terça-feira, 1 de setembro de 2020

Não sei se é febre de informação ou febre de controlo

 

O regresso às aulas decorrerá entre 14 e 17 de setembro e a ausência de regras da parte da Direção-Geral da Saúde (DGS) e do Ministério da Educação (ME) tem suscitado várias reações de partidos como o PSD e o Bloco de Esquerda (BE), bem como de outras organizações, mas também do Chefe de Estado.

Durante a sua visita a Faro, no dia 31 de agosto, o Presidente da República comentou o regresso às aulas que se avizinha, levantou algumas questões a que a DGS terá de responder, frisou que estamos a 15 dias do início das aulas e recordou que “as regras sanitárias não podem ser consideradas como regras que só meia dúzia de eleitos é que podem perceber”.

Revelando aos jornalistas que esteve num estabelecimento de ensino onde as regras eram cumpridas e  havia entre 100 e 200 alunos na escola, mas que a escola tem 1.100”, apontou que a “questão é saber com 1.100 como é que é”.

Para Marcelo Rebelo de Sousa continuam por esclarecer muitas perguntas, principalmente no caso de surgir um novo caso numa determinada escola. E o Chefe de Estado questiona:

Quem decide o que fazer? A escola? Quem na escola? Há a audição e intervenção de entidades a nível regional ou a nível nacional?”.

Sublinhou que a DGS e as direções das escolas “certamente” já terão definido as regras para este ano letivo, cujo início decorre este ano entre 14 e 17 de setembro, mas defendeu que as mesmas “sejam esclarecidas e explicitadas bem” à comunidade nacional, pois “é evidente que, quanto mais cedo for feito, melhor é essa tarefa de esclarecimento”.

Pesando as dúvidas que o assolam e aos portugueses, o Presidente destacou a necessidade de a DGS divulgar as condições em que decorrerá o regresso às aulas. E, exigências à parte, Marcelo considera que “aquilo que se está a pedir à DGS é muito ingrato, muito difícil e trabalhoso, é uma tarefa quase ciclópica, mas – mal ou bem – é a missão que assumiu e tem de cumprir”.

Após a predita visita, o Chefe de Estado deslocou-se ao museu municipal de Faro, onde descerrou uma placa alusiva à atribuição da categoria de tesouro nacional ao mosaico romano do deus Oceano. E a agenda terminou com um jantar de trabalho com autarcas em Faro.

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Por seu turno, o presidente do PSD, Rui Rio, após uma reunião com os Bombeiros Voluntários de Castelo de Paiva, a 27 de agosto sublinhou que “aquilo que, naturalmente, neste momento o preocupa é a forma como o Governo vai resolver o problema do reinício das aulas, que é efetivamente complicado”, pois “as crianças têm de ter aulas e os jovens têm de estudar”.

E o BE, pela voz de Catarina Martins, apelou ao ME a que investisse em mais contratações. A este respeito, diz a coordenadora do BE:

O ano letivo está à porta e o regresso ao ensino presencial é fundamental. Para que decorra em segurança, o Ministério da Educação deve tomar duas medidas imediatas e que vimos reclamando desde junho.”.

O BE defende a “contratação de mais professores, assistentes operacionais e técnicos”, mas também o encontro, por parte das autarquias, de “espaços possíveis e disponíveis para que exista desdobramento de turmas”.

Também a FNE (Federação Nacional da Educação), a CONFAP (Confederação Nacional das Associações de Pais) e a ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas) apelaram a que as orientações para o ano letivo 2020/2021 sejam “claras e coerentes”.

Por via dum ano letivo que se perspetiva atípico, mercê da pandemia de covid-19, as três organizações apresentaram um documento conjunto, que em breve será enviado ao Presidente da República, ME e grupos parlamentares, onde expõem as suas preocupações e sugestões para o ano letivo 2020/2021. E, se, por um lado, apelam à DGS a que sejam “rigorosas, claras, coerentes e exigentes” as orientações para o funcionamento do próximo ano letivo, por forma a salvaguardar a comunidade escolar, por outro, pedem “rapidez” ao ME na divulgação das mesmas orientações.

Já a FENPROF (Federação Nacional de Professores) responsabilizou o ME pela abertura do ano escolar em regime presencial, sem ter assegurado as necessárias condições de segurança sanitária nas escolas. E Mário Nogueira, o secretário-geral, considerou, numa sessão na Escola Básica do 1.º Ciclo Solum Sul, em Coimbra, com a presença de professores e jornalistas, que “as condições que se exigem para uma abertura das escolas não foram criadas”.

Para Nogueira, “o ensino presencial é essencial” para devolver alguma normalidade às escolas, já que “o ensino remoto, outra vez, seria trágico” para alunos, professores e pessoal auxiliar.

E o líder daquela organização sindical, em declarações aos jornalistas no final da iniciativa com que a assinalou a abertura do ano escolar, sustentou que, face à pandemia da covid-19 e ao risco de contágio das pessoas pelo novo coronavírus (detetado em dezembro em Wuhan, cidade do centro da China), o início das atividades letivas, entre os dias 14 e 17, deveria ser acompanhado de “medidas rigorosas que garantam que essa possibilidade é reduzida ao máximo”. Criticou o Governo por ter perdido dois meses (julho e agosto) para poder melhorar as medidas sanitárias, cumprindo as orientações da DGS, pois algumas das medidas “não cumprem as normas da DGS”. E voltou a defender, por exemplo, que o ME deveria ter efetuado “um rastreio à covid-19 a toda a comunidade escolar”, “prévio ao início das atividades letivas”, cabendo ao Governo “articular com os municípios a sua realização”, de acordo com o “Plano para a abertura segura do ano letivo 2020-2021 em regime presencial”, proposto pelo secretariado nacional da FENPROF, a 30 de julho.

Acusando que “não há rastreio, não há distanciamento, não há pequenos grupos de alunos e também falta pessoal” e que o ME “esteve dois meses a dormir”, Mário Nogueira disse que a FENPROF “voltou a pedir”, no dia 28, uma reunião com o ME para analisar estes problemas, depois de nos últimos meses ter feito várias vezes a mesma solicitação sem sucesso. Idêntico pedido foi dirigido à DGS, por oito vezes, mas a organização sindical não obteve resposta.

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Posto isto, é assentar em que todas críticas ao Governo e à DGS são admissíveis, pois, face à onda pandémica que assola o país e o mundo, ninguém pode eximir-se às falhas que os cidadãos comuns anotam e o mais fragilizados sofrem. Não obstante, é de referir que a DGS prepara um manual par uniformizar procedimentos, mas lembrou, neste dia 1, no Twitter, que a Orientação conjunta da DGEstE, da DGE e da DGS, sobre o ano letivo 2020-21 está disponível e é pública desde julho, embora reconheça que, a todo o momento, possa haver necessidade de ajustes. E o ME vem dizer que, desde julho, a DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) forneceu às escolas orientações precisas e que são públicas. Isto, além de cada agrupamento ou escola não agrupada ter em marcha o seu plano de contingência desde março, obviamente ajustável.

Isto não quer dizer que as organizações ligadas à Educação que se sentem insatisfeitas não tenham razão. Mas a grande falha, neste aspeto, não é da DGS, mas do ME e das autarquias que, pela não ampliação e duplicação dos espaços escolares e pela não contratação de mais pessoal docente e não docente, não possibilitam a observância cabal da regra do distanciamento físico. E também as autoridades regionais e locais de saúde não têm revelado a prontidão suficiente para obviar a situações que porventura venham a verificar-se, pois, se já é tão difícil a prestação de cuidados de saúde básica…

Quanto ao Chefe de Estado, a síndrome da índole solitária do exercício do cargo, testemunhada em minirreportagem do Público do dia 23 de agosto, parece estar a fazer com que Sua Excelência sinta necessidade de intervir a tempo e a destempo. Dizendo que não comenta, já comentou tudo. Ou, apontando que não interfere no devir dos outros órgãos e instituições, já interferiu. Até parece desenvolver uma ação governativa paralela à do Governo através da comunicação social, a ponto de não ser de estranhar a pergunta da senhora que o interpelou – não sei se espontaneamente – na Feira do Livro do Porto: “Quem manda é o Governo ou o Presidente?”.

Pronuncia-se obrigatoriamente quando veta diplomas da AR, até com pretensões interpretativas da lei, como sucedeu com o diploma dos festivais ou com o que procede à 3.ª alteração do estatuto do gestor público, mas também se pronuncia muitas vezes – e sem necessidade – quando promulga diplomas da AR ou do Governo ou quanto veta diplomas do Governo, como opina antes de o processo legislativo chegar ao fim.

Alguns gostam de que ponha ministros em sentido, como fez várias vezes com Centeno e recentemente com Ana Godinho. O partido do Governo aprecia que o Presidente esteja a seu lado a legitimar a geringonça ou o Governo; e a oposição, que detesta o apoio do Presidente ao Governo, ama que o Presidente critique o Governo e dê espaço à crítica oposicionista, o que o Governo obviamente não aprecia, mas vai calando enquanto pode.

Porém, tirar partido duma DGS fragilizada e com uma tarefa ciclópica pela frente, como o próprio Chefe de Estado veio a reconhecer, a meu ver, tardiamente não quadra à veia democrática e humanista que Marcelo professa. E exigir que se publique o que está publicado, talvez só porque o material ainda não lhe chegou para ler tudo de fio a pavio, como faz questão de sublinhar, legitima a questão, a saber: “se isso é febre de informação ou febre de controlo”.

Quanto à escola, hoje todos os clientes da educação – que não são apenas uns quantos “eleitos” – acedem a todo o material que ali é produzido ou ali chega, em papel ou em suporte digital.

Se calhar, era preferível ser o Chefe de Estado habitualmente mais institucionalista – representando a República Portuguesa, garantindo a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e sendo, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas (vd CRP, art.º 120.º) – e guardando a palavra sábia e oportuna para momentos de crise grave. Com efeito, as presidências de excessiva simpatia popular são de má memória (vg: Carmona e Tomás) e os factos poderão desnecessariamente virar-se contra Marcelo, o que seria de lamentar, pois não se duvida de suas boas intenções, como, por exemplo, desmitificar a figura presidencial. 

2020.09.01 – Louro de Carvalho 

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