de receber informação exata e atempada sobre a evolução dos acontecimentos.
Assim, apesar do perigo que envolve a cobertura em área de conflito e guerras,
como na Síria ou no Iraque, é difícil ver jornalista ou fotojornalista
abandonarem o seu posto, pois para a maioria, a informação suplanta o risco.
Recordo como
Paulo Dentinho passou entre balas e bombardeios na queda do regime líbio.
Outros que
não devem sair do olho do furacão são os controladores de tráfego aquaviário e
aéreo. O controlador de tráfego aquaviário está de prontidão para garantir o
fluxo de navios com segurança; e o controlador de tráfego aéreo controla as
rotas de aviões, sendo cada controlador e a sua equipa responsáveis por uma
região. O controlador aquaviário mais próximo
do sinal irá auxiliar no que for preciso, ao passo que o controlador aéreo
presta serviço da terra para auxiliar e orientar aeronaves tanto no ar como no
solo e, além de fornecer informações sobre o tráfego, condições e autorizações
para mudanças de rotas, ajuda a manter o tráfego seguro independente da
ocasião. Estes profissionais estão a postos para garantir a segurança do
tráfego.
Por último, que não menos importante, é de
referir o professor, que na sala de aula
não tem só o papel de educar, mas é também responsável por auxiliar os alunos
se acontecer, por exemplo, um incêndio ou um terramoto na escola. Isso vale
tanto para creches em que os estudantes são meras crianças como para escolas
básicas e secundárias e para faculdades.
***
Quanto
ao atual Ministro da Administração Interna (MAI), embora seja compreensível a sua
hipotética demissão, não sei se resolveria os problemas que avultam no seu Ministério.
Penso que apenas resultaria em punição do governante sem que os responsáveis no
terreno fossem processados (disciplinarmente e/ou criminalmente), julgados e eventualmente
condenados. De certeza que não compaginaria uma assunção de responsabilidades,
antes a não resistência à pressão. Por isso, o que se deve exigir a este nível é
que o MAI faça tudo o que estiver ao seu alcance para que se apurem todos os
factos em causa e respetivos responsáveis nas diversas ocorrências que têm sido
mencionadas e se promova a respetiva sanção disciplinar e/ou criminal, bem como
se exonerem dos cargos os que neles estão em comissão de serviço em caso de mau
desempenho. Além disso, deve levar a que os lesados pelos serviços que tutela
ou pelos casos ocorridos sejam compensados na justa e possível medida. Só depois
é que deve concluir se tem ou não condições políticas para continuar ou para
sair.
No
atinente ao autarca de Lisboa, para lá do que escrevi há dias, a receita é análoga
ao do MAI. Porém, dado o exíguo tempo que falta para o termo do mandato, a
demissão neste momento não passaria dum ato político simbólico e até poderia
concitar uma vaga de fundo em torno dele. Portanto, o mais prudente é aguardar
pelo debate eleitoral e naturais resultados.
Quanto
à exoneração do responsável pela proteção de dados, a sua exoneração do cargo
em que certamente está colocado em comissão de serviço (não
a exoneração do posto de trabalho na sua carreira), é perfeitamente consentânea com
o momento.
Já
quanto à extinção do gabinete de apoio à presidência, por onde passava, pelos
vistos, a comunicação indevida de dados pessoais, uma vez que é formado por
pessoas da inteira confiança do presidente, é de perguntar para que precisa de
inimigos o Dr. Fernando Medina?
2021.07.02 – Louro de Carvalho
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