Na Festa da Natividade da Virgem
Santa Maria (8 de
setembro), com um
tuíte, Francisco confiou a
Nossa Senhora, “este mundo ferido”.
Com efeito, “a mãe que cuidou de Jesus também cuida, com carinho e preocupação
materna”, deste mundo assolado por tantas e tão diversas feridas.
E, evocando a homilia da Missa que celebrou a 8 de setembro de 2017, na Esplanada Catama, Villavicencio, no âmbito da viagem apostólica à
Colômbia de 6 a 11 de setembro, o Pontífice reiterou que a festa da Natividade de Maria projeta a sua luz sobre
nós. Na verdade, como assegurou, “Maria é o primeiro esplendor que anuncia o
fim da noite e, sobretudo, a proximidade do dia”, pelo que o seu nascimento nos
faz intuir “a iniciativa amorosa, terna e compassiva do amor com que Deus Se inclina
sobre nós e nos chama a uma aliança maravilhosa com Ele, que nada nem ninguém
poderá romper”. Neste quadro maravilhoso, Santa Maria, Mãe de Deus, “soube ser
transparência da luz de Deus e refletiu os fulgores desta luz na sua casa, que
partilhou com José e Jesus, e também no seu povo, na sua nação e na casa comum
de toda a humanidade que é a criação”.
Referindo-se,
naquele dia 8 de setembro, ao Evangelho da Festa, o Santo Padre considerava que
a lista da genealogia de Jesus (cf Mt 1,1-17), mais do que mera lista de nomes, configura uma “história
viva, história dum povo com o qual Deus caminhou e, ao fazer-Se um de nós, quis
anunciar que, no seu sangue, corre a história de justos e pecadores e que a
nossa salvação não é uma salvação assética, de laboratório, mas concreta, uma
salvação de vida que caminha”.
E
sublinhava, em 2017, o Papa que nenhuma das mulheres mencionadas na genealogia pertence à
hierarquia das grandes mulheres do AT, o que permite afirmar que na genealogia
de Jesus, predominantemente exposta através do lado masculino, as mulheres ali
referidas “anunciam que, pelas veias de Jesus, corre sangue pagão” e “recordam
histórias de marginalização e sujeição”. Por conseguinte, é bom frisar que, “em
comunidades onde ainda se arrastam estilos patriarcais e machistas”, começa o
Evangelho por salientar “mulheres que criaram tendência e fizeram história”.
E, no meio de tudo isto, estão
Jesus, Maria e José. Maria, com o seu generoso ‘sim’, permitiu que Deus
cuidasse da história “deste mundo
ferido”.
Por outro
lado, esta longa história, de que somos uma pequena parte, “ajuda-nos a não
pretender protagonismos excessivos, a fugir da tentação de espiritualismos
evasivos, a não abstrair das coordenadas históricas concretas em que nos cabe
viver”; e integra, na nossa história de salvação, as páginas obscuras, os
momentos de desolação e abandono comparáveis ao exílio. E, entre os inúmeros
momentos de desolação que hoje ferem o mundo, que o Pontífice denuncia,
sobressai a pandemia, que “acirrou as consequências das desigualdades sociais”,
somando-se aos problemas existentes, como “a migração forçada, a desnutrição, o
analfabetismo, os conflitos, as guerras e a destruição do meio ambiente”.
Sem dúvida que o nascimento da Mãe
de Deus “é a nova aurora que anunciou a alegria ao mundo inteiro”, pois “Dela
nasceu o Sol de Justiça”, Cristo, nosso Deus (cf Antífona
do Benedictus).
E José, homem
justo, não deixou que orgulho, paixões e ciúmes o projetassem para fora desta
luz. Pelo modo da narração, nós sabemos primeiro que José o que sucedeu com
Maria. Porém, antes de ser ajudado pelo anjo e entender o que se passava ao seu
redor, tomou decisões em que se manifestam as suas qualidades humanas. A
nobreza do coração fê-lo subordinar à caridade o que aprendera com a Lei. E
este mundo de violência psicológica, verbal e física contra a mulher pode
aprender de José o estilo de respeito e delicadeza para que, mesmo quando não se
dispõe de toda a informação, se decida pela honra, dignidade e vida de toda e
cada pessoa humana, designadamente pela mulher. Com efeito, como aconteceu com
José, na dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajuda a escolher iluminando-nos o
discernimento.
Num mundo de
genealogias cheias
de histórias – muitas de amor, de luz e de vida; e muitas de conflitos,
ofensas, sofrimento e morte – tantas mulheres, em silêncio, perseveram sozinhas
e tantos homens de bem, procurando pôr de lado amarguras e rancores, tentam
combinar justiça e bondade. Todas e todos precisam de saber deixar entrar a luz
de Deus para que se abram caminhos de reconciliação, paz e desenvolvimento.
Para tanto, urge dizer, “como Maria, ‘sim’ à história completa, e não apenas a
uma parte; como José, pôr de lado paixões e orgulho; como Jesus Cristo, cuidar,
assumir, abraçar esta história”, porque nela nos encontramos e nela “está
aquilo que somos e o que Deus pode fazer connosco se dissermos ‘sim’ à verdade,
à bondade, à reconciliação” – o que “só é possível, se enchermos com a luz do
Evangelho as nossas histórias de pecado, violência e conflito”.
Reconciliar-se
é efetivamente “abrir uma porta a todas e cada uma das pessoas que viveram a realidade
dramática do conflito” e nunca enveredar pela execrável rota da vingança. Para
tanto, “é preciso que alguns tenham a coragem de dar o primeiro passo”, na
certeza de que “basta uma pessoa boa para que haja esperança” e de que essa
pessoa boa pode ser cada um de nós. Não se trata de “ignorar ou dissimular as
diferenças e os conflitos”, nem de “legitimar as injustiças pessoais ou
estruturais”, mas de promover “um encontro entre irmãos dispostos a vencer a
tentação do egoísmo e a renunciar aos intentos duma pseudojustiça” e de tirar
partido “de sentimentos fortes, nobres e generosos, que levam a estabelecer uma
convivência fundada sobre o respeito de cada indivíduo e dos valores próprios
de cada sociedade civil”. Por isso, dizia o Papa, “a reconciliação concretiza-se
e consolida-se com a contribuição de todos, permite construir o futuro e faz
crescer a esperança”.
E o Santo
Padre sublinhava que o texto mateano da festa da Natividade de Maria culmina
chamando a Jesus o Emanuel, que significa Deus connosco. E frisava que, tal
como se verifica no início deste Evangelho, assim se verifica no seu termo,
pois Jesus garante aos discípulos: “Eu
estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). Assim, ficamos a saber que “Jesus é o Emanuel que nasce e o Emanuel que
nos acompanha todos os dias, é o Deus connosco que nasce e o Deus que caminha
connosco até ao fim do mundo”.
Por tudo
isto, “cabe-nos dizer ‘sim’ como Maria e
cantar com Ela as ‘maravilhas do Senhor’, pois, como prometeu aos nossos pais,
Ele ajuda todos os povos e ajuda cada povo (…) e à sua descendência para sempre”.
***
Dom Murilo S.R. Krieger, scj, Arcebispo Emérito de São Salvador da
Bahia, frisa, a propósito da festa da Natividade
de Maria que, seguindo uma
tradição dos primeiros séculos da Igreja, celebramos a 8 de setembro, que não
há, nos Evangelhos, referência alguma ao nascimento de Maria, porque o objetivo
dos evangelistas era o de nos apresentar Jesus Cristo. Por isso, há referências
à Virgem Maria ou a qualquer outra pessoa só quando se trata de fazer ressaltar
algum facto que diga respeito ao Salvador. Não obstante, a Palavra de Deus
mostra-nos, mesmo que discretamente, a presença de Maria nos momentos centrais
da História da Salvação, como a encarnação, a inauguração do ministério público
de Cristo, a crucifixão, o nascimento da Igreja com a vinda do Paráclito.
Todavia, os Evangelhos não nos dão informações sobre a família de Maria,
infância, formação, temperamento, aspeto físico…
Dados sobre
o nascimento de Maria encontram-se nos “Evangelhos Apócrifos”, que não são
textos inspirados, mas escritos para recolher tradições orais que circulavam entre
o povo. Ao lado de poucos factos históricos, vêm muitas histórias fantasiosas e
edificantes para comover os fiéis. E, para dar autoridade a tais textos,
escritos a partir do segundo século da era cristã, eram divulgados como de
autoria de algum apóstolo. Segundo os Evangelhos Apócrifos, Nossa Senhora teria
nascido na cidade de Nazaré, na Galileia, e os pais eram Joaquim e Ana.
Não é usual
a Igreja católica celebrar o dia de nascimento dos santos, mas o da sua morte –
isto é, quando entraram para a glória eterna. Há, porém, três celebrações de
nascimento: de Jesus Cristo (Natal); de São
João Batista (ainda no ventre de Isabel, manifestou-se diante da proximidade de Maria,
que esperava Jesus e que fora visitar sua parente Isabel); e o da Virgem Maria. E o nascimento
desta é celebrado 9 meses após a celebração da solenidade da Imaculada
Conceição (8 de dezembro). E é toda a
Igreja que faz o convite, segundo escreveu São João Damasceno no século VIII:
“Vinde, todas as nações, vinde, homens de todas as raças, línguas e
idades, de todas as condições: com alegria celebremos a natividade da alegria!
(...) Que a criação inteira se alegre, festeje e cante a natividade de uma
santa mulher, porque ela gerou para o mundo um tesouro imperecível de bondade,
e porque por ela o Criador mudou toda a natureza humana em um estado melhor!”.
No século
XVII, no sermão da festa da Natividade, em Odivelas, no Convento de Religiosas
do Patriarca São Bernardo, o Padre António Vieira perguntava:
“Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o
Nascimento de Maria?”
E ele mesmo
dava a resposta:
“Vede para que nasceu: nasceu para que dela nascesse Deus. (…) Perguntai
aos enfermos para que nasce esta celestial Menina: dir-vos-ão que nasce para
Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos
Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo;
perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação;
perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos
desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que
nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os
desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento;
os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para
Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os
temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida,
para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos
os seus devotos, para Senhora da Glória. E, se todas estas vozes se unirem em
uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus.” (Apud Vatican News, 2020.09.08).
Na verdade,
como assegura Dom Murilo, a
Maria foi eleita por Deus, antes de todos os séculos, para Mãe do Messias, Mãe
do Filho de Deus, Mãe do Salvador, “estrela que precede o Sol”. Com o seu nascimento,
começou a concretizar-se a vinda do Emanuel. E, na festa do seu nascimento, a
Igreja exorta:
“Exulte, ó
Deus, a vossa Igreja (...), pois nos alegramos pelo nascimento de Maria, que
foi para o mundo inteiro esperança e aurora da salvação” (cf Oração
depois da Comunhão, Missa da Festa).
***
Por sua vez, Dom António Couto, Bispo de
Lamego, na homilia da Missa de Nossa Senhora dos Remédios, evocou estes “tempos
difíceis”, com o convite a “construir santuários de tempo”:
“Pressinto que os tempos que aí vêm vão ser
difíceis e recomendo-vos a estar atentos e vigiar, rezai e ensinai a rezar,
enchei o tempo de paz e de oração; se nos fecharem os santuários de pedra, vamos
construir santuários de tempo, enchei todas as horas de Deus e de amor, e
de Maria”.
Pedindo, “no dia em que todos estavam habituados a agarrar o manto de Maria”,
que sigam Jesus “não de longe, mas
bem de perto e ver o evangelho a acontecer”, garantiu que a nossa segurança
não está na polícia, mas “na nossa intimidade, nas coisas mais fundas da nossa vida”.
***
O culto na para em Maria, mas chega, por
Ela, a Jesus Cristo e à Trindade Santíssima!
2020.09.09 –
Louro de Carvalho
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