Henrique Neto, empresário, antigo deputado à AR eleito em listas do PS e
candidato à Presidência da República em 2016, considera que a “Visão Estratégica para o Plano de Recuperação Económica de Portugal
2020-2030”, apresentada por António
Costa Silva, sujeita a discussão pública nacional e reapresentada pelo seu autor
inicial, “resultou num catálogo de ideias que não apresentam uma estratégia
coerente, nem faz as escolhas necessárias”.
Ambos assentam em que se desenhará, “sem margem para grandes dúvidas, uma
grave crise económica, financeira e social no nosso próximo futuro”, motivo
pelo qual “as decisões a assumir pelo Governo e pelas oposições e a correção
dos investimentos a realizar assumem uma importância determinante, sem margem
para mais erros”.
Aduzindo que, em 2003 trabalhara com Veiga Simão e Jaime Lacerda numa
síntese estratégica publicada pela AIP como parte da “Carta Magna da Competitividade”, baseada na experiência japonesa de
1946 de concisão, à semelhança do que, em tempo, fez publicar no semanário “O Diabo”, publicou, neste dia 19, no ECO, um texto que resulta da ampliação da
referida síntese e a que chama “Um Plano
Estratégico Alternativo”.
Considerando que o futuro do país “depende da capacidade de conjugar, a
diversos níveis, os desafios e vantagens decorrentes da sua participação na UE
com as oportunidades que podem resultar do desenvolvimento das suas relações
extracomunitárias com os EUA e com os países da CPLP”, propõe um modelo
económico que tenha “um enquadramento flexível”, privilegie “o desenvolvimento
e modernização dos setores produtores de bens transacionáveis” desejáveis nos
mercados externos, devido às suas caraterísticas de inovação, tecnologia e
valor, e postule um “fator humano qualificado, culto e motivado”, bem como uma “produção
científica e tecnológica organizada e o acesso rápido, fácil e barato ao mundo
através de telecomunicações, de sistemas de informação e transportes” como “recursos
essenciais”. Com efeito, como diz, “a criação de vantagens competitivas nos
mercados europeus tradicionais e a diversificação das relações comerciais e de
investimento impõem relações mais intensas da economia e do sistema científico
e tecnológico com mercados e parceiros exigentes”. Por outras palavras, propõe:
“Um forte empenho da sociedade portuguesa na
economia do conhecimento baseado num crescimento sustentado, na qualidade e na
inovação, e orientado para aumentos significativos da produção de bens e
serviços transacionáveis”.
Entende ser necessário “dar à governação o necessário sentido de orientação”,
dado que, a seu ver, não há outra síntese estratégica alternativa à da AIP, mas
“estudos demasiado longos”, que dão para todos os gostos e não permitem escolhas
claras nem a fácil compreensão dos portugueses. Mesmo as Grandes Opções do Plano são “uma aberração nacional”.
Refere que as escolhas que a se enunciam a seguir “fazem parte duma visão e
duma realidade coerente com a estratégia descrita” acima, adaptada ao momento
atual, mas cada uma delas, “só por si, melhoraria muito o nível da governação”,
embora não resolvesse “as muitas contradições existentes na economia portuguesa”.
Portugal tem uma economia fortemente dual, com uma dualidade muito mais
profunda do que as restantes economias europeias, cujos níveis de formação dos
recursos humanos são melhores do que os nossos. Assim, por um lado, há uma
economia de primeira, competitiva, constituída por empresas, nacionais e
estrangeiras, a maioria exportadoras, com níveis tecnológicos semelhantes aos
outros países do Ocidente, e, por outro lado, uma economia de segunda, a maioritária,
“servida por recursos humanos com baixas qualificações e por empresas de muito
pequena dimensão, de muito baixa produtividade do trabalho e a viver nas
margens da sobrevivência”. Ora, para que o país tenha uma economia mais
moderna, mais competitiva e mais exportadora, é essencial reduzir esta
dualidade, o que implica encontrar empregos para os milhões de trabalhadores
que não têm qualificações para trabalharem na economia de primeira.
Nestes termos, as escolhas que se impõem passam pelos
seguintes parâmetros:
- O Interior.
Na verdade, a parte mais
pobre desta dualidade está bem representada no Interior, sobretudo no Centro e
Norte. Para minimizar o problema, os fundos europeus podem ser usados para o
Estado injetar dinheiro no Interior pela compra de terrenos agrícolas e
florestais, cujos proprietários não tenham condições para a exploração. Ao mesmo
tempo, urge o mapeamento do território e o início do processo de emparcelamento.
E os terrenos com condições de exploração económica devem ser vendidos ou
arrendados a famílias jovens e a empresas que tenham condições para a sua
exploração. Porém, como o programa tem elevado potencial de corrupção, além da
participação das autarquias, as compras e vendas devem ser aprovadas só pelo
Tribunal de Contas, através de equipa especializada criada para o efeito.
- A Indústria.
Será nela que o país pode
encontrar a solução para a dualidade económica e melhorar a competitividade
global da economia, sem soluções milagrosas. Com efeito, pelas suas caraterísticas,
a indústria é o único setor cujo crescimento permite criar empregos para os
trabalhadores dos setores pobres, pois, apesar de precisar de quadros e especialistas
com elevadas qualificações, emprega operadores de máquinas, montadores, pintores,
decoradores e embaladores – nos armazéns e nos transportes – trabalhadores passíveis
de formação rápida.
A este respeito, Henrique Neto dá o exemplo da AutoEuropa, que Portugal
precisa de replicar, não apenas no setor automóvel. Isto, porque ela trouxe para
Portugal fornecedores estrangeiros; incentivou novas e antigas empresas
nacionais a serem fornecedoras; permitiu um enorme salto nas exportações de
maior valor, dado que as novas empresas se tornaram exportadoras dos mesmos
componentes que aprenderam a fornecer para a Autoeuropa; e criou muitos
milhares de postos de trabalho, com melhores qualificações e melhores
remunerações.
- O Investimento
Estrangeiro. A razão da sua necessidade tem a ver com a falta de capitais nacionais para grandes investimentos por
via dos erros cometidos e das crises por que passámos. Porém, Portugal tem um
capital que resulta da posição geográfica única entre os dois maiores mercados
mundiais, Europa e América do Norte, e acesso fácil, rápido e barato a todos os
continentes pelo porto de Sines, que devido ao transhipment, permite a paragem de grandes e pequenos navios porta-contentores.
Por outro lado, as grandes empresas industriais deixaram de ser verticalizadas,
sendo hoje meras montadoras que recebem componentes e sistemas de todo o mundo
e exportam para todo o mundo os produtos finais. Ou seja, a qualidade e o custo
da logística são os elementos essenciais que presidem à escolha do local para a
instalação das novas fábricas, além de “uma força de trabalho a custos
razoáveis, de leis laborais convincentes, custos de contexto competitivos e um
meio de alguma qualidade para os dirigentes e quadros”, o que é possível fazer e
tem de ser feito em Portugal. Todavia, a atração do investimento
estrangeiro de grandes empresas é tarefa complexa, que requer pessoas de
elevada qualidade, com muita experiência, personalidades existentes em
Portugal, “se sairmos do quadro fechado dos quadros partidários”, demasiado
jovens para serem convincentes no plano internacional.
- A Questão Ferroviária. Qualquer
empresa que pretenda criar uma nova fábrica necessita das condições acima
descritas e do acesso fácil, rápido e barato à Europa para as importações e
exportações, o que não acontece em Portugal pelo facto de os governos terem
decidido alterar a decisão da UE (Neto acusa o PS) e manterem a bitola ibérica na nossa ferrovia, tornando
Portugal na única ilha ferroviária da UE. Ora, a UE decidiu, há já bastantes
anos, pela interoperabilidade da ferrovia em toda a União para: melhorar
a competitividade dos transportes europeus e da economia europeia em competição
com os outros blocos económicos; superar o envelhecimento de algumas
ferrovias de alguns países relativamente a outros, colocando todos, na medida do
possível, em condições iguais; substituir o avião em viagens até 1000 Km,
pelo comboio de alta velocidade para passageiros; substituir o camião,
que utiliza energias fósseis pela ferrovia de longas distâncias, que utiliza
energia eléctrica não poluente, com maior eficiência energética e a mais baixo
custo; evitar o congestionamento das estradas, o atravessamento dos países
pelos camiões vindos do exterior e reduzir os acidentes; e contrariar o
nacionalismo ainda existente em algumas ferrovias, com prejuízos óbvios para toda
a UE. São decisões que “valorizam a competição e a concorrência, mas também o
progresso económico, social e ambiental” e que não se percebe porque não têm acolhimento
em Portugal, dizendo o Governo que há soluções tecnológicas adequadas sem dizer
quais, suspeitando-se que o entrave seja o economicismo.
Henrique Neto faz questão de anotar que, no último meio século, a nossa economia
viveu dois períodos extremamente positivos. O primeiro foi o subsequente à
adesão à EFTA, crescendo a economia em média 6% ao ano e durante vários anos. Os
investidores estrangeiros investiram na nossa indústria aproveitando os baixos custos
em mão-de-obra e outras condições favoráveis. Os setores do têxtil, calçado e
confeção nasceram desse movimento e deram origem a muitas empresas nacionais. O
segundo período foi o que resultou da fundação da Autoeuropa, com os apoios do
Estado – financeiro mas também técnico – disponibilidade e qualidade da
engenharia portuguesa, qualidade da localização e o porto de Setúbal. Porém, a
não existência de ferrovia adequada – nomeadamente a bitola UCI – de ligação à
Alemanha é “forte motivo de queixa”.
E o estratega, concluindo que o sucesso destes dois períodos resultou dos
mesmos fatores – investimento industrial,
investimento estrangeiro e exportações – diz que “o mercado interno nunca
foi uma questão”, o que o leva a sustentar que “são estes os mesmos fatores
necessários para que Portugal possa, novamente, sair deste período de
estagnação económica de vinte anos”.
Contudo, há outras alternativas, pelo menos a nível da complementaridade, “como
sejam os modernos setores tecnológicos, na investigação científica, na energia,
na criação de marcas comerciais, etc.”. Entretanto, Neto recorda que Portugal tem
à sua conta suficientes desastres financeiros resultantes de excesso de
voluntarismo, pobre em conhecimento e em experiência, mas rico em corrupção, e
não abundam em Portugal os quadros e os trabalhadores com elevadas
qualificações e temos a viver na mais profunda degradação económica milhões de
portugueses.
- As Exportações. Os países da UE da nossa dimensão
exportam ente 60% e 85% do PIB e a Irlanda 105%. Portugal exporta 40%-45% e
nenhuma economia, com um mercado interno de apenas 10 milhões, pode sobreviver
com menos de 70-80% de exportações sobre o PIB. Com efeito, uma empresa
industrial de qualquer setor não justifica o investimento nos mais modernos
equipamentos, altamente produtivos, mas muito caros e que, em muitos casos,
poderão produzir em poucas semanas o consumo nacional de um ano. Assim, as
empresas que estão no mercado nacional deixam de ser competitivas e Portugal
torna-se importador dos mesmos produtos a mais baixo preço. Por isso, sem
aumento substancial de exportações e crescimento industrial, a metade pobre da nossa
economia continuará a manter Portugal no fim da tabela da criação de riqueza per capita dos países da UE, pois “em
economia não há milagres”.
- A Educação. A grande
razão para a existência duma economia dual da dimensão da portuguesa é a fraca
educação e formação dos portugueses, o que se reproduz na família e passa de
geração para geração. Se nada for feito, o problema levará várias gerações até
haver uma redução substancial e suficiente da pobreza e da ignorância. E
o problema não se resolve, como muitos pensam, através do ensino universitário,
mas enquanto as crianças – todas – não chegarem em igualdade de condições ao
ensino obrigatório. Por isso, na opinião de Neto, a alternativa “é criar
um programa nacional de creches e de pré-escolar que retire as crianças das
famílias o maior número de horas possíveis de cada dia, para em instituições da
mais elevada qualidade, com bons educadores, boa alimentação e transporte”,
poderem chegar à entrada do ensino obrigatório em condições similares às das
crianças das famílias das classes com melhor ambiente familiar.
Desta forma poderemos mudar o País numa geração. Porém, sem fazer nada
neste domínio, o crescimento industrial poderá ajudar, “mas será um processo
muito mais lento”.
***
Enferma o plano de Henrique Neto dos mesmos defeitos do de António Costa e
Silva. Nem um nem outro constituem uma estratégia inequívoca e completa e não
apresentam planos de ação com as devidas componentes de opção, custos,
intervenientes e calendarização.
O plano de Costa e Silva revela uma visão mais abrangente especificada em
10 eixos, ao passo que o de Neto se escuda em 6 parâmetros que não constituem
por si opções axiais. Por exemplo, a “questão ferroviária”, que é importante,
não vale por si só, tal como as exportações, pois, embora a bitola europeia
seja necessária, não resolve por si o nosso problema económico e, embora as
exportações sejam tão necessárias como o pão para a boca, uma empresa que se
dedique penas à exportação, perderá muito se não quiser sujeitar os seus
produtos ao controlo interno e poderá ser considerada parasita se recusar
contribuir para a colmatação da necessidades internas. Por outro lado, enquanto
Neto, em termos educativos, valoriza as creches e a educação pré-escolar, Silva
valoriza o ensino superior – ambas valorizações relevantes. Também, pouco
importa um TGV se for montado em bitola ibérica e não nos ligar à Europa.
Por isso, talvez o plano de Costa e Silva deva integrar alguns contributos de
Henrique Neto, que não sei se os ofereceu no âmbito da discussão pública.
Enfim, menos exclusões e mais cooperação para fazer o que está por fazer!
2020.09.19 –
Louro de Carvalho
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