sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Perdas de 4.042 milhões de euros no Novo Banco

 

Os resultados da auditoria externa ao BES e ao Novo Banco (NB) foram conhecidos no passado dia 1 de setembro. E o relatório, ora enviado pelo Governo para PGR, supervisores e Parlamento, revela que o conjunto de operações analisadas originou perdas líquidas de 4.042 milhões de euros para o NB entre 4 de agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018, bem como um conjunto de insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de atividade até 2014 do BES (Banco Espírito Santo) no processo de concessão e acompanhamento do crédito e no investimento noutros ativos financeiros e imobiliários.

Mercê da grande abrangência temporal, que incide sobre um período muito alargado da atividade do BES até 2014, “relativamente ao qual estão em curso processos criminais”, e da “necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado, o relatório será remetido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República considerando as competências constitucionais e legais do Ministério Público”, referia o Ministério das Finanças em comunicado.

Com efeito, o relatório, elaborado pela Deloitte, empresa de auditoria, e entregue ao Governo, analisou atos de gestão no BES e no NB desde 1 de janeiro de 2000 até 31 de dezembro de 2018 e incidiu sobre “283 operações que integram o objeto da auditoria”, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do BES, quer o período de atividade do NB, mas não analisou as vendas de imóveis até 2018, nem percebeu quem são todos os últimos destinatários das vendas.

Esse conjunto de operações originou, como se disse, perdas de 4.042 milhões de euros para o NB entre 4 de agosto de 2014 e 31 de dezembro de 2018. E a maior fatia das perdas resultou de cerca de 200 operações de crédito, no valor de mais de dois mil milhões de euros.

O relatório evidencia que as perdas incorridas pelo NB decorreram fundamentalmente de exposições a ativos que tiveram origem no período de atividade do BES e que foram transferidos para o NB no âmbito da resolução. Porém, não se explicita quando foram geradas tais perdas nem de que forma as decisões da gestão do banco já pós-resolução e venda a privados potenciaram ou minimizaram estes prejuízos, ainda que se descrevam “também os progressos realizados nestas matérias no período de atividade do Novo Banco”.

Entre as operações escrutinadas estão vendas de carteiras de crédito e imóveis realizadas em 2018, como os projetos Viriato e Nata 1, e a alienação da seguradora GNB, a valores de desconto face ao balanço, que geraram perdas.

Um dos objetivos desta auditoria especial era apurar de que forma a gestão do NB tem vindo digerir o legado do BES (O que é que ficou para o Banco Mau?) e se as vendas aceleradas de ativos (imóveis, créditos e participações) estão a aumentar as perdas associadas, resultando em prejuízos que são cobertos pelo FR (Fundo de Resolução). Ora, se fossem identificadas falhas ou irregularidades nessas operações, isso poderia pôr em causa a atribuição dos recursos ainda disponíveis no mecanismo de capital contingente, como chegou a admitir o Primeiro-Ministro no Parlamento.

No aludido comunicado, o Ministério das Finanças assinala que, não obstante a evolução verificada no período de atividade do NB, o Governo considera que “o relatório da auditoria especial é extenso e exigirá uma análise técnica cuidada, objetiva e responsável por parte de todos aqueles a quem foi enviado”, sendo imprescindível que sejam desenvolvidas, por todos os intervenientes, todas as ações necessárias para assegurar a rápida e integral correção das questões identificadas. Por outro lado, reitera a importância do integral cumprimento dos compromissos contratualmente assumidos, designadamente perante o FR, o qual deverá avaliar quaisquer situações identificadas à luz das respetivas prerrogativas. Por consequência, o Ministério das Finanças remeteu o relatório à Assembleia da República, bem como ao Banco Central Europeu, ao Banco de Portugal, ao Fundo de Resolução, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.

Da parte da Assembleia da República, o seu Presidente encaminhou o relatório para a Comissão de Orçamento e Finanças do Parlamento, órgão que deverá discutir os termos da utilização da auditoria para o escrutínio político do que se passou no NB. Os documentos chegaram selados e tudo indica que terão acesso reservado, pelo que a sua divulgação estará sujeita a regras. No entanto, o seu conteúdo será seguramente usado pelos deputados na audição já agendada com o presidente do NB para o dia 15 de setembro.

Ainda de acordo com o Ministério das Finanças, o relatório da “auditoria especial vai ao encontro da posição sempre sustentada pelo Governo sobre a solidez do sistema bancário e a prevenção de crises, relevando a importância de as instituições de crédito disporem de adequados mecanismos de governo e de controlo interno e a necessidade duma supervisão eficaz e coordenada das instituições de crédito, que assegure a prevenção e mitigação dos riscos financeiros. Assim, o Ministério de João Leão recebeu a auditoria pedida por Mário Centeno, que agora a recebe na qualidade de governador do Banco de Portugal. E, no comunicado que remeteu às redações, destaca a “importância do objetivo da preservação da estabilidade financeira, a qual tem contribuído, entre outros, para a melhoria das condições de financiamento da economia portuguesa desde 2016 até ao presente”.

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A presente auditoria mereceu diversas reações. Entre elas, destaca-se a do presidente do NB, a assegurar que das perdas, mais de 95% são originadas por perdas antes de 2014”, não havendo “um único crédito, um único novo nome que tenha sido concedido posteriormente à resolução”, tendo a partir daí a instituição enveredado pela via da recuperação.

O presidente do PSD disse que as auditorias são como as sondagens: valem o que valem. Por isso, quer que a PGR se debruce sobre esta auditoria e apure factos e responsabilidades.

Fonte oficial do BCE (Banco Central Europeu) refere que a instituição recebeu o relatório da auditoria e irá avaliá-lo.

O FR, acionista do NB, considera que a auditoria mostra que o NB tem vindo a operar num quadro fortemente marcado pelo vasto legado de ativos não produtivos gerado ainda na esfera do BES, “com o consequente registo de imparidades e provisões, mas que tem também robustecido ou seus procedimentos internos”.

O PAN pede avaliação independente e urgente à venda da GNB pelo NB, pois está em causa “manifesta situação de conflito de interesses”, visto que foi a Deloitte Espanha quem assessorou o NB numa operação que se revelou ruinosa para o banco e “custou milhões aos contribuintes”.

Porém, a reação mais contundente é a do Bloco de Esquerda a questionar a credibilidade da auditoria da Deloitte ao NB, depois de se saber que auditora atuou como assessor financeiro do banco na venda da seguradora GNB Vida a um fundo com ligações a investidor condenado por corrupção [Greg Lindberg] e agora não referiu as perdas associadas a essa venda, tendo a deputada Mariana Mortágua desafiado o Primeiro-Ministro e o Presidente da República a pronunciarem-se sobre o assunto, especificando:

O facto de a Deloitte não referir na sua auditoria que assessorou o Novo Banco na venda da GNB Vida coloca em causa a auditoria. Colocam-se estas perguntas: como pode um consultor de uma venda auditar de forma independente essa venda? Não pode. Que credibilidade tem a auditoria? Não tem.”.

Na verdade, o Jornal Económico (acesso pago) avançava, no dia 28, que a Deloitte, contratada para realizar a auditoria especial aos atos de gestão no BES e NB, entre 2000 e 2018, também foi assessor financeiro do banco na venda a seguradora a fundos geridos pela Apax, por 123 milhões de euros. E o ECO adiantava que o NB emprestara 60 milhões de euros à Apax, nesta transação, que gerou uma perda de 250 milhões de euros.

Mariana Mortágua lembrou aquilo a que chamou de “negociata descarada” depois de o banco ter fechado a venda da seguradora por 190 milhões de euros em 2018 e, depois de uma suspensão da operação, o negócio ter sido concluído por apenas 123 milhões de euros, já em 2019. Mais: a deputada também mencionou as “associações” da Apax Partners a Greg Lindberg, que foi condenado por corrupção, ligações que o banco já veio a público rejeitar.

Neste ponto,  Mortágua apontou baterias a FR e ASF (Autoridade de Seguros e de Fundos de Pensões):

O Fundo de Resolução aceitou a operação de fachada montada pelo Novo Banco e, para se justificar, aponta para a responsabilidade da ASF, que também diz que não viu nada, e aponta ainda responsabilidades para a auditoria da Deloitte”.

“A auditoria da Deloitte certamente agradou ao Fundo de Resolução e foi festejada pelo administrador do Novo Banco, menciona o negócio [da venda da seguradora em 2019], apesar de a auditoria acabar o seu âmbito em 2018”, expôs ainda Mortágua. Por isso, o BE já avançou com um projeto para uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) para apurar as causas dos prejuízos reportados pelo NB desde o momento da resolução, bem como os mecanismos que levaram à imputação dessas perdas ao FR.

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Sabe-se já que chegou ao Parlamento a lista com os nomes dos devedores ao NB, sendo que só um deve 902 milhões de euros. João Leão informou os deputados de que o relatório contém “informação sujeita a sigilo bancário” que vincula os destinatários ao dever de reserva, sendo uma das razões que justifica o pedido de confidencialidade da informação contida em relatórios de auditoria que incidem sobre operações de crédito a que resulta da divulgação pública dos nomes dos detentores dos créditos. E a auditoria será divulgada depois de os serviços jurídicos do Parlamento e o Governo indicarem o que é confidencial e as informações que podem ser desclassificadas. Pretende-se tornar público o relatório sem as informações consideradas sigilosas que obrigam os deputados a cumprir as regras do segredo bancário.

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Na verdade, face a uma auditoria cujos resultados são de todo insuficientes, parciais e nebulosos, incluindo factuais conflitos de interesses, que levaram a omissões graves – fato à medida das pretensões do acionista minoritário (mas com a parte de leão nas responsabilidades) e dos gestores de excelência – é desejável que a CPI e a PGR apurem com meridiana clareza os factos e as responsabilidades. Porém, temo que nem a CPI chegue a conclusões, por eventual memória eclipsada de alguns deponentes, nem a PGR chegue, através do MP, a formular acusação sustentável contra quem quer que seja com vista a um julgamento imparcial que redunde num funcionamento eficaz da justiça.

Entretanto, que o NB não receie, pois contribuinte continuará a pagar com ataraxia e com estoicismo.

2020.09.04 – Louro de Carvalho  

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