segunda-feira, 12 de julho de 2021

A saga da insigne apóstola da Cruz do Redentor

 

Vi algumas imagens da Festa de Santa Helena no monte com o seu nome sobranceiro à cidade de Tarouca, como olhei uma reportagem do arquivo da RTP sobre a festa presidida in illo tempore (década de 60) por Dom Américo Henriques, ao tempo Bispo Coadjutor de Lamego (foi bispo residencial da diocese apenas um ano e meses). E deu-me para escrever sobre Santa Helena.

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Flávia Júlia Helena – conhecida como Helena Augusta, Helena de Constantinopla e Santa Helena da Cruz ou simplesmente Santa Helena – nasceu no ano de 255, na Bitínia (norte da Turquia e junto ao Mar Negro), duma família plebeia de Depranon. No tempo da juventude trabalhou numa pensão até conhecer Constâncio Cloro, oficial do exército romano, com quem se casou.

Fruto desse casamento surgiu, em 285, Constantino, futuro Imperador, que se tornou consolo da mãe quando Cloro a deixou para casar com a princesa Teodora e governar o Império Romano. Por óbito do pai, o filho, que avançava na carreira militar (mercê da coragem e inteligência), sucedeu-lhe na função imperial e, graças à vitória obtida às portas de Roma, tornou-se Imperador.

Na verdade, ao pôr do sol de 27 de outubro de 312, Constantino viu no céu, sobre a Ponte Mílvio, as letras X (khi) e P (rho) do alfabeto grego e, junto com elas, uma cruz com a inscrição em latim: “In hoc signo vinces(“Com este sinal vencerás“). Dois símbolos cristãos – a cruz e as letras X e P, pronunciadas respetivamente “kh” e “r” – as duas primeiras letras do nome de Cristo em grego. Constantino mandou gravar o símbolo nos escudos dos soldados e, no dia seguinte, derrotou Maxêncio e tornou-se o único imperador no Ocidente. E, em 313, promulgou o Édito de Milão, em 313, tornando legal, por tolerância, em todo o império o cristianismo, que até então era clandestino e perseguido. E foi ele, tornado o primeiro imperador cristão, quem edificou a cidade de Constantinopla, a nova capital cristã do império, inaugurada em 328.

Depois daquela batalha, Helena – convertida ao Cristianismo antes ou então impressionada pelo fulgor celeste que precedeu o dia da batalha, mostrando a cruz e o monograma de Cristo – partiu para Jerusalém para em demanda da Cruz em que o Senhor Jesus foi crucificado no Gólgota.

Lá cuidou de destruir a imagem de Vénus, em mármore, que os gentios haviam colocado no lugar da Cruz para apagar a memória da Paixão de Cristo Senhor e que ali permanecera durante cerca de 180 anos. O mesmo fez no presépio do Salvador, onde fora posto um simulacro de Adónis, e no lugar da ressurreição, onde haviam colocado um de Júpiter.

Purgado o local da Cruz, foram encontradas, depois de profundas escavações, três cruzes e, à parte delas, o letreiro que havia sido posto sobre a Cruz do Senhor, escrito em hebraico, grego e latim (Jesus Nazareno Rei dos Judeus). Como não se sabia sobre qual das três teria sido afixado, um milagre sanou a dúvida. Macário, Bispo de Jerusalém, tendo elevado preces a Deus, levou cada uma das cruzes a três mulheres que sofriam de grave enfermidade e, enquanto as demais de nada serviram às mulheres, a terceira Cruz, levada à terceira mulher, curou-a imediatamente.

Helena, tendo encontrado a Cruz da salvação, construiu ali uma igreja magnificentíssima, em que depositou parte da Cruz em urnas de prata, entregando outra parte a Constantino, seu filho, juntamente com os cravos que trespassaram o Santíssimo Corpo de Jesus Cristo, o que ele levou para Roma, para a igreja da Santa Cruz de Jerusalém. Por conseguinte, Constantino sancionou uma lei para que ninguém mais fosse condenado ao suplício da cruz. E o que antes era castigo e maldição para os homens passou a ser troféu de glória e objeto de veneração. Assim, Flávia Júlia Helena (que o imperador Constantino, mais tarde, fez Augusta) tornou-se a fervorosa e religiosa Helena da Cruz e, sob o Édito de Milão, que deu liberdade à religião cristã, tendo achado a Cruz de Jesus, ajudou a Santa Igreja, a qual, saindo das catacumbas, pôde evangelizar e, com o auxílio de Santa Helena, construir basílicas nos lugares santos e em muitos outros lugares.

Faleceu em 327 ou 328 (há quem diga entre 330 3 335) em Nicomédia (Turquia), pouco depois da visita à Terra Santa. Os seus restos foram trasladados, em 1777, para Roma, onde se vê, no Museu Pio Clementino, dentro dos Museus Vaticanos, o sarcófago de pórfiro que os contém. O sarcófago tem gravadas cenas de batalhas dos romanos contra os bárbaros e um par de leões.

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Antes da reforma do calendário litúrgico prescrita pelo Vaticano II, celebrava-se a festa da Invenção da Santa Cruz, a 3 de maio, data evocativa do achamento da verdadeira Cruz (Vera Cruz) do Senhor por Santa Helena, mas data simbólica porque é controversa a data histórica em que foi identificada a “Vera Cruz“, como foi chamada a verdadeira Cruz em que Jesus foi morto no Gólgota. Com a predita reforma do calendário, o achamento celebra-se com a Exaltação da Santa Cruz, a 14 de setembro, que estava subalternizado, mas que tem suporte bíblico.

Quanto a Santa Helena, a sua memória litúrgica é celebrada a 8 de agosto. O atual calendário litúrgico não lhe reserva explicitamente um lugar, mas legitima a memória e até a festa da Santa ao abrigo do martirológio romano. Com efeito, a mãe do imperador Constantino é conhecida por encontrar a que, segundo a tradição, era a Cruz em que Jesus Cristo morreu, além de outras relíquias relacionadas ao Senhor. Muitas dessas relíquias encontram-se em países como Itália, Espanha e Alemanha.

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Segundo a tradição, Helena era muito bela e foi este o atributo que atraiu o famoso general e tribuno romano Constâncio Cloro, quando a viu enquanto percorria a região. Assim, Constâncio

apaixonou-se por Helena e casou com ela por volta do ano de 270, do que resultou um filho, ao qual chamaram Constantino.

Tinham anos de casamento, quando o imperador Maximiliano ofereceu a Constâncio o ensejo de ser nomeado seu mais próximo colaborador, mas com a condição de repudiar Helena e casar com a sua filha Flávia Maximiana Teodora. E, motivado pela ambição, Constâncio repudiou a esposa, que sofreu por este abandono durante 14 anos, nos quais se converteu ao cristianismo.

Após a morte de Constâncio Cloro, Constantino foi proclamado pelo exército imperador de Roma. Embora pagão como o pai, o jovem tinha sido instruído pela mãe nos fundamentos do cristianismo. Entretanto, sente-se tocado quando, antes da batalha na região entre Saxa Rubra e Ponte Mílvio, vê uma Cruz com uma legenda “Com este sinal vencerás”. No dia seguinte, leva uma Cruz para o combate e exclama: “Confio no Cristo em quem minha mãe Helena crê”.

Após a vitória, Constantino decretou a livre profissão da religião católica. Assim, terminaram três séculos de sangrentas perseguições contra os cristãos.

Constantino amava muito a mãe e, por volta do ano 325, outorgou-lhe o título de Augusta ou imperatriz. Além disso, mandou fazer moedas com a imagem dela e deu-lhe plenos poderes para utilizar o dinheiro do governo nas boas obras que quisesse. E foi com o seu apoio que Helena viajou para a Terra Santa para buscar as relíquias relacionadas diretamente com Jesus Cristo.

Santo Ambrósio conta que, apesar de tão alta dignidade, Helena se vestia com simplicidade, ficava entre os pobres para os ajudar e era notória a sua intensa vida de piedade.

Quem nos refere também o episódio referido supra sobre o encontro das três cruzes e a identificação da Vera Cruz do Senhor são os Padres da Igreja São João Crisóstomo e Santo Ambrósio. Porém, com uma variante em relação ao relatado. Levaram até ao Monte Calvário uma mulher agonizante e, ao tocá-la com duas das cruzes, ela piorou. Mas, ao tocá-la com a terceira cruz, a enferma recuperou instantaneamente. Assim, Helena, o Bispo de Jerusalém, Macário, e milhares de fiéis levaram a cruz em procissão pelas ruas da cidade.

Mais se diz que esta insigne apóstola da Cruz encontrou outras relíquias de Jesus: os cravos que Lhe perfuraram mãos e pés, o “Titulus Crucis”, uma parte da túnica que usou antes de ser crucificado, um fragmento da manjedoura onde Ele repousou e a Escada Santa (por onde subira para o julgamento por Pôncio Pilatos). Também recuperou as relíquias dos Reis Magos e descobriu o túmulo onde Jesus Cristo foi sepultado. Por isso, na Terra Santa, mandou construir três templos: um no Calvário, outro no Horto das Oliveiras e o terceiro em Belém.

Diz a tradição que, para proteger seu filho Constantino nas batalhas contra os bárbaros, Helena colocou-lhe um dos cravos de Jesus no capacete e outro no cavalo.

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A vida de Helena e de Constantino merece algumas anotações.

Com o casamento de Cloro com Teodora, parente do imperador Maximiano, Helena passou para segundo plano, mas cuidou da educação do filho e criou grandes e fortes laços relacionais com ele, que, por sua vez, crescia no exército romano mercê da sua coragem e inteligência.

Por morte de Cloro, Constanti­no, filho dele e de Helena, foi aclamado Augusto Imperador Romano no ano 306, na região inglesa de York, através das legiões da Bretanha, pelo importantíssimo facto de Constantino ter vencido a batalha. Assim, Helena voltou a viver na corte e recebeu do filho o título de “Mulher Nobilíssima”. Depois, ainda recebeu a mais alta honra que uma mulher po­deria receber em Roma, o título de “Augusta”, a par da sua esposa Flávia Máxima Fausta.

Com Helena e Constantino, começou um novo tempo para o cristianismo. Com efeito, a disputa bélica entre Constantino e Maxêncio estava a correr de feição a Maxêncio. Constantino, porém, con­trário às perseguições contra o cristianismo, teve a visão da cruz brilhante no céu com a inscrição: “Com este sinal vence­rás. Por isso, mandou pintar as bandeiras e estandartes do seu exército com esta cruz e venceu. Este acontecimento causou a conversão de Constantino e, pelo menos, consolidou a de Helena. Constantino ordenou o fim das perseguições contra os cristãos, através do famoso “Edito de Milão”, em 313. Graças ao Édito, o cristianismo passou a ter os mesmos direitos que as outras religiões. E, em 380, pelo Édito de Tessalónica, o imperador Teodósio fez do cristianismo a religião oficial do Império Romano, proibiu os cultos politeístas e encerrou os templos pagãos.

Ao contrário do filho Constantino, que só se batizou perto da sua morte, Helena quis ser batizada e assumir a fé cristã, pelo menos, desde que o filho venceu a batalha contra Maxêncio. E, ao longo da vida mostrou grande fervor, que sobressaía na prática da fé, nas grandes obras assistenciais e na construção de várias igrejas em lugares santos.

Helena procurou instruir-se na fé cristã e mostrou grande piedade ao longo de sua vida. Por isso, Constantino recompensou os seus méritos e deu-lhe o título honroso de “Augusta”. Além disso, mandou cunhar moedas com a imagem da rainha sua mãe. Helena, por sua vez, dedicou toda a sua influência e ações na proteção da fé cristã, que emergia das catacumbas para o tempo da liberdade. O maior desejo de Helena era visitar a Terra Santa. E, apesar da idade e das agruras da viagem, conseguiu realizar o sonho, visitando os luga­res santos, promovendo o culto e mandando construir igrejas na Palestina. Depois, acompanhou as es­cavações iniciadas em Jerusalém pelo bispo São Macário e acharam o Santo Sepulcro escavado na rocha, a Cruz de Jesus e as duas cruzes dos ladrões. O facto causou grande conforto para todos os cristãos. E, entusiasmada com este acontecimento, mandou que procurassem a gruta do nascimento de Jesus e o lugar sobre o Monte das Olivei­ras onde Jesus falou com os discípulos antes da Ascensão. Depois dessas descobertas, dedicou-se à construção de outras igrejas. Uma delas, que fica no monte das Oliveiras, recebeu mais tarde o nome de Santa Helena.

Após ter algumas visões, Helena viveu a felicidade de proporcionar o reencontro da verdadeira Cruz de Cristo. Este acontecimento levou à instituição da festa litúrgica da Santa Cruz. 

Essa descoberta de Helena é atestada pelos escritores Sulpicius Severus e Rufinus, no século IV. Alguns pedaços da cruz ficaram em Jerusalém e outros foram levados para Roma. Alguns desses fragmentos foram distribuídos em várias igrejas. O desejo de Helena era que a cruz estivesse em toda a Igreja. Assim se disseminaram as cruzinhas com o relicário contendo um pedacinho da Vera Cruz do Senhor, objeto vulgarmente designado por “Santo Lenho”. 

Também era grande a generosidade de  Helena. Ajudava as pessoas e comunidades inteiras, sendo os pobres o objeto especial deste seu grande e generoso amor. Visitava igrejas e comunidades fazendo grandes doações. Mandou construir a Basílica da Natividade, em Belém, e a Basílica da Ascensão de Jesus, no Monte das Oliveiras. Ajudou na construção de mosteiros e ela própria vivia num convento na Palestina, participando com grande devoção em todos os exercícios de fé e piedade.

Pressentindo a morte, Helena voltou para perto do filho Constantino e faleceu em 330 (a data mais aceite), aos 80 anos. O seu corpo foi trasladado para Constantinopla e colocado na cripta da Igreja dos Apóstolos. Mais tarde, os seus restos mortais foram transferidos para a Abadia de Hautvillers, em Reims, França, em 849. E hoje estão em Roma, no Vaticano, como se disse.

Passou a ser venerada como santa logo após a sua morte, veneração que se expandiu para o Ocidente. Uma ilha do Oceano Atlântico chamada “Santa Helena”, tem este nome porque João da Nova, navegador galego ao serviço de Portugal, e companheiros a encontraram no dia da festa de Santa Helena, a 18 de agosto de 1502.

Na iconografia Santa Helena aparece vestida como rainha, segurando a cruz ou indicando o local da Cruz; ou com a cruz, que lhe foi revelada em sonhos; ou supervisionando a procura da Cruz; ou, ainda, como uma senhora medieval, tendo uma cruz e um livro ou segurando a cruz e os cravos. A Igreja sempre a venerou e Lhe será grata pela decisiva participação a favor da liberdade da religião cristã.

Fazem bem os cristãos de Tarouca e arredores em festejar, juntamente com a mole de peregrinos e romeiros, Santa Helena neste belo mês do verão (janeiro tornar-se-ia difícil) juntamente com a Virgem das Dores, Senhora de ao pé da Cruz, a grande testemunha do martírio cruento do Redentor no Gólgota e mãe de todas as mulheres sofredoras dando-lhes a esperança de ultrapassarem o sofrimento.

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Ainda dizem que as mulheres não têm peso político e eclesial… Qual não têm?! Deem-lhes oportunidade e queiram elas!

2021.07.12 – Louro de Carvalho

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