Di-lo Tarcízio Morais, sacerdote
salesiano que integra o Dicastério da Pastoral Juvenil da sua Congregação e é o
responsável mundial pelas escolas dos salesianos, acompanhando-as por todo
o mundo e sublinhando, em entrevista à Renascença
e à Ecclesia, a 18 de setembro, a
necessidade de novas respostas face à pandemia. Aqui ficam os conteúdos mais relevantes.
Questionado, numa semana de regressos e reencontros,
com a reabertura das escolas, sobre a expressão “novo normal”, que já é do nosso quotidiano, e
sobre o maior desafio que se coloca aos educadores, responde que “este novo normal desafia, não só educadores, mas toda
a comunidade humana”, e que precisa, no dizer do Santo Padre, de “uma esperança
contagiosa” e dum horizonte de sentido. Na verdade, os meios de comunicação
social propiciam, a cada minuto, um conjunto de informações que “desorientam
neste sentido a dar à realidade educativa”, que tem de responder aos novos desafios,
pelo que temos de estar presentes, entusiasmando-nos de novo e possibilitando
que “a vida aconteça na normalidade possível”.
Quanto à necessidade de se
ter “um olhar de esperança e de responsabilidade” e à asserção de que “Dom
Bosco não desanimaria”, como escreveu em artigo recente, refere que São João Bosco, “um otimista que respondeu diante de
tantas situações com a sua própria vida e com a sua forma de estar alegre e
bem-disposta” na grande epidemia da cólera em 1854, foi “ao encontro daqueles
que mais necessitavam”. E, tendo a pandemia atual mostrado
a nossa fragilidade, debilidades e necessidade de relação, não podemos estar
escondidos atrás de uma máscara, mas temos de descobrir, “olhos nos olhos, como
é preciso ir ao coração e descobrir aquilo que nos torna diferentes e únicos
nesta nossa relação de ser e de existência”, pois, “quando Deus inunda a nossa
vida, tudo é transformado”.
Como coordenador do Departamento de Escolas
e Formação Profissional do Dicastério para a Pastoral Juvenil Salesiana,
considera que este “novo normal” obrigou a muitas alterações nos colégios e
centros educativos salesianos e assume:
“Nós somos por natureza defensores da
proximidade, do encontro, do juntarmos muita gente, juntarmos muitos jovens, do
vivermos a experiência do pátio (nas escolas e colégios) como experiência de
alegria, de contacto, de palavra partilhada, de presença atenta, e agora temos
de descobrir uma outra forma de estar”.
Sublinha “a criatividade com que em tantas circunstâncias se respondeu
perante esta distância, este não estar presente”, tendo sido necessário “continuar
a manter o contacto, a relação”, a partilhar conteúdos, a fazer escola,
ensinando e aprendendo – “numa resposta de solidariedade”.
Na certeza de que nada será
como antes em termos de ambiente de aprendizagem, assegura que “é sempre possível mudar para melhor, em todas as
circunstâncias, também nesta”. E, observando que “a escola já estava em crise”,
diz que “é preciso recriar a escola”, que tem de “se renovar no seu todo”,
independentemente da pandemia. Pensa que temos de criar a dinâmica certa para
não cairmos na criação de uma geração covid, mas criarmos “uma nova
possibilidade de estarmos juntos”. Por isso, a Congregação Salesiana (Societas Sancti Francisci Salesii) – vinca – criou novas formas de empatia e relação para
chegar à aprendizagem, não caindo nas desigualdades, diferenças e distâncias, e
chegar ao coração de cada um, mas tentando superar todas as lacunas de
aprendizagens e distâncias que fomos criando.
Sendo o desporto uma área
muito valorizada nos colégios salesianos, o novo contexto obriga a grandes
mudanças. E o perito salesiano pensa que se deve enveredar por uma prática mais
individual e menos de equipa formal, mas continuando a fomentar o desporto, o
movimento, na certeza de que isso é cada vez mais necessário, até porque “este tempo de paragem criou uma necessidade ainda
maior deste movimento e desta interação”. Importa, assim, tomar mais cuidados e
atenção ao que fazemos, mas fazendo-o, já que “o desporto faz parte da vida,
para o nosso bem-estar físico, emocional e psicossocial”.
Verifica o salesiano que,
no confinamento, um dos parceiros
fundamentais das escolas, no âmbito da descoberta, foram as famílias, que “perceberam
quão difícil é a escola e fazer escola” – interação de que resultou “um melhor
entendimento e compreensão das dificuldades de ambas as partes”, tendo-se concluído
que as famílias devem participar cada vez mais na comunidade educativa das
escolas, para compreenderem o que acontece na escola. Com efeito, a família
confia à escola os seus filhos, para que possam desenvolver-se em determinadas
áreas, mas continua a ser “a principal responsável pela educação de cada um”.
No seguimento da carta da
Santa Sé às escolas a recordar o impacto da necessidade do ensino à distância, Tarcízio
Morais considera que “o risco de os
alunos com menos possibilidades económicas serem deixados ainda mais para trás”
é “um dos problemas maiores que trouxe esta situação”, com o aumento das
desigualdades dos que mais precisam, pois, se as famílias com um ambiente capaz
e com recursos económicos, “supriram com mais facilidade esta carência da
escola”, as famílias mais carenciadas, com menos recursos, sem acesso à internet
e a outros meios, “perderam ainda mais com esta realidade”, o que é preocupante
para todos os que se ocupam da educação e querem “chegar aos mais pobres”.
Sendo esta uma preocupação
dos salesianos, o Padre Tarcízio garante que as suas escolas visam os que mais precisam. Ora, verificando-se o crescimento
da desigualdade, é de ter na linha de conta a necessidade de “uma resposta
ainda mais solidária e mais capaz de chegar àqueles que perderam tempo, espaço
e oportunidade”, para não se aumentarem as desigualdades e para não se criarem
ainda mais estes problemas de distância, “que nalguns sítios provocam a
deserção escolar, sobretudo entre as pessoas mais desfavorecidas, o aumento do
trabalho infantil, a redução da capacidade de estar e de crescer”, pois “o
aumento da pobreza em geral” – diz –, “o aumento das desigualdades e do
mal-estar social implica uma resposta por parte da Igreja”.
Face à recordação de que,
em 2015, como diretor dos Salesianos do Estoril, fora “um dos organizadores do
congresso ‘E-ducar para além da cloud: o futuro do coração educativo’,
que reuniu diversas personalidades e peritos para refletirem sobre os desafios
da Educação”, pensa que este novo contexto pode significar uma nova
oportunidade de se repensar a forma como se ensina e aprende. E, a
este respeito, explana:
“É mesmo uma nova era, é mesmo uma nova
oportunidade, porque a tecnologia é uma ajuda interessante e temos de nos perguntar
hoje, de novo, porque é que estamos aqui, porque é que estamos nas escolas. E
perceber como é que fomos capazes de nos reinventar nesta situação, através das
novas tecnologias, o que nos deu uma oportunidade, uma janela aberta para
entender que há outras metodologias, outras didáticas, à distância e em
presença, que podem ganhar com este novo mundo do digital, da tecnologia.”.
Porém, adverte que a escola não é só tecnologia, “é também encontro e
espaço social, espaço de crescimento”, neste misto de “relação de aprendizagem
e, sobretudo, de conhecimento, de crescimento comum, para ser homem e mulher de
amanhã com uma estrutura saudável, uma estrutura equilibrada, de bem-estar, que
ajuda a ser relação, que ajuda a estar juntos, a partilhar, a rir, a correr, a
saltar, a viajar pela beleza das palavras, da ciência, pela grandeza da
relação, do face a face, estarmos juntos”. E, citando São João Bosco, diz que “a educação é um assunto de coração, por
isso, implica com as pessoas, com o mundo de presença e de vida nova”.
Sabe-se que o Papa
Francisco – que estudou nos salesianos – acredita que a educação pode “mudar o
mundo” e, nessa ordem de ideias, convocara, para maio deste ano, o encontro
mundial “Reconstruir o Pacto Educativo Global”. Sobre isso, o Padre Morais
releva que o evento vai
realizar-se em outubro, em Roma, com outra configuração, como exigem estes
tempos, através do digital, em videoconferência. Na verdade, o Papa, como diz, “acredita
plenamente nesta capacidade da ação educativa como transformadora da realidade
do jovem e das sociedades” e pensa que é necessário este “pacto educativo
global”, para que “o mundo se renove e as novas gerações possam receber este
dom que transforma, que eleva, que é capaz de humanizar ainda mais, com tantos
companheiros de viagem, com esta escuta paciente, diálogo construtivo, a
compreensão mútua, que leva a uma espécie de aliança educativa permanente entre
educandos e educadores, fazendo de cada jovem um protagonista para a
transformação do mundo”, para que este seja efetivamente a nossa casa comum, que
Deus nos ofereceu. Assim, o Santo Padre “entusiasma-nos a todos para criarmos,
com ele, este processo que ajuda a que esta aldeia educativa – as comunidades
educativo-pastorais de todas as realidades escolares – possam crescer e possam
oferecer esta cidadania global, que é também vida na casa comum, nesta casa da
ecologia, da ‘Laudato Si’ – ecologia
integral, humanismo integral, para todos”.
No seguimento do alerta de Francisco
para as desigualdades crescentes no acesso à educação, lamentando que em muitos
locais se tenha tornado “elitista e seletiva”, cavando cada vez mais o fosso
entre ricos e pobres, o padre salesiano observa que, em muitos lugares do mundo, “é a presença da Igreja, das
escolas católicas, que oferece esta oportunidade de vencer as desigualdades, de
vencer a carência educativa”, e salienta que os salesianos estão em 134 países
do mundo, sendo, talvez, “a agência educativa mais espalhada pelo mundo”, com a
grande responsabilidade no processo de chegar aos mais pobres. Por outro lado,
a escola apresenta dificuldades no confronto com os governos, na possibilidade
de ajuda e a escolha livre – direito para todas as crianças, adolescentes e
jovens e dever para a Igreja de oferecer esta possibilidade.
Sobre o recurso aos meios
digitais, o Padre Tarcízio diz que Bento XVI
falava da emergência educativa, talvez com outro cariz, o de responder com os
meios que temos, tirando partido “da inovação, das possibilidades que esses
meios nos oferecem” – chegando a cada um dos jovens, na catequese e nas
celebrações.
Por fim, referindo o recente alerta do Vaticano
para o risco que se corre de muitos católicos deixarem de ir à missa porque se terem
habituado a participar na missa através dos meios de comunicação, o salesiano
releva a descoberta feita da importância deste diálogo com os media e toda
a sua dinâmica, mas também a necessidade de estarmos atentos ao “essencial da
nossa fé e como a celebramos, em comunidade, juntos, partilhando a mesma fé, na
celebração desse mistério – no caso da Eucaristia, através da Palavra, do pão e
do vinho que se fazem alimento espiritual para a comunidade e alimento interior
para a vida”. E, a título de exemplo, menciona o caso da sua mãe que o que mais
lamentava era não poder “receber o Senhor”. Com efeito, “a intimidade de
encontro que se faz pão partilhado é, de facto, algo que nos alimenta e que nos
dá força, que nos entusiasma no nosso viver, e que não podemos perder como
experiência de comunidade e como experiência de fé”.
***
Enfim, voltemos às celebrações presenciais logo e sempre que possível!
2020.09.25 –
Louro de Carvalho
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