quarta-feira, 9 de setembro de 2020

A Virgem Santa Maria cuida com carinho deste mundo ferido

 

Na Festa da Natividade da Virgem Santa Maria (8 de setembro), com um tuíte, Francisco confiou a Nossa Senhora, “este mundo ferido”. Com efeito, “a mãe que cuidou de Jesus também cuida, com carinho e preocupação materna”, deste mundo assolado por tantas e tão diversas feridas.

E, evocando a homilia da Missa que celebrou a 8 de setembro de 2017, na Esplanada Catama, Villavicencio, no âmbito da viagem apostólica à Colômbia de 6 a 11 de setembro, o Pontífice reiterou que a festa da Natividade de Maria projeta a sua luz sobre nós. Na verdade, como assegurou, “Maria é o primeiro esplendor que anuncia o fim da noite e, sobretudo, a proximidade do dia”, pelo que o seu nascimento nos faz intuir “a iniciativa amorosa, terna e compassiva do amor com que Deus Se inclina sobre nós e nos chama a uma aliança maravilhosa com Ele, que nada nem ninguém poderá romper”. Neste quadro maravilhoso, Santa Maria, Mãe de Deus, “soube ser transparência da luz de Deus e refletiu os fulgores desta luz na sua casa, que partilhou com José e Jesus, e também no seu povo, na sua nação e na casa comum de toda a humanidade que é a criação”.

Referindo-se, naquele dia 8 de setembro, ao Evangelho da Festa, o Santo Padre considerava que a lista da genealogia de Jesus (cf Mt 1,1-17), mais do que mera lista de nomes, configura uma “história viva, história dum povo com o qual Deus caminhou e, ao fazer-Se um de nós, quis anunciar que, no seu sangue, corre a história de justos e pecadores e que a nossa salvação não é uma salvação assética, de laboratório, mas concreta, uma salvação de vida que caminha”.

E sublinhava, em 2017, o Papa que nenhuma das mulheres mencionadas na genealogia pertence à hierarquia das grandes mulheres do AT, o que permite afirmar que na genealogia de Jesus, predominantemente exposta através do lado masculino, as mulheres ali referidas “anunciam que, pelas veias de Jesus, corre sangue pagão” e “recordam histórias de marginalização e sujeição”. Por conseguinte, é bom frisar que, “em comunidades onde ainda se arrastam estilos patriarcais e machistas”, começa o Evangelho por salientar “mulheres que criaram tendência e fizeram história”. E, no meio de tudo isto, estão Jesus, Maria e José. Maria, com o seu generoso ‘sim’, permitiu que Deus cuidasse da história “deste mundo ferido”.

Por outro lado, esta longa história, de que somos uma pequena parte, “ajuda-nos a não pretender protagonismos excessivos, a fugir da tentação de espiritualismos evasivos, a não abstrair das coordenadas históricas concretas em que nos cabe viver”; e integra, na nossa história de salvação, as páginas obscuras, os momentos de desolação e abandono comparáveis ao exílio. E, entre os inúmeros momentos de desolação que hoje ferem o mundo, que o Pontífice denuncia, sobressai a pandemia, que “acirrou as consequências das desigualdades sociais”, somando-se aos problemas existentes, como “a migração forçada, a desnutrição, o analfabetismo, os conflitos, as guerras e a destruição do meio ambiente”.

Sem dúvida que o nascimento da Mãe de Deus “é a nova aurora que anunciou a alegria ao mundo inteiro”, pois “Dela nasceu o Sol de Justiça”, Cristo, nosso Deus (cf Antífona do Benedictus).

E José, homem justo, não deixou que orgulho, paixões e ciúmes o projetassem para fora desta luz. Pelo modo da narração, nós sabemos primeiro que José o que sucedeu com Maria. Porém, antes de ser ajudado pelo anjo e entender o que se passava ao seu redor, tomou decisões em que se manifestam as suas qualidades humanas. A nobreza do coração fê-lo subordinar à caridade o que aprendera com a Lei. E este mundo de violência psicológica, verbal e física contra a mulher pode aprender de José o estilo de respeito e delicadeza para que, mesmo quando não se dispõe de toda a informação, se decida pela honra, dignidade e vida de toda e cada pessoa humana, designadamente pela mulher. Com efeito, como aconteceu com José, na dúvida sobre o melhor a fazer, Deus ajuda a escolher iluminando-nos o discernimento.

Num mundo de genealogias cheias de histórias – muitas de amor, de luz e de vida; e muitas de conflitos, ofensas, sofrimento e morte – tantas mulheres, em silêncio, perseveram sozinhas e tantos homens de bem, procurando pôr de lado amarguras e rancores, tentam combinar justiça e bondade. Todas e todos precisam de saber deixar entrar a luz de Deus para que se abram caminhos de reconciliação, paz e desenvolvimento. Para tanto, urge dizer, “como Maria, ‘sim’ à história completa, e não apenas a uma parte; como José, pôr de lado paixões e orgulho; como Jesus Cristo, cuidar, assumir, abraçar esta história”, porque nela nos encontramos e nela “está aquilo que somos e o que Deus pode fazer connosco se dissermos ‘sim’ à verdade, à bondade, à reconciliação” – o que “só é possível, se enchermos com a luz do Evangelho as nossas histórias de pecado, violência e conflito”.

Reconciliar-se é efetivamente “abrir uma porta a todas e cada uma das pessoas que viveram a realidade dramática do conflito” e nunca enveredar pela execrável rota da vingança. Para tanto, “é preciso que alguns tenham a coragem de dar o primeiro passo”, na certeza de que “basta uma pessoa boa para que haja esperança” e de que essa pessoa boa pode ser cada um de nós. Não se trata de “ignorar ou dissimular as diferenças e os conflitos”, nem de “legitimar as injustiças pessoais ou estruturais”, mas de promover “um encontro entre irmãos dispostos a vencer a tentação do egoísmo e a renunciar aos intentos duma pseudojustiça” e de tirar partido “de sentimentos fortes, nobres e generosos, que levam a estabelecer uma convivência fundada sobre o respeito de cada indivíduo e dos valores próprios de cada sociedade civil”. Por isso, dizia o Papa, “a reconciliação concretiza-se e consolida-se com a contribuição de todos, permite construir o futuro e faz crescer a esperança”.

E o Santo Padre sublinhava que o texto mateano da festa da Natividade de Maria culmina chamando a Jesus o Emanuel, que significa Deus connosco. E frisava que, tal como se verifica no início deste Evangelho, assim se verifica no seu termo, pois Jesus garante aos discípulos: “Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos(Mt 28, 20). Assim, ficamos a saber que “Jesus é o Emanuel que nasce e o Emanuel que nos acompanha todos os dias, é o Deus connosco que nasce e o Deus que caminha connosco até ao fim do mundo”.

Por tudo isto, “cabe-nos dizer ‘sim’ como Maria e cantar com Ela as ‘maravilhas do Senhor’, pois, como prometeu aos nossos pais, Ele ajuda todos os povos e ajuda cada povo (…) e à sua descendência para sempre”.

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Dom Murilo S.R. Krieger, scj, Arcebispo Emérito de São Salvador da Bahia, frisa, a propósito da festa da Natividade de Maria que, seguindo uma tradição dos primeiros séculos da Igreja, celebramos a 8 de setembro, que não há, nos Evangelhos, referência alguma ao nascimento de Maria, porque o objetivo dos evangelistas era o de nos apresentar Jesus Cristo. Por isso, há referências à Virgem Maria ou a qualquer outra pessoa só quando se trata de fazer ressaltar algum facto que diga respeito ao Salvador. Não obstante, a Palavra de Deus mostra-nos, mesmo que discretamente, a presença de Maria nos momentos centrais da História da Salvação, como a encarnação, a inauguração do ministério público de Cristo, a crucifixão, o nascimento da Igreja com a vinda do Paráclito. Todavia, os Evangelhos não nos dão informações sobre a família de Maria, infância, formação, temperamento, aspeto físico…

Dados sobre o nascimento de Maria encontram-se nos “Evangelhos Apócrifos”, que não são textos inspirados, mas escritos para recolher tradições orais que circulavam entre o povo. Ao lado de poucos factos históricos, vêm muitas histórias fantasiosas e edificantes para comover os fiéis. E, para dar autoridade a tais textos, escritos a partir do segundo século da era cristã, eram divulgados como de autoria de algum apóstolo. Segundo os Evangelhos Apócrifos, Nossa Senhora teria nascido na cidade de Nazaré, na Galileia, e os pais eram Joaquim e Ana.

Não é usual a Igreja católica celebrar o dia de nascimento dos santos, mas o da sua morte – isto é, quando entraram para a glória eterna. Há, porém, três celebrações de nascimento: de Jesus Cristo (Natal); de São João Batista (ainda no ventre de Isabel, manifestou-se diante da proximidade de Maria, que esperava Jesus e que fora visitar sua parente Isabel); e o da Virgem Maria. E o nascimento desta é celebrado 9 meses após a celebração da solenidade da Imaculada Conceição (8 de dezembro). E é toda a Igreja que faz o convite, segundo escreveu São João Damasceno no século VIII:

Vinde, todas as nações, vinde, homens de todas as raças, línguas e idades, de todas as condições: com alegria celebremos a natividade da alegria! (...) Que a criação inteira se alegre, festeje e cante a natividade de uma santa mulher, porque ela gerou para o mundo um tesouro imperecível de bondade, e porque por ela o Criador mudou toda a natureza humana em um estado melhor!”.

No século XVII, no sermão da festa da Natividade, em Odivelas, no Convento de Religiosas do Patriarca São Bernardo, o Padre António Vieira perguntava:

Quereis saber quão feliz, quão alto é e quão digno de ser festejado o Nascimento de Maria?

E ele mesmo dava a resposta:

Vede para que nasceu: nasceu para que dela nascesse Deus. (…) Perguntai aos enfermos para que nasce esta celestial Menina: dir-vos-ão que nasce para Senhora da Saúde; perguntai aos pobres, dirão que nasce para Senhora dos Remédios; perguntai aos desamparados, dirão que nasce para Senhora do Amparo; perguntai aos desconsolados, dirão que nasce para Senhora da Consolação; perguntai aos tristes, dirão que nasce para Senhora dos Prazeres; perguntai aos desesperados, dirão que nasce para Senhora da Esperança. Os cegos dirão que nasce para Senhora da Luz; os discordes, para Senhora da Paz; os desencaminhados, para Senhora da Guia; os cativos, para Senhora do Livramento; os cercados, para Senhora da Vitória. Dirão os pleiteantes que nasce para Senhora do Bom Despacho; os navegantes, para Senhora da Boa Viagem; os temerosos da sua fortuna, para Senhora do Bom Sucesso; os desconfiados da vida, para Senhora da Boa Morte; os pecadores todos, para Senhora da Graça; e todos os seus devotos, para Senhora da Glória. E, se todas estas vozes se unirem em uma só voz, dirão que nasce para ser Maria e Mãe de Jesus.” (Apud Vatican News, 2020.09.08).

Na verdade, como assegura Dom Murilo, a Maria foi eleita por Deus, antes de todos os séculos, para Mãe do Messias, Mãe do Filho de Deus, Mãe do Salvador, “estrela que precede o Sol”. Com o seu nascimento, começou a concretizar-se a vinda do Emanuel. E, na festa do seu nascimento, a Igreja exorta:

“Exulte, ó Deus, a vossa Igreja (...), pois nos alegramos pelo nascimento de Maria, que foi para o mundo inteiro esperança e aurora da salvação” (cf Oração depois da Comunhão, Missa da Festa).

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Por sua vez, Dom António Couto, Bispo de Lamego, na homilia da Missa de Nossa Senhora dos Remédios, evocou estes “tempos difíceis”, com o convite a “construir santuários de tempo”:

Pressinto que os tempos que aí vêm vão ser difíceis e recomendo-vos a estar atentos e vigiar, rezai e ensinai a rezar, enchei o tempo de paz e de oração; se nos fecharem os santuários de pedra, vamos construir santuários de tempo, enchei todas as horas de Deus e de amor, e de Maria”.

Pedindo, “no dia em que todos estavam habituados a agarrar o manto de Maria”, que sigam Jesus “não de longe, mas bem de perto e ver o evangelho a acontecer”, garantiu que a nossa segurança não está na polícia, mas “na nossa intimidade, nas coisas mais fundas da nossa vida”.

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O culto na para em Maria, mas chega, por Ela, a Jesus Cristo e à Trindade Santíssima!

2020.09.09 – Louro de Carvalho

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