terça-feira, 15 de setembro de 2020

É urgente voltar à normalidade da vida cristã sempre que possível

 

Sem qualquer depreciação, antes pelo contrário, do mérito manifestado no esforço desenvolvido no âmbito da pandemia de covid-19 por muitos agentes da ação pastoral da Igreja por levar a solidariedade, a catequese e a liturgia, nomeadamente a liturgia eucarística, a cada um dos lares cristãos, lançando mão duma significativa variedade de meios de comunicação, a que não estiveram alheias as muitas estações de rádio e televisão, é de ter em conta o teor da carta do cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos aos presidentes das Conferências Episcopais, publicitada no dia 12 de setembro.     

Na oportuna missiva o purpurado afirma a necessidade de voltar à normalidade da vida cristã, nos locais onde a emergência sanitária provocada pela pandemia o permita, uma vez que participar na Missa pelos meios de comunicação não é equiparável à participação física presencial na celebração comunitária com a assembleia reunida num determinado lugar: templo ou outro espaço em edifício ou em espaço ao ar livre. Nunca, pois, a missa “virtual” substitui participação pessoal na Missa. Aliás, a celebração da Missa é sempre comunitária.

Por isso, na carta sobre a celebração da liturgia durante e depois da pandemia de covid-19, intitulada “Voltemos com alegria à Eucaristia!”, cujo texto foi aprovado pelo Papa Francisco a 3 de setembro, o cardeal Robert Sarah diz taxativamente que “é urgente voltar à normalidade da vida cristã com a presença física na Missa, nos locais onde as circunstâncias o permitirem”, pois “nenhuma transmissão é equiparável à participação pessoal ou pode substituí-la”.

“A pandemia devida ao [novo] coronavírus – como escreve o purpurado – produziu transtornos” não somente na dinâmica social e familiar, “mas também na vida da comunidade cristã, incluída a dimensão litúrgica”.

E o cardeal prefeito observa que “a dimensão comunitária tem um sentido teológico”. Com efeito, “Deus é a relação de Pessoas na Santíssima Trindade” e coloca-se “em relação com o homem e a mulher e chama-os, por sua vez, a uma relação com Ele”. Por consequência, “enquanto os pagãos construíam templos dedicados apenas à divindade, aos quais as pessoas não tinham acesso, os cristãos, assim que passaram a usufruir da liberdade de culto, imediatamente construíam lugares que fossem domus Dei et domus ecclesiae, onde os fiéis podiam reconhecer-se como comunidade de Deus”. Por isso “a casa do Senhor supõe a presença da família dos filhos de Deus”.

Nesta ordem de ideias, o texto assegura que “a comunidade cristã nunca buscou o isolamento e nunca fez da igreja uma cidade de portas fechadas”. Ao invés, “formados para o valor da vida comunitária e a busca do bem comum, os cristãos sempre buscaram a inserção na sociedade”. E, “mesmo na emergência da pandemia, surgiu um grande sentido de responsabilidade”, uma vez que, na escuta e colaboração com as autoridades civis e com os especialistas”, os Bispos “mostraram-se prontos a tomar decisões difíceis e dolorosas, incluindo a prolongada suspensão da participação dos fiéis na celebração da Eucaristia”.

Porém, o que se passou de acordo com as normas adrede formuladas, tendo em conta, tanto quanto possível, as indicações científicas com vista à preservação do contágio com o vírus sars-cov-2, aconteceu e continua numa situação excecional e apenas nos termos a que ela obriga. Portanto, é avisada e oportuna a advertência do cardeal Robert Sarah no sentido de que, logo que as circunstâncias o permitam, se tenha como “necessário e urgente regressar à normalidade da vida cristã, que tem o edifício da Igreja como casa e a celebração da liturgia”, em particular a Eucaristia, como “meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força” (cf Sacrosanctum Concilium, 10).

Todavia, a carta não olvida a aprendizagem que a pandemia provocou nos crentes, bem como a vantagem de aprofundar os benefícios da continuidade da utilização dos meios que foram utilizados quase até ao limite no período do confinamento, utilização que se mantém útil em relação a muitas pessoas e em muitas circunstâncias, já que a Igreja, quer na evangelização e catequese, quer na liturgia e na caridade, não pode deixar ninguém para trás.

Assim, o cardeal refere que “conscientes de que Deus nunca abandona a humanidade que criou, e que mesmo as mais duras provas podem dar frutos de graça, aceitamos a distância do altar do Senhor como um tempo de jejum eucarístico, útil para redescobrir a importância vital, a beleza e a preciosidade incomensurável(sublinhei), mas afirma categoricamente que, “assim que possível, é necessário voltar à Eucaristia” com “um crescente desejo de encontrar o Senhor, de estar com Ele, de recebê-Lo para levá-Lo aos irmãos com o testemunho de uma vida cheia de fé, de amor e de esperança”. E, sublinhando que, “embora os meios de comunicação desenvolvam um apreciado serviço aos doentes e aos impossibilitados de ir à igreja e tenham prestado um grande serviço na transmissão da Santa Missa num momento em que não havia possibilidade de celebrar comunitariamente”, reitera que “nenhuma transmissão é equiparável à participação pessoal ou pode substituí-la”. Com efeito, estas transmissões, por si só, podem criar nos crentes um indevido acomodamento à casa, dispensando-os da vivência experiencial da caminhada para a assembleia e afastando-os do “encontro pessoal e íntimo com o Deus encarnado que se entregou a nós, não de forma virtual”, mas sim, dizendo: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele(Jo 6,56). Efetivamente, “esse contacto físico com o Senhor é vital, indispensável, insubstituível”. Portanto, diz o purpurado, “uma vez identificadas e adotadas as medidas concretamente praticáveis ​​para reduzir ao mínimo o contágio do vírus, é necessário que todos retomem seu lugar na assembleia dos irmãos”, encorajando os “desanimados, amedrontados, há muito tempo ausentes ou distraídos”.

A carta sugere “algumas linhas de ação para promover um retorno rápido e seguro à celebração da Eucaristia”, que os Bispos devem publicar, com a devida atenção às normas de higiene e segurança, a qual “não pode levar à esterilização de gestos e ritos”. Por outro lado, exprime a necessária confiança “na ação prudente, mas firme, dos Bispos, para que a participação dos fiéis na celebração da Eucaristia não seja reduzida pelas autoridades públicas a uma ‘aglomeração’ e não seja considerada como equiparável ou até mesmo subordinada às formas de agregação recreativa”, pois “as normas litúrgicas não são matéria sobre a qual as autoridades civis podem legislar, mas apenas as autoridades eclesiásticas competentes (cf Sacrosanctum Concilium, 22).

Por isso, se exorta a facilitar “a participação dos fiéis nas celebrações”, sem experiências rituais improvisadas, mas “em total conformidade com as normas contidas nos livros litúrgicos que regulam o seu desenvolvimento” e reconhecendo “aos fiéis o direito de receber o Corpo de Cristo e adorar o Senhor presente na Eucaristia nas formas previstas, sem limitações que até mesmo possam ir além do previsto pelas normas higiénicas emanadas pelas autoridades públicas ou pelos Bispos”. Neste ponto, o cardeal Sarah fornece uma indicação precisa: “um princípio seguro para não errar é a obediência, obediência às normas da Igreja, obediência aos Bispos”, sendo consensual que, em tempo de dificuldade (por exemplo, guerra, pandemia), “os Bispos e as Conferências Episcopais podem dar normativas provisórias que devem ser obedecidas” – na verdade, “a obediência salvaguarda o tesouro confiado à Igreja – mas que “expiram quando a situação volta à normalidade”.

E conclui o cardeal Robert Sarah que a Igreja protege a pessoa humana “na sua totalidade” e que “à necessária preocupação pela saúde pública, a Igreja une o anúncio e o acompanhamento para a salvação eterna das almas”.

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Nunca percebi por que motivo não se pode assinalar o rito da paz. Se as pessoas não devem cumprimentar-se com o toque físico (e o toque de cotovelos ou o de pés são inestéticos), poderiam voltar-se umas para as outras, como sucedeu aquando da gripe A, ou pôr a mão no peito junto ao coração, como sugere o diretor-geral da OMS, e cantar-se o “Agnus Dei” ou cântico equivalente. Ademais, algumas normas deveriam ser mais exigentes (vg: o distanciamento mais vigiado) e outras menos (vg: quem canta ou quem fala, distanciado, ao povo não teria que usar máscara durante o discurso).

Enfim, é urgente acabar com o medo crasso e saber articular a prudência com a ousadia, a segurança com a liberdade, a precaução com a abertura à comunidade, o desenvolvimento pessoal com a inserção na sociedade, a personalidade própria com o sentido da pertença, a técnica com o sabor a encontro, o cantinho pessoal com a alegria da convivência em grupo!

2020.09.15 – Louro de Carvalho

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