Os resultados
da auditoria externa ao BES e ao Novo Banco (NB) foram conhecidos no passado dia 1 de setembro. E o relatório, ora enviado pelo
Governo para PGR, supervisores e Parlamento, revela que o conjunto de operações
analisadas originou perdas líquidas de 4.042 milhões de euros para o NB entre 4
de agosto de 2014 (um dia após a resolução do BES) e 31 de dezembro de 2018, bem como um conjunto de
insuficiências e deficiências graves de controlo interno no período de
atividade até 2014 do BES (Banco Espírito Santo) no processo de concessão e acompanhamento do crédito e no investimento
noutros ativos financeiros e imobiliários.
Mercê da
grande abrangência temporal, que incide sobre um período muito alargado da atividade
do BES até 2014, “relativamente ao qual estão em curso processos criminais”, e
da “necessidade de salvaguarda dos interesses financeiros do Estado, o
relatório será remetido pelo Governo à Procuradoria-Geral da República
considerando as competências constitucionais e legais do Ministério Público”,
referia o Ministério das Finanças em comunicado.
Com efeito,
o relatório, elaborado pela Deloitte, empresa de auditoria, e entregue ao
Governo, analisou atos de gestão no BES e no NB desde 1 de janeiro de 2000 até
31 de dezembro de 2018 e incidiu sobre “283 operações que integram o objeto da
auditoria”, abrangendo, portanto, quer o período de atividade do BES, quer o
período de atividade do NB, mas não analisou as vendas de imóveis até 2018, nem
percebeu quem são todos os últimos destinatários das vendas.
Esse conjunto
de operações originou, como se disse, perdas
de 4.042 milhões de euros para o NB entre 4 de agosto de 2014 e 31 de
dezembro de 2018. E a maior fatia das perdas resultou de
cerca de 200 operações de crédito, no valor de mais de dois mil milhões de euros.
O relatório evidencia
que as perdas incorridas pelo NB decorreram fundamentalmente de exposições a
ativos que tiveram origem no período de atividade do BES e que foram
transferidos para o NB no âmbito da resolução. Porém, não se explicita quando
foram geradas tais perdas nem de que forma as decisões da gestão do banco já
pós-resolução e venda a privados potenciaram ou minimizaram estes prejuízos,
ainda que se descrevam “também os progressos realizados nestas matérias no
período de atividade do Novo Banco”.
Entre as
operações escrutinadas estão vendas de carteiras de crédito e imóveis
realizadas em 2018, como os projetos Viriato e Nata 1, e a alienação da
seguradora GNB, a valores de desconto face ao balanço, que geraram perdas.
Um dos objetivos
desta auditoria especial era apurar de que forma a gestão do NB tem vindo
digerir o legado do BES (O que é que
ficou para o Banco Mau?) e se as
vendas aceleradas de ativos (imóveis, créditos e participações) estão a aumentar as perdas associadas, resultando em
prejuízos que são cobertos pelo FR (Fundo de Resolução). Ora, se fossem identificadas falhas ou
irregularidades nessas operações, isso poderia pôr em causa a atribuição dos
recursos ainda disponíveis no mecanismo de capital contingente, como chegou a
admitir o Primeiro-Ministro no Parlamento.
No aludido
comunicado, o Ministério das Finanças assinala que, não obstante a evolução
verificada no período de atividade do NB, o Governo considera que “o relatório
da auditoria especial é extenso e exigirá uma análise técnica cuidada, objetiva
e responsável por parte de todos aqueles a quem foi enviado”, sendo imprescindível
que sejam desenvolvidas, por todos os intervenientes, todas as ações
necessárias para assegurar a rápida e integral correção das questões
identificadas. Por outro lado, reitera a importância
do integral cumprimento dos compromissos contratualmente assumidos, designadamente
perante o FR, o qual deverá avaliar quaisquer situações
identificadas à luz das respetivas prerrogativas. Por consequência, o Ministério
das Finanças remeteu o relatório à
Assembleia da República, bem como ao Banco Central Europeu, ao Banco de
Portugal, ao Fundo de Resolução, à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos
de Pensões e à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários.
Da parte da Assembleia
da República, o seu Presidente encaminhou o relatório para a Comissão de
Orçamento e Finanças do Parlamento, órgão que deverá discutir os termos da
utilização da auditoria para o escrutínio político do que se passou no NB. Os
documentos chegaram selados e tudo indica que terão acesso reservado, pelo que
a sua divulgação estará sujeita a regras. No entanto, o seu conteúdo será
seguramente usado pelos deputados na audição já agendada com o presidente do NB
para o dia 15 de setembro.
Ainda de
acordo com o Ministério das Finanças, o relatório da “auditoria especial vai ao
encontro da posição sempre sustentada pelo Governo sobre a solidez do sistema bancário
e a prevenção de crises, relevando a importância de as instituições de crédito
disporem de adequados mecanismos de governo e de controlo interno e a
necessidade duma supervisão eficaz e coordenada das instituições de crédito,
que assegure a prevenção e mitigação dos riscos financeiros. Assim, o Ministério
de João Leão recebeu a auditoria pedida por Mário Centeno, que agora a recebe
na qualidade de governador do Banco de Portugal. E, no comunicado que remeteu
às redações, destaca a “importância do objetivo da preservação da estabilidade
financeira, a qual tem contribuído, entre outros, para a melhoria das condições
de financiamento da economia portuguesa desde 2016 até ao presente”.
***
A presente
auditoria mereceu diversas reações. Entre elas, destaca-se a do presidente do
NB, a assegurar que “das perdas, mais de 95% são
originadas por perdas antes de 2014”, não havendo “um único crédito, um único
novo nome que tenha sido concedido posteriormente à resolução”, tendo a partir
daí a instituição enveredado pela via da recuperação.
O presidente
do PSD disse que as auditorias são como as sondagens: valem o que valem. Por isso, quer que a PGR se debruce sobre esta
auditoria e apure factos e responsabilidades.
Fonte oficial
do BCE (Banco
Central Europeu) refere
que a instituição recebeu o relatório da auditoria e irá avaliá-lo.
O FR,
acionista do NB, considera que a auditoria mostra que o NB tem vindo a operar
num quadro fortemente marcado pelo vasto legado de ativos não produtivos gerado
ainda na esfera do BES, “com o consequente registo de imparidades e provisões,
mas que tem também robustecido ou seus procedimentos internos”.
O PAN
pede avaliação independente e urgente à venda da GNB pelo NB, pois está
em causa “manifesta situação de
conflito de interesses”, visto que foi a Deloitte Espanha quem assessorou o NB
numa operação que se revelou ruinosa para o banco e “custou milhões aos
contribuintes”.
Porém, a reação mais contundente é a do Bloco de
Esquerda a questionar a credibilidade da auditoria da Deloitte ao NB, depois de se saber que auditora atuou como assessor financeiro
do banco na venda da seguradora GNB Vida a um fundo com ligações a investidor
condenado por corrupção [Greg Lindberg] e agora não
referiu as perdas associadas a essa venda, tendo a deputada Mariana Mortágua
desafiado o Primeiro-Ministro e o Presidente da República a pronunciarem-se
sobre o assunto, especificando:
“O facto de a Deloitte não
referir na sua auditoria que assessorou o Novo Banco na venda da GNB Vida
coloca em causa a auditoria. Colocam-se estas perguntas: como pode um consultor de uma venda auditar de forma independente
essa venda? Não pode. Que credibilidade tem a auditoria? Não tem.”.
Na verdade, o Jornal Económico (acesso pago) avançava,
no dia 28, que a Deloitte, contratada para realizar a auditoria especial aos atos
de gestão no BES e NB, entre 2000 e 2018, também foi assessor financeiro do
banco na venda a seguradora a fundos geridos pela Apax, por 123 milhões de
euros. E o ECO adiantava que o NB
emprestara 60 milhões de euros à Apax, nesta transação, que gerou uma perda de
250 milhões de euros.
Mariana Mortágua lembrou aquilo a que chamou de “negociata descarada” depois
de o banco ter fechado a venda da seguradora por 190 milhões de euros em 2018
e, depois de uma suspensão da operação, o negócio ter sido concluído por apenas
123 milhões de euros, já em 2019. Mais: a deputada também mencionou as
“associações” da Apax Partners a Greg Lindberg, que foi condenado por
corrupção, ligações que o banco já veio a público rejeitar.
Neste ponto, Mortágua apontou baterias a FR e ASF (Autoridade
de Seguros e de Fundos de Pensões):
“O Fundo de Resolução aceitou a operação de
fachada montada pelo Novo Banco e, para se justificar, aponta para a
responsabilidade da ASF, que também diz que não viu nada, e aponta ainda
responsabilidades para a auditoria da Deloitte”.
“A auditoria da Deloitte certamente agradou ao Fundo de Resolução e foi
festejada pelo administrador do Novo Banco, menciona o negócio [da venda da
seguradora em 2019], apesar de a auditoria acabar o seu âmbito em 2018”, expôs
ainda Mortágua. Por isso, o BE já avançou com um projeto para uma CPI (comissão parlamentar
de inquérito) para apurar
as causas dos prejuízos reportados pelo NB desde o momento da resolução, bem
como os mecanismos que levaram à imputação dessas perdas ao FR.
***
Sabe-se já que chegou ao Parlamento a lista com os nomes dos devedores ao
NB, sendo que só um deve 902 milhões de euros. João Leão informou os deputados de
que o relatório contém “informação sujeita a sigilo bancário” que vincula os
destinatários ao dever de reserva, sendo uma das razões que justifica o pedido
de confidencialidade da informação contida em relatórios de auditoria que incidem
sobre operações de crédito a que resulta da divulgação pública dos nomes dos
detentores dos créditos. E a auditoria será
divulgada depois de os serviços jurídicos do Parlamento e o Governo indicarem o
que é confidencial e as informações que podem ser desclassificadas. Pretende-se
tornar público o relatório sem as informações consideradas sigilosas que obrigam
os deputados a cumprir as regras do segredo bancário.
***
Na verdade,
face a uma auditoria cujos resultados são de todo insuficientes, parciais e
nebulosos, incluindo factuais conflitos de interesses, que levaram a omissões graves
– fato à medida das pretensões do acionista minoritário (mas com a
parte de leão nas responsabilidades) e dos
gestores de excelência – é desejável que a CPI e a PGR apurem com meridiana clareza
os factos e as responsabilidades. Porém, temo que nem a CPI chegue a conclusões,
por eventual memória eclipsada de alguns deponentes, nem a PGR chegue, através
do MP, a formular acusação sustentável contra quem quer que seja com vista a um
julgamento imparcial que redunde num funcionamento eficaz da justiça.
Entretanto, que
o NB não receie, pois contribuinte continuará a pagar com ataraxia e com
estoicismo.
2020.09.04 – Louro de Carvalho
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