Sempre
que há eleições para a chefatura do Estado, coloca-se a questão de haver
candidaturas à partida não ganhadoras, mas que se apresentam para usarem do
palco da campanha para os seus titulares exporem os seus pontos de vista ou
como lutadores por grandes causas ou como porta-vozes do seu ideário
partidário. Nunca, porém, ouvi chamar tribunícias ou testimoniais àquelas que
têm poucas hipóteses de ganhar.
É certo que, em termos
constitucionais, a candidatura às eleições presidenciais é unipessoal e deve
cumprir os requisitos previstos na constituição e na respetiva lei eleitoral. O
art.º 122.º da CRP estabelece que “são
elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos”. E n.º 1 do art.º 124.º
estabelece que “as candidaturas para
Presidente da República são propostas por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15
000 cidadãos eleitores”.
Por seu turno a Lei Eleitoral
para o Presidente da República (LEPR), aprovada pelo Decreto-Lei n.º
319-A/76, de 3 de maio, e cuja última alteração foi introduzida pela Lei
Orgânica n.º 3/2018, de 17 de agosto, estabelece que são elegíveis “os cidadãos eleitores portugueses de origem,
maiores de 35 anos” e que “os
funcionários do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas não precisam de
autorização para se candidatarem” (vd art.º 4.º). Mais estabelece que, para este
efeito, existe um só círculo eleitoral,
com sede em Lisboa (vd art.º 7.º), que “ao círculo corresponde um colégio eleitoral” (vd
art.º 8.º) e que “o
Presidente da República será eleito por lista uninominal” (art.º
9.º). Tal como a CRP
o exige, o art.º 13.º da LEPR, na sua atual redação, estabelece que “as candidaturas só poderão ser apresentadas
por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores”, mas
acrescenta que “cada cidadão eleitor só
poderá ser proponente de uma única candidatura à Presidência da República”.
Nem o legislador constitucional
nem o legislador ordinário se atravessam pela intencionalidade em concreto das
candidaturas, pressupondo que a intenção é disputar a eleição. Por isso, as
candidaturas podem vir de partido, de pessoa independente dos partidos ou de
pessoa oriunda de área partidária que venha a concitar diversos apoios de
cidadãos considerados singularmente ou de partidos. Seja como for, candidato
que não tenha apoio em partidos dificilmente consegue vencer, a não ser que
seja um militar, mas também esse precisa de apoio partidário.
Dizer que a candidatura é
unipessoal não passa de imperativo constitucional e disposição legal. Dizer que
é suprapartidária é inexato porque, sem apoios partidários formais ou
informais, muito dificilmente a candidatura vinga. Por outro lado, parece temerário
um grande partido não apresentar candidatura própria ou não apoiar formalmente
uma candidatura que lhe agrade. E apoiar a recandidatura dum presidente em
exercício provindo de área diversa da que suporta Governo é rampa de lançamento
para uma difícil coabitação em segundo mandato presidencial.
***
Desta
feita, entre a quase dezena de candidaturas já perfiladas, a que está mais que
certa, mas ainda não assumida é a de Marcelo Rebelo de Sousa, o atual
Presidente.
Muito
cedo se assumiu como candidato presidencial André Ventura, líder do Chega,
pensando agrupar em torno de si os descontentes com o sistema, aduzindo o
amorfismo político, a justiça que não funciona, a onda de corrupção a cavalgar
o sistema e a atitude permanente de favorecimento a grupos minoritários em
detrimento de quem paga contribuições e impostos.
A
Iniciativa Liberal também apresentou relativamente cedo o seu candidato, o advogado Tiago Mayan Gonçalves, a preconizar a valorização do indivíduo, os seus direitos
políticos e económicos e a sua capacidade de iniciativa, quer a nível pessoal,
quer a nível empresarial. E o PDR (Partido Democrático Republicano) apresentou como candidato Bruno Fialho, o seu líder.
Regista-se
também a candidatura de Orlando Cruz, ex-militante do CDS, que não se revê no apoio ao atual Chefe
de Estado.
Recentemente
apresentou-se como candidato Vitorino Silva, o inenarrável Tino de Rãs, líder
do Partido RIR, uma candidatura dita folclórica, mas que, em 2016, não obteve
um resultado tão magro como alguns ou muitos esperavam.
Também
o BE apresentou já a sua candidata, a eurodeputada Marisa Matias, que teve, em
2016, um resultado nada irrisório e fez valer publicamente as opções
preconizadas pelo seu partido.
O
eurodeputado João Ferreira, o candidato do PCP, aponta
a Marcelo de falta de “afetos” aos trabalhadores, traduzida no silêncio sobre a
valorização dos salários dos trabalhadores, “afetados nos seus rendimentos por
causa dos salários baixos”.
Afirmando
que o que quer fazer é quase o oposto do que Marcelo tem feito, frisou “a
centralidade que as questões do
trabalho, dos trabalhadores e da necessária valorização do trabalho dos
trabalhadores têm para esta candidatura”.
Sabe que o
Presidente da República não é governo, mas que tem poderes, desde logo o poder
da palavra”, sendo esta, na ótica do candidato, no
sentido da valorização dos salários”, ao invés do que se viu, ou
seja, pôr entraves à “perspetiva de aumentos salariais”.
Também acusa
Marcelo de falta noutros poderes, como pedir a fiscalização
de leis ao Tribunal Constitucional (concordo), o poder de veto ou as mensagens que pode enviar à
Assembleia da República (não tem razão). E Ferreira
quer pegar no que o Presidente não fez para, “a partir do exercício desses
poderes”, formular “uma alternativa” ao mandato do atual Chefe do Estado.
Ana
Gomes, apresentando a sua, para muitos, promissora candidatura a seguir a
Marisa Matias, foi cordial em relação à adversária e amiga. Porém, mostrou
azedume para com João Ferreira, desqualificando-o como opositor ao Estado de
Direito, por defender o regime venezuelano.
Ter-se-á
tratado dum excesso momentâneo. Contudo, entre alguns dos seus apoiantes,
começa a desenhar-se a insistente preocupação com a menorização das outras
candidaturas de esquerda, o que pode ser mau prenúncio. Do meu ponto de vista,
a sua insistência, no recente programa de Ricardo Araújo Pereira, na expressão
“limpar o sistema” faz-me lembrar o propósito infeliz de Francisco Assis, então
líder da distrital do PS do Porto, de ir a Felgueiras varrer da câmara o lixo
que por lá havia, o que é mau numa candidatura de causas, que ataca (e bem), por exemplo, a corrupção, a
lentidão da justiça e a promiscuidade entre política e futebol, entre política
e banca.
Nenhuma
das candidaturas, à esquerda ou à direita, pode ser considerada “suplente”, que
“não federa”, “meramente tribunícia” ou “testimonial”, no sentido de que
pretende apenas deixar a sua marca. Todas devem ser consideradas viáveis e
potencialmente ganhadoras. Ninguém pode fazer da candidatura uma hoste nem um
passeio a caminho de Belém.
A
valorização duma candidatura pode fazer-se, como refere Francisco Louçã no Expresso online, a 22 de setembro, de
dois modos: sublinhando os seus pontos fortes; ou desvalorizando as
concorrentes. O primeiro concita confiança, ao passo que o segundo cava
desconfiança. Ora, Ana Gomes, ao sugerir a existência de duas categorias de
campanhas, parece reforçar a corrente das candidaturas unicamente de palco, em
entrevista da semana passada, ao apontar Marisa e Ferreira como candidatos
partidários, sendo a sua candidatura suprapartidária. Isto contraria o facto de
Ana Gomes estar inscrita num partido e ter querido o seu apoio, bem como a evocação
do exemplo de Mário Soares, que nunca se afirmou como candidato suprapartidário,
sendo membro dum partido – bem diferente de se ter afirmado como o presidente
de todos os portugueses, tese de Ramalho Eanes, aliás como o Governo, que é de
todos os portugueses.
Jorge
Sampaio federou efetivamente toda a esquerda contra Cavaco Silva em 1995/96, mas
nunca usou o argumento de ser suprapartidário. Sampaio da Nóvoa, um candidato
independente, apoiado por dois ex-presidentes, não membro de qualquer partido,
nunca sugeriu que os outros eram suplentes, tribunícios ou testimoniais, o que
seria errado.
Cada
uma das candidaturas tem o seu valor e fulgor próprios, a par da plataforma que
apresenta e das suas propostas para o futuro. São aspetos a debater, mas sem
desvalorização de adversários. Diz Louçã que Ana Gomes “fez bem em se candidatar, não se
lançando apressadamente com base num título de jornal sobre o processo de
Isabel dos Santos e esperando pelo momento conveniente para apresentar a sua
vontade e a sua proposta”, mas que “fará mal se se deixar arrastar para ajustes
de contas”, ainda que seja com o atual Presidente – penso eu. De resto, lá
estarão os eleitores para o veredicto final.
***
O deputado do PS Pedro Bacelar de Vasconcelos, à revelia de Costa, que se
adiantou a apoiar Marcelo, apoia a candidatura de Ana Gomes. Em artigo de opinião
deste dia 24 de Setembro, no JN,
defende que Marcelo “esgotou” o modelo “conciliador”, considerando que o
Presidente não poderia manter a postura marcada pelo “diálogo” e a “bonomia”
num segundo mandato e que nunca renunciaria aos “poderes nucleares” do seu
estatuto constitucional (neste aspeto não o critico, mas na provável tentação
de indevida autoafirmação), e alega que “Belém
não precisa de um chefe de Estado que comente cada setor da vida social, mas
que garanta uma presidência independente”.
Já, no seu entender, “Ana Gomes demonstrou em todas as funções
institucionais que assumiu uma notável coerência, ousadia e fidelidade às
causas concretas que motivam a sua intervenção pública”, sendo esta a alternativa
que a República reclama”. E acrescenta:
“Perante uma conjuntura perversa que ameaça
o planeta e o futuro das gerações mais jovens, que compromete a confiança nas
instituições democráticas e mina a solidariedade europeia, precisamos de uma
presidência independente dos interesses instalados que nos conduziram a esta
pântano, de uma voz forte e destemida, de uma vontade resoluta que aponte
caminhos novos e nos devolva a esperança”.
O ex-governante socialista Paulo Pedroso coordena a campanha de Ana Gomes e
diz que Marcelo “é amigo hoje para passar rasteira amanhã”, sendo preciso um
perfil moderador em Belém. Tendo deixando a militância socialista, Pedroso tem
tecido fortes críticas a Costa e ao atual Chefe de Estado. Ao JN falou do erro do PS em desvalorizar a
eleição a Belém e não ter um candidato e frisou que o cargo impõe uma “função mais
reguladora e mais distante” que a desempenhada por Marcelo. Juntam-se-lhe os
socialistas Francisco Assis e Pedro Nuno Santos.
***
Quando Marcelo se perfilar para a recandidatura, na certa haverá literatura
sobre o fenómeno, que analisarei a tempo, a fim de me poder decidir com a devida
e suficiente informação. Desde já, entretanto, é de sugerir que não se fie no
mero passeio para Belém, pois as eleições presidenciais não são meramente
simbólicas como pensa Isabel Moreira, decidida apoiante de Ferreira. Ventura e
Gomes podem britar as expectativas a Marcelo. Há muita gente descontente que
não se fia em projetos e promessas e que pode não optar pela indesejável abstenção.
E Ana Gomes, se quer ganhar, não se fique só em causas e limpezas: seja sobretudo
holística.
2020.09.24 –
Louro de Carvalho
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