segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Afinal, parece que o Novo Banco fez tudo bem, o povo é que é mau

 

Uma auditoria ao Novo Banco (NB) feita por auditora que terá assessorado a instituição num dos seus negócios concluiu que as perdas do NB têm origem nos desmandos anteriores à resolução do BES, que houve vendas de ativos por preços muito abaixo do seu real valor, que a venda do banco ao fundo norte-americano foi desastrosa para o erário e que o volume do mal parado é enorme. E os partidos chamaram ao Parlamento tanto o presidente da comissão executiva como o presidente do acionista português, que é o Fundo de Resolução (FdR) para se explicarem perante a Comissão de Orçamento e Finanças.       

A 11 de setembro, ainda antes das audições paramentares, em resposta a requerimento do BE, citado por jornais como o JN e o Dinheiro Vivo, o Banco de Portugal (BdP), o supervisor liderado por Mário Centeno, ex-Ministro das Finanças sublinhava que as vendas de ativos do NB, nomeadamente carteiras de imóveis e participações em empresas “foram realizadas em condições adequadas de mercado” e “os preços obtidos corresponderam ao melhor preço que seria possível obter em cada momento e circunstância”. Assim, o BdP considera que as vendas foram feitas nas melhores condições possíveis, algo que vários deputados colocaram em causa na audição a António Ramalho, presidente da comissão executiva, e que não houve vendas a partes relacionadas que poderiam ferir de ilegalidade o cumprimento do acordo de venda, pelo que “a finalidade da cláusula que limita a realização de vendas de ativos a partes relacionadas foi”, segundo o supervisor, “plenamente atingida, através da análise concreta dos processos de venda, das suas condicionantes e dos seus termos”. Quase todos os partidos com assento parlamentar pediram explicação sobre os preços a que o NB vendeu ativos – designadamente imóveis “herdados” do BES – que foram maioritariamente vendidos em grandes pacotes de carteiras, e não individualmente. Ramalho alegou que vender em pacotes é mais penalizador do que vender os ativos um a um, mas não havia alternativa, pois como ironizou, “não tenho 20 anos para vender isto”, usando uma Remax ou uma ERA da vida. Depois apontou a imposição das condições das autoridades europeias ao NB, aliás como para toda a banca, no geral, para a célere redução dos créditos tóxicos (pelo que os processos de venda tiveram de ser rápidos e em pacote), sendo que outros bancos fizeram o mesmo: o BCP, a CGD, o BPI, o Santander...

Por sua vez, Máximo dos Santos, presidente do FdR reconhece que “é uma evidência” que os ativos do NB, herdados do BES, eram “de muito fraca qualidade”. Pelo excesso de imóveis, o banco “mais parecia uma imobiliária” e, no momento da resolução, seria má estratégia do BES de manter artificialmente crédito que já devia estar vencido. Sustentou que não entregar ao NB o capital necessário, nos termos do acordo de venda, poderia ser “o desastre total”, depois de todos os gastos com o NB, e esclareceu que a outra auditoria sobre os negócios com Luís Filipe Vieira diz respeito aos méritos financeiros da operação, e não aos atos de gestão.

Em resposta a perguntas do PSD, Máximo dos Santos comentou a polémica sobre a não inscrição no próximo OE (Orçamento do Estado OE) duma verba para o NB, como o BE exige, declarando que, sendo “uma questão política”, não pode responder por matérias políticas, mas adiantou que o mais errado seria fazer-se qualquer coisa que pusesse em risco o NB. Mostrando acreditar que “os problemas serão resolvidos”, o também vice-governador do BdP, disse que entrar num processo em que “o banco sofresse danos tremendos era negar o percurso e criar instabilidade financeira na pior altura”. Não obstante, soube-se pela comunicação social que os bancos nacionais poderão ser chamados a entrar num esquema de financiamento para resolver o problema, numa alternativa à inscrição de uma verba no OE. Com efeito, o FdR conserva 25% do capital no NB, pensado para, se a Lone Star vender o banco, isso resultar num encaixe para o FdR e é em parte com isso que se reembolsará o Estado” pelos empréstimos.

Luís Máximo dos Santos descartou pronunciar-se sobre a forma como foi feita a resolução por, ao tempo, não ter responsabilidades no BdP, mas observou:

A recapitalização feita em 2014 foi uma recapitalização de mínimos, o Banco de Portugal gostaria que a capitalização tivesse sido superior”.

Considerando “extraordinariamente complexa, difícil, muito exigente” a tarefa do FdR – existindo apenas uma comissão de acompanhamento (liderada por José Rodrigues de Jesus e Bracinha Vieira), com poderes consultivos, o processo torna-se mais difícil –, disse que os meios que o NB recebeu para se erguer foram poucos, sobretudo porque tinha recebido ativos problemáticos cuja resolução ia causar erosão no capital da instituição, mas que não faria sentido doutro modo, porque, se estes ativos fossem transferidos para o banco mau, por muito pouco valor que tivessem, esse valor estaria a ser adstrito aos acionistas e credores que tinham ficado no banco mau, que era aqueles que era suposto penalizar”. Porém, no âmbito das suas funções, o FdR vetou a venda de alguns ativos, incluindo no pacote “Nata 2”, onde estavam créditos como os da Ongoing, pois houve ofertas de “zero” por esses créditos e “moralmente” quis se se fizessem “novas tentativas” para recuperar alguma coisa, mesmo sabendo-se da grande dificuldade que está a ter essa recuperação.

Máximo dos Santos aduziu, também, que “o prazo definido para a venda foi muito curto”, mas que a venda se concretizou e garantiu que se respeitou a visão europeia e se fez um grande esforço para convencer o mecanismo único de resolução que o banco era viável.

Mais o presidente do FdR comentou que “nunca houve qualquer pedido de vendas de ativos a partes relacionadas” – algo que seria legal, mas seguiria regras mais apertadas. Ora, havendo notícias, na imprensa, de suspeita de vendas a partes relacionadas de forma “encapotada”, reconheceu que o Fundo trabalha com a informação disponível para averiguar a identidade dos compradores. Questionado sobre a auditoria específica que está a ser feita às relações do BES/NB com as empresas do presidente do Benfica, Máximo dos Santos disse que o dossiê está incluído na auditoria da Deloitte mas confirmou que pediu ao NB que fizesse “auditorias específicas sobre uma reestruturação(referindo-se ao fundo FIAE, com Vieira) e essas não estão ainda concluídas. E, face à insistência de Mariana Mortágua, esclareceu Luís Máximo dos Santos, com a ajuda de João Freitas, secretário-geral do Fundo de Resolução:

O que o Fundo de Resolução transmitiu ao Novo Banco é que há duas vertentes: uma é auditoria aos atos de gestão (originação dos créditos e reestruturação) que foi integrada na auditoria especial, mas depois há outra dimensão: as questões sobre a análise financeiras sobre os méritos da operação, designadamente a viabilidade do fundo que foi criado e, portanto, as probabilidades de recuperação. Isso não está relacionado com uma análise de atos de gestão.”.

A 16, ficou a saber-se que o PS proporá uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) às perdas registadas pelo NB desde a sua fundação, que têm levado à injeção de capital pelo FdR, por empréstimo do Estado”. E Mariana Mortágua teceu uma série de considerações sobre o processo de venda da GNB Vida, uma herança do BES. Mas as declarações são desmentidas por um comunicado de agosto do regulador dos seguros. Dizia a deputada a 15 de setembro na AR: 

Queremos saber quem são os beneficiários efetivos da compradora da GNB Vida, que ficou com a seguradora por 123 milhões. (…) Estamos a falar de um negócio que envolve um corrupto (…) o contrato, com um novo desconto, tem como administrador o braço direito de Greg Lindberg.”.

De facto, esse foi o valor base da operação, no ano passado – que fica quase 70% abaixo do valor contabilístico que o banco inscreveu nas contas do 1.º semestre de 2019 –, mas a esse número acresce uma componente variável de até 125 milhões de euros, que está indexada a objetivos de distribuição de seguros-vida em Portugal ao longo de duas décadas. Ou seja, a operação pode vir a render um máximo de 248 milhões de euros, algo que não foi referido pela dirigente bloquista. Ainda assim, o valor fica muito aquém da avaliação de 440 milhões de euros que se registava quando se iniciou o processo de venda. Este foi o ativo individual que mais gerou custos de agosto de 2014 a dezembro de 2018, uma perda global de 380 milhões de euros, com impacto de 287 milhões de euros para o FdR.

A deputada refere que este é “um negócio que envolve um corrupto”, porque, na primeira venda que o NB fez, “fez a venda a um homem que foi condenado por corrupção”. Porém, a ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões), que regula o setor, assegura que não chegou a haver primeira venda. Com efeito, perante as notícias que davam conta de problemas do empresário americano com a justiça, a ASF – ainda no tempo de José Almaça – “chumbou” o comprador e o negócio acabou por não avançar. A 10 de agosto último, a ASF sublinhou isso, explicando que, depois de contactar outros supervisores internacionais sobre este assunto, verificou que estava em causa “a eventual acusação ou pronúncia, em Portugal ou no estrangeiro, por crimes contra o património, crimes de falsificação e falsidade, crimes contra a realização da justiça e crimes cometidos no exercício de funções públicas”. Na sequência deste chumbo, Greg Lindberg e a sociedade GBIG Portugal desistiram da compra da GNB Vida, que acabou por ser vendida a um fundo gerido pela Apax Partners LLP. Ou seja, de acordo com a ASF, “Greg Evan Lindberg não seria o beneficiário último da operação”.

E, ao invés do implícito nas palavras de Mariana Mortágua, Greg Lindberg ainda não tinha sido condenado quando venceu o concurso da compra (que acabou por não se verificar). Contudo, a deputada insistiu na tese de que Matteo Castelvetri, o empresário que se associou à Apax para comprar a seguradora do NB, seria um testa-de-ferro de Lindberg. E disse:

Aquilo que sabemos é que a nova empresa, que ficou com o contrato, com um novo desconto, tem como administrador o braço direito de Greg Lindberg. E não parece que isto alguma vez tenha sido desmentido.”.

Agora, diz-se que a Comissão Europeia insta para que seja vendida a outra seguradora do NB e que o banco já não é credor de Luís Filipe Vieira, mas que participa no capital das empresas do presidente do Benfica. Já no tempo de Durão Barroso foram aceites ações do Benfica como garantia da sua dívida fiscal. Nada de novo, portanto, na Europa e no Benfica quanto à banca.

***

O exposto sugere que nada de mal sucedeu, afinal, no BES e no NB. E o que pareça mal resulta duma inevitabilidade. E os negócios e os créditos, mesmo os de risco, foram autorizados pelo FdR, em que o Estado investe por empréstimo a pagamento diferido indefinidamente no tempo. E o BdP parece estar a lavar tudo o que se tem passado no NB. Até parece que Centeno para ali foi para legitimar a cobertura que os governos deram ao negócio. Aos avanços e recuos, o NB parece o acordeão: gere mal, tem prejuízos largos, diz que os lucros são ofuscados pelo passado, os gestores têm ordenados e prémios obscenos. Os contribuintes pagam. E nada acontece.  

Razão têm Rui Rio e António Costa em remeterem o caso NB para a PGR. Far-se-á luz com uma justiça lenta e ineficaz, que tudo parece desculpar aos grandes – por falta de provas ou por culpa da lei? Deus nos acuda e nos dê verdadeiras leis e verdadeira justiça (incorruptível)!

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