sexta-feira, 23 de julho de 2021

Debate sobre o Estado da Nação marcado pelo contexto pandémico

 

A Assembleia da República (AR) debateu, na tarde de 21 de julho, o Estado da Nação relativo à 2.ª Sessão Legislativa da XIV Legislatura, que foi transmitido em direto pelo Canal Parlamento. ​

Este debate, de política geral – criado em 1992, durante a maioria absoluta do PSD de Cavaco Silva, mas iniciado a 1 de julho de 1993 – que se realiza em data a fixar por acordo entre o Presidente da AR e o Governo, numa das últimas dez reuniões plenárias, inicia-se com uma intervenção do Primeiro-Ministro (tem até 40 minutos), com perguntas dos grupos parlamentares e dos Deputados únicos representantes dum partido, seguindo-se o debate encerrado por um membro do Governo (que dispõe de 10 minutos) designado pelo Primeiro-Ministro.

Em ano difícil, marcado pela pandemia, foi destacado pela positiva o plano de vacinação contra a Covid-19 e todos profissionais que se empenharam no combate à crise sanitária; e, entre os aspetos negativos, as oposições consideraram o desgoverno e o desgaste do Executivo, as decisões tardias e os apoios que nunca chegaram a famílias e empresas e ao SNS.

A ordem de intervenção dos parlamentares foi: PSD, PS, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, Chega e Iniciativa Liberal. O primeiro pedido de esclarecimento de cada força política pôde durar 5 minutos. Os restantes puderam prolongar-se por 2 minutos. Rui Rio esteve ausente por causa da morte de um familiar próximo.

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Costa começou por dizer que o país está na corrida contra o tempo entre vacinação e sucessão de novas variantes”, mas que se têm cumprido as metas, de modo que em meados de agosto 73% da população adulta terá a vacinação completa. E, embora se aguarde decisão da DGS, há condições para vacinar as crianças e jovens com mais de 12 anos, ainda antes do ano letivo (570 mil crianças e jovens), para que este se inicie sem risco de interrupções.

O Governo quer para os próximos dois anos letivos um plano com maior autonomia pedagógica das escolas e aumentar o número de professores e técnicos especializados, no apoio a alunos com mais dificuldades (investimento de 900 milhões de euros). E pretende “recuperar as aprendizagens resultantes da suspensão das atividades letivas presenciais”, devido à pandemia.

Porém, não podemos ficar-nos no combate à pandemia. Por isso, o PRR será focado, na área da saúde, no reforço dos programas de saúde mental e oral, dos meios complementares dos centros de saúde e das camas de cuidados continuados. E o Primeiro-Ministro salientou a necessidade de regular o teletrabalho e o trabalho em plataformas digitais e combater a enorme desproteção social que a precariedade acarreta, pois todo o trabalho tem de ser reconhecido e valorizado e ter proteção e dignidade. E criticou as empresas de trabalho temporário que, sendo instrumento de flexibilidade, “não podem ser instrumento de precarização das relações laborais”.

No plano económico, o Chefe do Governo salientou a importância do PRR e do programa PT2030, o que dá “40 mil milhões de euros ao serviço da transformação da nossa economia”. E, tendo o nosso PRR sido o primeiro aprovado na UE, já estão lançados alguns concursos e celebrados alguns protocolos. Com efeito, o desafio é recuperar da crise pandémica e resolver “os problemas estruturais” do país. Depois, o Primeiro-Ministro abordou a “nova geração de políticas de habitação”, com um “parque público de habitação para arrendamento a custos acessíveis”, para ajudar os mais jovens e assegurar habitação condigna às famílias, realojando 36 mil famílias até ao dia 25 de abril de 2024”. Frisou a aposta no tecido empresarial tentando aproximar o lado empresarial da ciência, bem como no empenho em reforçar competências nos campos de agricultura e mar e no apoio à formação de jovens. Assim, vão ser apoiados 30 mil jovens em cursos profissionais nas áreas emergentes e em cursos superiores.

No quadro do combate às alterações climáticas, António Costa destacou a aposta na mobilidade sustentável e eficiência energética dos edifícios, com investimentos “sem precedentes”, até porque são “as duas principais fontes de emissões de CO2” do país.

Quanto à coesão territorial, elogiou o reforço dos portos e “a maior compra de comboios da história da CP”.

E terminou com o balanço de um ano e meio de luta contra a covid-19. Se, há um ano, “o estado da nação era o de uma nação em luta”, agora estamo-nos a reerguer com a dor do luto e com as cicatrizes dos sacrifícios de todos, mas “determinados a construir um país melhor, mais resiliente e mais preparado para vencer os desafios do futuro”. E o Primeiro-Ministro louvou os esforços dos profissionais de saúde e o empenho de professores, alunos e famílias, e de todos os trabalhadores que estiveram na linha da frente e assegurou que agora “é tempo de olhar em frente e pôr mãos à obra, para responder às prioridades e superar os desafios”.

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Seguiu-se a troca de galhardetes críticos entre as oposições e o Chefe do Governo, com este a responder a maior parte das vezes ad hominem e os deputados do PS a porem o pescoço no cepo pelo Governo.

Assim, a título de exemplo, é de recordar que o PSD, acusando Governo de estar gasto, diz que não tem mão para erguer o país, que houve desinvestimento no SNS e falta apoio às empresas, ao que o Governo contrapôs a política de saúde deste partido e, comparativamente com o tempo da troika, assinalou mais de 5 mil milhões de apoio às empresas (contra o zero de então) e uma taxa de desemprego de 7,1% (contra os mais de 18% de então). E enfatizou que mesmo os dinheiros alocados ao Estado central e aos municípios revertem, na maior parte dos casos para as empresas, pois são elas que executam as obras que as entidades públicas põem em programação.  

O BE acusou a direita de estagnação e questionou o Governo sobre as leis laborais e o reforço do SNS, dando a entender que o Governo estava a dar os apoios já anteriormente previstos, mas agora a pretexto da bazuca – questões que António Costa relativizou e a que opôs a política definida e seguida Executivo.

Também o PCP questionou o Governo sobre salários em via de congelamento, vulnerabilidades laborais e ameaças de despedimento, ao que António Costa respondeu com a permanente atenção do Governo a estas questões, referindo que não quer congelar salários e que aposta no trabalho digno, como preconiza o PCP no seu projeto de lei em discussão na especialidade.      

O CDS agitou o caso da festa do Sporting mencionando o despacho de autorização do MAI com conhecimento ou à revelia de Costa, que disse não conhecê-lo, como acusou o Governo de executar mal o PRR, o que o Primeiro-Ministro desmentiu.

O PAN questionou o Governo sobre os apoios sociais, as alterações climáticas, a corrupção e o bem-estar animal, o que o Primeiro-Ministro respondeu convenientemente.  

Entre outras coisas, o Chega criticou a atuação do Ministro da Administração Interna, sublinhando a inépcia do Ministro, que esteve mudo e saiu calado, e a passividade do Primeiro-Ministro que, perante as críticas de seus ministros fragilizados, foge como o para-raios. E Costa contrapôs com o aumento da segurança no país e mostrou-se espantado como, no meio deste clima que o deputado vê tempestuoso, consegue pôr um para-raios a fugir.

Obviamente que os ataques e as defesas continuaram com Governo e PS a tentar pôr no lugar a direita, mormente a bancada socialdemocrata sob os rótulos de estagnação e falta de empenho.    

Destaco a intervenção do deputado do PS Capoulas Santos, que elogiou o desempenho da presidência portuguesa da UE realçando o encerramento de “dossiês” importantes durante a mesma e apontando nomeadamente para a Cimeira Social do Porto, o certificado digital de vacinação e a aprovação dos primeiros PRR. E declarou:

Todos elogiaram a presidência portuguesa tantas vezes subvalorizada e até mesmo denegrida por alguns em Portugal”.

Por seu turno, o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, Pedro Siza Vieira, recordou como nos últimos meses se disse que “o colapso do país está iminente e que o Governo está esgotado”, sendo que, neste debate, se voltaram a ouvir discursos desse teor.

Ainda que não se possa negar “o impacto adverso desta pandemia”, o Ministro ironizou que “agora o que anuncia o apocalipse é o fim das moratórias” como “a nova Barca do Inferno da economia portuguesa”. Porém, salientou os apoios já dados (“o Governo foi sempre estendendo apoios, já renovámos apoios a atividades encerradas como os de animação noturna”) e afirmou que é preciso continuar a trabalhar, “não lamentando os tempos”, referindo que três milhões de pessoas beneficiaram dos apoios sociais, tendo sido isso que permitiu que o consumo privado crescesse.

Siza Vieira assumiu que o objetivo do Governo “não era eliminar o impacto da crise”, mas sim permitir que as empresas conseguissem responder à procura quando ela acontecesse.

Depois, destacou a performance do Governo, sobretudo na renovação dos apoios às atividades que se encontram encerradas, nomeadamente as de diversão noturna, e “as exportações de bens aumentaram a competitividade”.

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O encerramento do debate coube ao Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, que, entre outros itens, abordou a problemática da revisão constitucional e do sistema eleitoral, que o PSD propõe, e acusou a oposição em termos de conjunto de ser “preguiçosa” e sem alternativas políticas. E disse:

O maior partido da Oposição mostra-se coerente em dois pontos críticos do equilíbrio constitucional: um é o desejo de reduzir perdas eleitorais através da mudança ad hoc do sistema eleitoral e à custa da representação dos pequenos partidos e das regiões de baixa densidade; o outro é a permanente fixação em pôr em causa a independência do nosso poder judicial.”.

Para Santos Silva, a atual conjuntura não permite equívocos nas prioridades, pelo que bradou:

O tempo não é de questionar a Constituição, mas de cumprir a Constituição. O tempo não é de trazer para o debate político as questiúnculas, mas sim os problemas. Não é de assimilar a agenda populista ou normalizar o discurso de ódio, é sim de construir soluções políticas capazes de apoiar e acelerar a recuperação nacional.”.

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O debate parlamentar do Estado da Nação fez-se, embora com as limitações habituais da guerrilha partidária. Falta, porém, fazer-se o debate eficaz no tecido social e na malha empresarial e, sobretudo, importa que o país se reerga desta crise sistémica e cresça, cresça, cresça de forma sustentável. Na verdade, não é admissível que os deputados e os líderes das associações sindicais e empresariais não leiam demoradamente o PRR. Pois que o façam, para maior conhecimento e melhor execução, como recomendou o Primeiro-Ministro a um determinado deputado das oposições. Não sei se a recomendação se deve estender aos deputados que apoiam o Governo…

2021.07.23 – Louro de Carvalho   

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