quinta-feira, 15 de julho de 2021

Após a alta hospitalar do Papa, economia vaticana sobre rodas

 

Sua Santidade recebeu alta, a 14 de julho, após o internamento na Policlínica Gemelli em que foi submetido a uma cirurgia. E, antes de regressar ao Vaticano, foi até à Basílica de Santa Maria Maior rezar diante do ícone mariano da “Salus Populi Romani” para agradecer o bom êxito da operação. Enquanto isso, viu-se na sua conta do Twitter um agradecimento por todas as orações e as manifestações de afeto recebidas nos dez dias em que esteve internado.

No comunicado da Sala de Imprensa da Santa Sé, além do pensamento do Santo Padre nos doentes e nos profissionais da área de saúde, especifica-se que Francisco rezou de modo especial pelos pacientes que encontrou na Policlínica durante a sua convalescença. E entre estes pacientes, estão as crianças da Unidade de Oncologia Pediátrica. A comunicação entre eles começou através duma mensagem enviada pelo Papa aos pequenos, que responderam com um desenho, acompanhado dum bilhete:

Ouvimos dizer que não está muito bem e que agora se encontra no nosso hospital. Embora não possamos ver-nos, nós enviamos-lhe um forte abraço e desejamos-lhe uma rápida recuperação.”.

O encontro pessoal ocorreu dias depois e foi feito em público durante o Angelus dominical. Na ocasião, o Papa falou sobre o mistério da dor e da doença nas crianças frisando que o porquê de elas sofrerem é uma pergunta sem resposta.

Contudo, com os boletins diários que comunicavam um progresso na recuperação, a presença do Santo Padre no Gemelli se transformou aos poucos em ocasião para manifestar proximidade a todos os enfermos. “Que ninguém fique só”, foi o seu apelo, unido ao pedido de que todos tenham acesso a serviços de saúde gratuitos.

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Entretanto, foi publicitado, neste dia 15, o Relatório ASIF 2020, segundo o qual aumenta o rigor da instituição vaticana. É um extenso relatório sobre as atividades realizadas no ano passado, com a análise pormenorizada e o julgamento positivo da Moneyval (Comissão de Peritos em Avaliação de Medidas de Combate à Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo) na luta contra a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, produzido pela ASIF (Autoridade de Supervisão e Informação Financeira).

De acordo com o documento, a Santa Sé posiciona-se entre as jurisdições mais virtuosas em algumas áreas, como a financeira, e na luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Por outro lado, destaca-se a eficácia da cooperação no âmbito interno e no âmbito internacional. Houve 89 assinalações de atividades suspeitas em 2020 e 16 relatórios enviados ao Escritório do Promotor de Justiça. Foram feitos 49 pedidos de informação a outras autoridades do Vaticano, referentes a 124 itens, sinal de “crescimento significativo em relação ao ano anterior, a confirmar as consideráveis sinergias criadas entre as instituições da Santa Sé e o Estado da Cidade do Vaticano na luta contra atividades criminosas”.

Graças a dois protocolos internacionais de entendimento com a cooperação ativa das forças de investigação do Vaticano, a ASIF fez 58 pedidos de informação a UIF (Unidades de Inteligência Financeira) estrangeiras sobre 196 quesitos e enviou 19 comunicações espontâneas sobre 104.

O Relatório indica uma diminuição progressiva no uso de dinheiro em espécie no Vaticano, tendência que se deve também à disponibilidade de outros sistemas de transferência de fundos realizados pelo IOR (Instituto para as Obras de Religião), incluindo o circuito SEPA (área de pagamentos unitários em euros: 36 países), que garante melhores padrões de segurança e rastreabilidade. Levou em conta as avaliações da Moneyval sobre o funcionamento eficaz do sistema de prevenção e combate ao financiamento do terrorismo. O julgamento final recompensa a seriedade e o rigor da abordagem seguida pela Santa Sé e pelo Estado da Cidade do Vaticano. Dos 11 critérios examinados, não houve nenhum com avaliação de “baixa eficácia”. “Eficácia substancial” é menção para 5 áreas como a cooperação internacional ou as medidas preventivas; e “eficácia moderada” para as outras 6 áreas. O quadro positivo levou a Moneyval a decidir que a próxima avaliação dos progressos no cumprimento das ações sugeridas pelos especialistas ocorrerá daqui a 3 anos e a da eficácia daqui a 5, através de novas inspeções.

O Relatório 2020 segue o caminho da “absoluta transparência das atividades institucionais do Estado da Cidade do Vaticano”, no dizer do Papa Francisco na abertura do 92.º Ano Judiciário. Boas práticas, exemplares, “como se impõe a uma realidade como a Igreja católica”.

Deste Relatório 2020 vem um resumo elucidativo em textos, quadros e gráficos, no Boletim da Sala de Imprensa deste dia 15 de julho.

Espera-se que este seja um tempo de rutura irreversível com um passado de bruma económica-financeira no Vaticano com desmandos encobertos nesse ambiente nebuloso.

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A este propósito, é de relevar que a Sala de Imprensa da Santa Sé noticiou a conclusão, neste dia 15, da reunião do Conselho para a Economia, que teve início na tarde do dia 14.

Foi presidida pelo Cardeal Marx e teve em mãos a aprovação do balanço 2020, tendo sido abordado também o tema da política de investimentos da Santa Sé e marcado o próximo encontro para setembro.

O Padre Juan Antonio Guerrero Alves, prefeito da Secretaria para a Economia, apresentou o balanço final para 2020 da Santa Sé, que mereceu aprovação, e houve espaço para a reflexão sobre a política de investimentos da Santa Sé, moderada por Eva Castillo Sanz.

Participaram no encontro o presidente do Conselho para a Economia, Cardeal Reinhard Marx, o secretário, Mons. Brian Edwin Ferme, e alguns membros do Conselho, incluindo os cardeais Erdö, Arborelius, Tobin e Petrocchi. Os cardeais Napier, Odilo Scherer e Lacroix também participaram online a partir dos respetivos países. Estiveram ainda presentes o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin, e o auditor geral, Alessandro Cassinis Righini.

À noite, no final da sessão do dia 14, o Cardeal Marx celebrou a missa para os presentes.

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A par de notícias sobre as finanças, destaca-se a masterclass (aula magistral) que a Economia de Francisco organizou para este dia 15, em parceria inédita com o Fórum Mundial da Alimentação (WFF – World Food Forum).

Trata-se dum evento moderado pela brasileira Mariana Reis Maria para analisar o conceito de “ecologia integral”, com o testemunho de duas lideranças indígenas, dirigido a jovens economistas, empresários e agentes locais de transformação.

Realizada em modalidade online, a masterclass articula-se a partir do testemunho de duas lideranças indígenas da América do Sul: Ingrid Gómez Neuque (Neukye Guate), representante da Organização Nacional Indígena de Colômbia e membro da Comissão da Verdade; e Patrícia Gualingua, representante das mulheres Sarayaku, povos indígenas da floresta equatorial. Também participa Diego Perez, porta-voz da Economia de Francesco e cofundador.

A moderação é, como se disse, da brasileira Mariana Maria, segundo a qual, por se tratar do primeiro de uma série de eventos do género, a ideia é oferecer uma perspetiva geral do que é a “Economia de Francisco” – movimento de jovens, inspirado pelos conceitos do Papa Francisco para humanizar o mundo das finanças.

A sua finalidade é falar da ecologia integral do ponto de vista da Economia de Francisco, baseado no conceito apresentado primeiramente na “Laudato Si” e, posteriormente, na “Fratelli Tutti”, estando tudo interligado.

A partir das duas apresentações, haverá grupos de discussão divididos em quatro temas: energia/pobreza, cultura/justiça, mulheres para economia, trabalho/cuidado. 

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No quadro duma economia integral para uma sociedade humanizada e inclusiva, há que “tutelar e promover o trabalho rural digno”. É o que sustenta a Missão Permanente da Santa Sé junto de várias organizações internacionais e outras ONG de inspiração católica, que afirmam que o trabalho rural digno é um ponto central para uma sociedade mais inclusiva.

Segundo a abordagem de Debora Donnini no “Vatican News”, há muito sofrimento decorrente do trabalho precário, do trabalho forçado e do desemprego de jovens. Por isso, o tema do trabalho rural digno está no centro da Agenda 2030 da ONU e foi abordado nos últimos dias no seminário web “Trabalho digno e agricultura: para que ninguém seja deixado para trás”, em que participaram várias personalidades, tendo as conclusões sido confiadas a Dom Fernando Chica Arellano, Observador Permanente da Santa Sé junto de FAO, IFAD e PAM.

O tema do trabalho digno, intimamente ligado a um crescimento económico mais inclusivo, constitui uma questão particularmente próxima do coração da Igreja e o centro da sua doutrina social, sendo que o Papa Francisco, nas suas intervenções sobre a temática do trabalho, atribui à palavra ‘dignidade’ um profundo significado: “gerar, promover e acompanhar processos que dão origem a novas oportunidades de trabalho digno, especialmente para os jovens”.

Em referência ao setor agrícola, a Santa Sé está convicta da necessidade de adotar uma cultura de trabalho agrícola baseada na centralidade da pessoa humana, visto que a real proteção dos direitos dos trabalhadores torna possível o apoio a uma cadeia agroalimentar justa, sobretudo para os pequenos produtores, gerando o bem-estar nas comunidades locais e promovendo a coesão social. E foi com vista à “Cimeira sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis” a realizar em setembro que se realizou este encontro para “chamar a atenção para o árduo trabalho agrícola, que deve recuperar plenamente a sua dignidade e dar às pessoas a oportunidade de se expressarem e contribuírem plenamente para o desenvolvimento integral da sociedade”.

No âmbito do trabalho do IFAD (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola) que se concentra nos países em desenvolvimento, o desafio mais importante é atrair e manter os jovens nas áreas rurais, dando-lhes oportunidades de emprego no setor agrícola e nas indústrias conexas. E é de relevar a importância do setor da agricultura digital, pois, oferecendo a possibilidade de utilização de tecnologias inovadoras, permite que os agricultores fiquem mais conectados com os mercados financeiros, a informação e o conhecimento. Para Federica Irelli, do IFAD, este é um setor onde os jovens facilmente encontrarão emprego, mesmo nas áreas rurais.

Outro enorme desafio é o acesso à terra por parte das mulheres, como afirma Irelli, apontando que 70% da força de trabalho agrícola é feminina, mas não tendo as mulheres mais de 10-20% das terras, fica limitada a sua capacidade de negociação, o seu contributo para os processos de desenvolvimento e a sua dignidade como trabalhadoras rurais. Portanto, o IFAD (além de outras agências e ONGs da ONU) trabalha para as tornar protagonistas na transformação agrícola.

Federica Irelli assinala que os pequenos produtores rurais, como têm acesso limitado, por exemplo, a fertilizantes, estão focados na conservação da biodiversidade local que lhes permite a preservação dos recursos naturais disponíveis e a transmissão intergeracional dos seus conhecimentos, o que lhes torna possível a adaptação às mudanças climáticas e o contributo para mitigar esta mudança climática.

Outro problema é que a grande maioria das pessoas mais pobres do mundo são pequenos agricultores que não têm recursos para tornar o trabalho rentável, embora contribuam com 50% das calorias consumidas no mundo. Ora, é crucial levar esses trabalhadores a realizarem o seu potencial agrícola e a sustentarem a partir do que produzem, não se limitando a produzir para o resto da população.

Na verdade, a produção agrícola, nas suas diversas vertentes, incluindo a agropecuária, é fundamental para o provimento alimentar das populações, o que parece, tantas vezes, ficar no olvido e na subvalorização.

Por fim, é de clarificar que, sendo o IFAD uma instituição financeira, tudo o que faz o é através de negociações com os governos dos países em desenvolvimento, que recebem empréstimos, o que lhe “permite interagir com os governos para promover políticas de apoio aos trabalhadores agrícolas, agricultura em pequena escala, trabalho para os mais frágeis, como jovens, migrantes, mulheres, indígenas, deficientes”, como referiu a representante do IFAD, que destacou a importância deste seminário, que reuniu pessoas com diferentes experiências, e a importância da contribuição da Igreja, que tem uma visão global.

Assim, em vésperas da “Cimeira sobre Sistemas Alimentares Sustentáveis”, de setembro, é importante promover um esforço global para que tais sistemas sejam inclusivos para todos, tanto do lado do trabalho como do lado dos benefícios do consumo.

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Está visto que a doença papal não é obstáculo a que a reforma das mentes e das estruturas que desencadeou tenha pernas para andar. Também aqui é importante a mobilização de todos e o dinamismo sinodal.

2021.07.15 – Louro de Carvalho

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