quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O ano letivo arranca com falhas obviamente, por culpa de muitos

 

De acordo com informação veiculada pela agência Lusa, a Comissão Política distrital do PSD do Porto culpa o Governo pelas falhas no arranque do ano letivo e em particular o Ministro da Educação, cujo desempenho “negligente” deve levar o governante a retirar as necessárias consequências políticas. Assim, esta estrutura partidária assinala, em comunicado:

Pelo seu desempenho negligente, porquanto não se mostrou capaz de proporcionar às escolas as condições necessárias e adequadas ao arranque deste ano letivo, particularmente exigente, o Senhor Ministro da Educação, deverá retirar as necessárias consequências políticas”.

Responsabilizando o Ministério da Educação (ME) pela forma do arranque do ano letivo, salienta que, tendo conhecimento da pandemia, pelo menos desde março, “não garantiu a efetiva contratação de docentes e de pessoal não docente para que as escolas consigam dar uma resposta educativa e sanitária adequada face à pandemia SARS-CoV-2 e à doença de covid-19”. E sustenta que a inércia do ME “causou constrangimentos vários nas escolas e um sério impacto no funcionamento da larga maioria dos estabelecimentos de ensino”.

Aquela estrutura partidária estriba as suas conclusões nas várias visitas que realizou em diversos pontos do Distrito do Porto, vincando que o pessoal não docente, nomeadamente os assistentes operacionais disponíveis nas escolas, “são claramente em número insuficiente” para aplicar as medidas preconizadas de higiene das instalações e equipamentos, bem como de vigilância e controlo sanitário dos alunos. E, lembrando que, há meses, anda a ser prometida a revisão da portaria dos rácios de pessoal não docente os sociais-democratas do distrito do Porto defendem:

O Ministro da Educação, por incompetência e incúria, não salvaguardou esta situação com o agilizar da contratação dos funcionários necessários para que as escolas funcionem em tempos de covid-19, nem tão pouco preparou atempadamente bolsas de recrutamento para que as escolas pudessem chamar estes funcionários na medida das necessidades e de forma célere”.

Também salientam a falta de clarificação das medidas a adotar face à comunidade considerada “grupo de risco”, sejam profissionais, sejam alunos, bem como a sua operacionalização, tendo em conta o envolvimento de outros serviços e entidades, nomeadamente do SNS.

Por tudo isto, veem com preocupação o facto de o Ministério, desde 3 de julho, se recusar a reunir com as organizações representantes de professores para solucionar o problema das faltas dos professores que pertencem a grupos de risco, que se estimam em cerca de 10%.

O PSD acusa ainda o Governo e o Primeiro-Ministro no atinente à disponibilização dos recursos digitais a escolas, alunos, docentes e não docentes, lembrando que o líder socialista anunciou, no Parlamento, que escolas e alunos teriam os recursos informáticos necessários, mas que o anúncio “não passou de um ‘soundbite’ comunicacional para encher primeiras páginas de jornais e abrir telejornais”, sendo que as promessas constantes no PEES (Programa de Estabilização Económica e Social) ao nível do material informático, com estimativas de investimento de 400 milhões de euros, “não passam disso mesmo, sem qualquer intuito de serem cumpridas”.

O PSD denuncia ainda que as escolas, designadamente as que têm mais procura, foram obrigadas pela DGEstE (Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares) a formar turmas até ao limite legal estabelecido (28 alunos), contrariamente ao absolutamente desejável, num quadro de bom senso, em contexto pandémico.

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Já a 9 de setembro, Nuno Crato, ex-Ministro da Educação – que preside à Iniciativa Educação, promotora da aprendizagem da leitura e do desenvolvimento do ensino profissional e que divulga informação e conhecimento sobre Educação (“pretende ajudar o sucesso dos jovens, apoiando projetos exemplares, com potencial efeito multiplicador no sistema educativo e na sociedade”) recordava ao “educare.pt” os constrangimentos dos últimos meses, olhava para o arranque do novo ano letivo, falava sobre mais uma etapa escolar e entendia que, embora as novas tecnologias sejam extraordinários auxiliares, o contacto direto era insubstituível.

Frisando que a atenção se concentra na reabertura da escola, regresso de alunos e professores, início de mais uma etapa escolar e entrada do país em estado de contingência a 15 de setembro por causa da pandemia, o professor catedrático de Matemática e Estatística dizia esperar que os medos sejam ultrapassados e se retomem as atividades letivas orientadas por metas curriculares “claras e ambiciosas”, metas que existem, tal como existem bons manuais escolares e os “professores e as escolas sabem que o sucesso real implica ambição e trabalho”.

Fazendo a recuperação das matérias não consolidadas no ano letivo passado parte dos planos da tutela nas primeiras semanas, o antigo Ministro da Educação sustenta que não faz sentido rever matéria em oposição a avançar na matéria, pois, a seu ver, “rever matéria no sentido de repetir matéria dada pode ser inútil e, no extremo, prejudicial”. E assegura que “o importante é prosseguir e colmatar dificuldades à medida que se avança e ir testando a aprendizagem”. Por outro lado, “como em todo o ensino, o importante é ter metas”, o objetivo do ensino, seja presencial seja remoto, não é “entreter os alunos em atividades, muito menos em atividades dispersas e pouco estruturadas”, mas “progredir em conhecimentos e formação”.

Vistas mais à lupa as suas declarações, ressaltam vários pontos a considerar.

Desde logo, no atinente ao arranque desta etapa escolar, é de ter em conta que “o ambiente vai ser dominado pelo receio de contágio e por dificuldades de manter as normas”, mas com a esperança de que “tudo seja ultrapassado e rapidamente se retomem as atividades letivas orientadas por metas curriculares claras e ambiciosas”.

Crato é, pois, crítico da recuperação de aprendizagens (chama-lhe revisão da matéria, expressão não utilizada da documentação oficial enquanto Ministro) do 3.º período do passado ano letivo, sustentando:

Por um lado, pode esmorecer os alunos, por sentirem que estão a repetir coisas já tratadas. Por outro lado, cria habitualmente uma falsa sensação de confiança, pois os alunos, ao ouvirem coisas repetidas, sentem que já sabem tudo sobre o que está a ser discutido. Ou seja, o importante é ir avançando e colmatando as dificuldades à medida que se avança. E ir testando a aprendizagem, que é uma das melhores formas de a solidificar.”.

É óbvio que tem razão no que sustenta, mas em circunstâncias normais, esquecendo que esta é anormal. E, embora se tenha propalado que o aluno, com os agrupamentos de escolas, passa a desenvolver-se integrado num projeto educativo do 1.º ao 12.º ano, há muitas mudanças de escola ao nível do percurso escolar. Basta referir que muitos agrupamentos escolas não ministram o ensino secundário e o projeto educativo tem um horizonte temporário curto. Para mais a reta final do ano letivo anterior foi problemática: a necessidade de a escola, os professores e os alunos se adaptarem ao tele-ensino contou com muitas dificuldades e falhas que o ME reconhece, muito embora aprecie o esforço realizado. E o professor catedrático dá dois exemplos. No de alunos com dificuldade em somar dois números de um dígito cada, o que já foi ensinado e a maioria da turma domina, fará sentido, ao ensinar a adicionar números com dois dígitos ou mais, ir verificando as dificuldades da turma e dos ditos alunos e ajudando-os a colmatar deficiências, o que é aceitável. Já daquele em que se estudaram os rios da Península Ibérica, não valendo a pena repetir ‘ipsis verbis’ o estudado, mas discutir as vias de comunicação e integrar as vias fluviais nesse estudo reforçando o que devia estar sabido, é de referir que se trata de exemplo bem salazarento. Ora, em circunstâncias normais, antes de cada unidade de ensino/aprendizagem, faz-se a avaliação diagnóstica sobre a situação de cada aluno face aos pressupostos e pré-requisitos para poder avançar. E será, penso eu, o que os professores farão nas primeiras 5 semanas, que não passam dum horizonte indicativo.   

Porém, tem razão ao dizer que é mais difícil fazê-lo online do que presencialmente, mas que “é importante ir questionando os alunos e testando-os, para poder reforçar alguns conteúdos”.

Sobre a autonomia da escola, que todos proclamam e que Nuno Crato também cerceou, deixando-lhes significativamente a escolha entre tempos letivos de 50 ou de 5 minutos, mas definindo que o professor com horário completo tem um horário semanal letivo de 1100 minutos (divisível obviamente por um divisor 50 e não 45), diz: “Com certeza, com respeito pelas normas gerais e com a vigilância, a iniciativa e a adaptabilidade necessárias”.

Quanto a evidências expostas pela pandemia, destaca “a grande dedicação dos professores e escolas e a grande adaptabilidade dos alunos e famílias”, bem como a existência de famílias e alunos com grandes dificuldades”, dificuldades que “se agravaram sem o ensino presencial”, pelo que, ao invés das antigas ideias e especulações “sobre a revolução no ensino provocada pelas novas tecnologias, que podem ser auxiliares extraordinários, ficou nítido que “o contacto direto é insubstituível”. Pareceu-lhe boa medida recorrer às emissões televisivas #EstudoEmCasa como complemento ao ensino à distância, embora não conheça “nenhuma avaliação deste programa”. E, sobre a suspensão das provas do 9.º ano e de aferição, diz ser “melhor avaliar do que não avaliar”. E, no atinente a desmotivação pela escola e abandono escolar e à eventual tendência de agravamento em regime de ensino não presencial, crê que “tudo recomeçará de forma natural”, sendo difícil passar de novo de um regime presencial para um regime a distância, se isso for necessário”, pelo que “o ensino presencial e o ensino à distância não devem seguir, no essencial, princípios diferentes”, mas os mesmos no fundo: “ensino estruturado, metas claras, bons materiais de apoio, nomeadamente manuais, exposições claras, interação com os alunos, tarefas claras, devidamente espaçadas, testes formativos e testes sumativos, atenção às dificuldades…(Abusa dos testes).

No entanto, há coisas a atender – diz – “mais difíceis de conseguir no ensino remoto”:

Os alunos devem perceber com clareza em que ponto se está e para onde se caminha; devem perceber sem ambiguidades o que se espera que completem no que se refere ao seu estudo e às suas tarefas; devem estar constantemente a praticar a recuperação (‘retrieval’, na terminologia internacional), ou seja, a fazer pequenos testes e a responder a perguntas, para se verificar e verificarem o que sabem e para solidificarem o que sabem, devem ter atividades curtas e espaçadas, devem intercalar (‘interleave’) as atividades e estudos de matérias diversas, em vez de concentrarem horas e horas seguidas no mesmo tema”.

Tendo isto em conta, sustenta para o ensino remoto:

É decisivo simplificar: ter atividades curtas e focadas, se possível ter também aulas mais curtas, mais focadas e mais frequentes, ter práticas de estudo e de treino alinhadas com a matéria tratada nas aulas e com a progressão dos manuais”.

E, como o site ED_ON, da Iniciativa Educação, tem publicado artigos sobre a investigação científica recente relacionada com o ensino à distância, sugere a professores, pais e demais interessados a educação a consulta desses artigos, breves sínteses de temas importantes.

Por fim, considera que a subida das médias dos exames nacionais do Ensino Secundário era “um cenário expectável perante a mudança de regras”, ou seja, “é um sinal de que as provas não foram feitas de forma a poderem ser comparadas com as anteriores e isso é sempre negativo, pois perde-se uma medida de evolução do sistema” – do que discordo, pois a avaliação dum momento de aprendizagem difícil deve ser adequada ficando para mais tarde o ajuste necessário.

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Com as ressalvas introduzidas, parece que, apesar de tudo, a postura de Crato nesta matéria representa um contributo a ter em conta no arranque do ano letivo e em termos educativos.

Já a estrutura partidária acima referenciada parece esquecer a gravidade do momento presente, não de ponto de vista sanitário, que é consensual, embora sem que haja certezas sobre a sua extensão e debelação, mas sobre a forma de encaixar, de forma generalizada, ensino presencial necessário num regime de pandemia estacionário ou em agravamento com instalações escolares a rebentar pelas costuras, muito por via do encerramento de estabelecimentos escolares e de novas construções (e mantiveram outras) sem o dimensionamento ora reconhecido como necessário pelo imperativo de distanciamento físico.

Enquanto o PSD, tal como o PS, encerrou escolas, criou agrupamentos e centros escolares, fez escolas com poucas salas, aumentou – ou manteve o aumento – o número de alunos por turma e teve graves problemas no arranque dos anos letivos com falta de funcionários e com a criação da BCE de fraca memória, com um arranque do ano letivo de 2004/2005 depois da trágica colocação de professores, até agora pouco fez ouvir a sua voz, exceto na alegada falta de publicação das normas da DGS para as escolas, que agora publicou um extenso manual de procedimentos, depois de, em julho ter publicado, em parceria com a DGE e a DGEstE, as normas de convivência nas escolas e a partir das escolas.

É óbvio que o Governo e o ME apresentam falhas graves do ponto de vista dos sindicatos e das oposições, que eu subscrevo, mas têm escoramento na maioria dos diretores escolares, segundo o presidente da ANDAEP, bem como dos pais representados pela CONFAP e mesmo do comentador político Marques Mendes, que salientava, a 13 de setembro, a boa prestação do Ministro da Educação, em alegado detrimento da DGS (Por Ministra e Diretora-geral serem mulheres?).

Só me interrogo se as autarquias, cuja apetência pelos temas da educação é crescente, fizeram tudo o que podiam para otimizar as medidas que a DGS, a DGE e a DGEstE delinearam em julho ou se ficaram mais interessadas em arranjar alternativas às festas de verão que a pandemia impediu de se realizar. As escolas podiam ter nas salas separadores acrílicos, os transportes podiam estar organizados e podiam ter sido contratados os assistentes operacionais onde as câmaras têm essa responsabilidade…

A postura de indiferença ou de demolição é tudo menos vantajosa para a causa da educação ora obnubilada pela polémica em torno da formação em Cidadania e Desenvolvimento.

E Marcelo Rebelo de Sousa vem tardiamente dizer que o sucesso do próximo ano letivo é um objetivo nacional e que, em vez de encerrar escolas, é preciso corrigir o que está mal. Ora, ele que fala de tudo por antecipação, aqui vem com atraso de quase 6 meses. E como manter uma escola aberta no caso de um surto epidémico?  

Mesmo assim, venha daí o ano letivo e que o SNS se convença de que há mais vida para lá das escolas e da covid-19, sendo imperativo que ninguém fique para trás nas USF, nos hospitais, em casa, nos lares, nas repartições públicas (Uma vergonha o que se passa no IRN)!

2020.09.16 – Louro de Carvalho

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