segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Estatuto do novo Banco de Fomento e o do seu Presidente

 

Foi publicado o Decreto-Lei n.º 63/2020, de 7 de setembro, que regula a atividade e funcionamento do Banco Português de Fomento, SA (BPF) e aprova os Estatutos. Ou melhor, o que se passa é a transformação da SPGM – Sociedade de Investimento, SA (SPGM) em BPF após a incorporação nela, por fusão, da PME Investimentos – Sociedade de Investimento, SA, e da IFD – Instituição Financeira de Desenvolvimento, SA (IFD, SA), sucede em todos os direitos e obrigações das sociedades incorporadas, não sendo necessária para a fusão e eventual aumento de capital ou transferência e alteração de património qualquer autorização das respetivas assembleia gerais, sem prejuízo da competência do BdP (Banco de Portugal), bastando ao BPF apresentar para registo comercial o decreto-lei ora publicado.

O Governo salvaguarda que não serão pagos impostos pelas transferências de património nem pela fusão, assegurando a neutralidade fiscal, “dado o relevante interesse público” que nela há.

É o BPF uma sociedade anónima de capitais detidos por entes públicos (Estado, fundos autónomos, institutos públicos, instituições de segurança social, empresas públicas, sociedades de capitais exclusivamente públicos e sociedades de economia mista com maioria de capitais públicos); qualifica-se como sociedade financeira, nos termos do RGICSF (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras); e rege-se pelo atual diploma, pelos Estatutos e, subsidiariamente, pelo RGICSF, o RJSPE (Regime Jurídico do Setor Público Empresarial), o CSC (Código das Sociedades Comerciais) e legislação aplicável.

Tem por objeto as atividades permitidas por lei às sociedades financeiras, designadamente: o conjunto de operações financeiras e a prestação de serviços conexos que, por lei, são permitidos àquelas sociedades, em particular os que visem a melhoria das condições de financiamento de entidades do setor não financeiro, de forma a impulsionar o investimento, o desenvolvimento, a inovação, a coesão territorial, a neutralidade carbónica, a economia circular, a sustentabilidade ambiental e a restruturação empresarial (incluindo: operações de crédito, concessão de garantias bancárias e outros compromissos; tomada de participações no capital de sociedades e fundos de investimento, sem a restrição do RGICSF, promovendo o lançamento de novas empresas e a recuperação e revitalização de outras; subscrição e aquisição de valores mobiliários, participação na tomada firme e em qualquer outra forma de colocação de emissões de valores mobiliários e prestação de serviços correlativos; e consultoria de empresas em matéria de estrutura de capital, de estratégia e de questões conexas, bem como consultoria e serviços no domínio da fusão e compra de empresas); a gestão do Fundo de Contragarantia Mútuo; a administração de qualquer tipo de fundos de investimento, incluindo os previstos em legislação especial, bem como de outros fundos autónomos ou de instrumentos de natureza análoga; a atuação como Agência de Crédito à Exportação, de acordo com mandato específico a atribuir pelo Estado através da DGTF (Direção-Geral do Tesouro e Finanças); a administração dos instrumentos financeiros públicos de apoio à exportação e internacionalização e dirigidos ao apoio à economia e ao estímulo e à orientação do investimento empresarial e à criação de emprego; a administração de garantias de Estado que lhe sejam atribuídas por mandato específico; e a organização, em favor de instituições de crédito e sociedades financeiras a operar no mercado, de operações de obtenção de recursos financeiros junto de outras entidades, nacionais ou estrangeiras.

Pode o BPF, nos termos previstos na legislação aplicável, exercer outras atividades além das previstas, que sejam consideradas acessórias ou complementares daquelas, nomeadamente a prestação e aquisição dos seguintes serviços: serviços técnicos de administração e gestão às suas entidades participadas; serviços de consultoria e de capacitação às suas entidades participadas; bens e serviços em nome, por conta ou em benefício das suas entidades participadas; e instituição e gestão de plataformas de cooperação de partilha de conhecimento em rede entre o BPF e as suas participadas.

A missão do BPF é feita através de carta de missão constante de contrato-programa a celebrar entre o Estado, representado pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da economia, dos negócios estrangeiros e das finanças, e o BPF.

O capital social do BPF é fixado em € 214 079 661,00 e distribuído assim: Estado Português, representado pela DGTF, com participação correspondente a € 100 476 565,02; IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, IP (IAPMEI, IP), com participação correspondente a € 102 238 087,76; Instituto do Turismo de Portugal, IP (Turismo de Portugal, IP), com participação correspondente a € 10 769 192,38; e AICEP – Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, EPE (AICEP, EPE), com participação correspondente a € 595 815,84.

É aumentado o capital social do BPF de € 214 079 661,00 para € 255 000 000,00, da seguinte forma: pela entrada em espécie, mediante a transmissão para o BPF das participações sociais detidas pelo Estado, representado pela DGTF, pelo IAPMEI, pelo Turismo de Portugal, IP, e pela AICEP, EPE., na Portugal Capital Ventures – Sociedade de Capital de Risco, SA, correspondentes a, respetivamente, 10,33 %, 37,97 %, 7,62 % e 19,41 % do respetivo capital social; e pela entrada em espécie, mediante a transmissão para o BPF da participação social detida pelo Turismo de Portugal, IP, na TF Turismo Fundos – SGFII, SA, correspondentes a 53,20 % do respetivo capital social.

Nestes termos, o capital social do BPF passa a ascender a € 255 000 000,00 (tendo ativos totais de 950 milhões, sendo que não vai receber quaisquer depósitos de clientes particulares), representado por 255 000 000 ações nominativas e escriturais com o valor nominal de € 1,00 cada uma, detido pelos acionistas do BPF na seguinte proporção: o Estado Português, representado pela DGTF, com participação correspondente a 41,285 % do capital social, representada por 105 278 919 ações; o IAPMEI, IP, com uma participação correspondente a 47,015 % do capital social, representada por 119 890 110 ações; o Turismo de Portugal, IP, com participação correspondente a 7,93 % do capital social, representada por 20 211 564 ações; e a AICEP, EPE, com participação correspondente a 3,77 % do capital social, representada por 9 619 407 ações. As ações representativas do capital social do BPF apenas podem ter como titulares entes públicos na aceção acima especificada.

O BPF encontra-se sujeito à supervisão do BdP nos termos previstos no RGICSF, demais legislação e regulamentação aplicáveis às sociedades financeiras, nomeadamente no atinente às regras de governo societário e controlo interno, bem como ao Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria. Está sujeito ao controlo regular da Inspeção-Geral de Finanças e do Tribunal de Contas, nos termos da lei e no âmbito das respetivas competências. Obedece aos procedimentos de gestão, controlo e auditoria previstos nas regras de aplicação dos fundos europeus estruturais e de investimento. E terá regularmente avaliadas as políticas definidas para a sua atuação, pelo menos uma vez por ano, com o objetivo de identificar falhas de mercado no financiamento das empresas de cariz não financeiro viáveis.

A designação dos órgãos sociais do BPF é feita por eleição, em assembleia geral, nos termos do CSC e demais legislação aplicável, sendo que as regras legais aplicáveis às sociedades financeiras se aplicam a recrutamento, seleção e avaliação dos membros do seu órgão de administração, especificamente no respeitante a requisitos de adequação previstos no RGICSF, bem como as normas legais aplicáveis aos gestores públicos, em especial as previstas no Estatuto do Gestor Público (EGP).

Os membros do órgão de administração e fiscalização respeitam as regras legais aplicáveis em matéria de conflito de interesses e de divulgação de participações e interesses patrimoniais.

As remunerações dos membros do órgão de administração do BPF, a fixar de acordo com o previsto nos Estatutos, são fixadas nos termos previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2012, de 14 de fevereiro, na sua redação atual, no EGP e no RGICSF.

Os membros do órgão de administração do BPF podem exercer o direito de opção ao abrigo do n.º 9 do artigo 28.º do EGP, sendo, para o efeito, o BPF classificado como de grupo A.

Os trabalhadores do BPF estão sujeitos ao regime jurídico do contrato individual de trabalho, exigindo-se-lhes que adiram às melhores práticas em transparência e responsabilidade e que se pautem pela obtenção de resultados sustentáveis e duradouros. Porém, os trabalhadores das entidades que passam a pertencer a este banco ficam com todos os direitos, como a antiguidade.

Administradores e trabalhadores do BPF observaram os deveres de lealdade, confidencialidade, sigilo e responsabilidade profissional no exercício das respetivas funções.

Segundo os estatutos, a nova entidade terá um conselho de administração composto por um mínimo de sete e um máximo de 11 membros. Mas o Governo, que ainda não anunciou as escolhas, refere que, até à conclusão do procedimento tendente à autorização para o exercício do cargo dos novos titulares dos órgãos sociais do BPF, em obediência das regras legais previstas, permanece em vigor o modelo de governação do BPF, anteriormente designado SPGM, bem como permanecem em função os titulares dos respetivos órgãos sociais.

Entretanto, é criado o conselho consultivo do BPF, composto por um mínimo de 10 e um máximo de 20 representantes de stakeholders relevantes para a atividade do BPF devidamente qualificados e independentes e por outros membros de reconhecido mérito científico e técnico, a serem designados pelo membro do Governo responsáveis pelas áreas da economia e das finanças nos termos dos estatutos aprovados em anexo.

O conselho de administração apresentará à assembleia geral o plano de negócios referente ao primeiro ano de atividade até ao primeiro trimestre de 2021.

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A este respeito, refere o Expresso online deste dia 7 de setembro que o BPF ficará sob o estatuto de gestor público, que põe balizas aos salários da administração, o que não é exato.

O banco fica abrangido pelo RGICSF, pelo RJSPE e pelo CSC, não podendo receber depósitos, nos termos estatutários e não pagando impostos pela transferência de património. Quem fica abrangido pelo EGP são os administradores e, em especial, o Presidente, que ganhará menos do que o que é pago nos bancos comerciais.

O decreto-lei colocou amarras aos salários da gestão do banco – as mesmas de que tirou os gestores da Caixa Geral de Depósitos (CGD) em 2016. O presidente do BPF ficará limitado à remuneração do Primeiro-Ministro (5.436,6 euros), a menos que opte pelo salário do lugar de origem ou beneficie de autorização do Ministro das Finanças. E a restante administração também estará limitada nos vencimentos a auferir. Neste regime, há três níveis de classificações de empresas para definir o salário dos gestores das empresas públicas. E a decisão do Executivo é de que o presidente do banco estará integrado no principal grupo – poderá, por isso, receber 100% do vencimento do Primeiro-Ministro. E é a partir daí que se definem as remunerações dos restantes membros da administração.

Porém, os líderes da nova instituição financeira, criada para cobrir necessidades que não são respondidas pela banca tradicional, poderão exercer o direito de opção pela remuneração do seu lugar de origem, com as mesmas regalias e benefícios remuneratórios que aí tinham, ou podem obter a autorização expressa do Ministro das Finanças para auferirem remunerações melhores.

Estas são limitações impostas pelo Estatuto do Gestor Público, no qual o Executivo de Costa decidiu colocar o banco. Foi deste regime que o anterior Governo, também de Costa, optou por tirar a CGD, para permitir a contratação de António Domingues e a capitalização do banco público (e que acabou depois por gerar polémica – e a própria demissão – por conta da obrigatoriedade da entrega de declarações de rendimento e de património). O Governo decidiu retirar a CGD destas amarras por considerar que seria difícil recrutar talento para a administração sem melhores vencimentos (por comparação com o que se paga na banca privada).

Assim, com os limites impostos pelo Governo, o presidente do BPF poderá ganhar o mesmo que o Primeiro-Ministro, mas menos que os restantes banqueiros (por exemplo, Paulo Macedo, da CGD, ganha 30 mil euros mensais).

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É certo que o BPF é criado em circunstâncias de crise. Porém, devia aplicar-se aos seus gestores a lógica que rege a remuneração dos gestores a CGD, nos termos do DL n.º 39/2016, de 28 de julho, a quem, segundo esse diploma, não se aplica o EGP, mas que Marcelo interpretou como não os dispensando das obrigações declarativas de rendimentos, interesses e património.  

Quanto ao diploma ora publicado, o Presidente apenas referiu:

Tendo em atenção que a Comissão Europeia emitiu parecer quanto ao capital social da instituição e à finalidade de financiamento alternativo ao recurso ao setor privado, e partindo do princípio de que tal assentimento acaba por cobrir o essencial da substância do presente diploma, o Presidente da República promulgou o diploma do Governo que regula a atividade e funcionamento do Banco Português de Fomento, SA, e aprova os respetivos estatutos”.

De resto, mantém-se a “crescente complexidade e interligação das instituições e dos mercados financeiros”, como a necessidade de “salvaguardar interesses públicos tão relevantes como a segurança e a solidez das instituições de crédito e a estabilidade do sistema financeiro e (…) e de “assegurar o financiamento e o crescimento da economia e do emprego(vd DL n.º 39/2016).

Em alternativa e pela crise, era de mobilizar os gestores de toda a banca para a renúncia aos seus ordenados chorudos e prémios de gestão. Falta vontade financeira e política ou a solidariedade fica no papel? Ou este banco não merece gestores bem remunerados, já que não vai faturar?

O banco está sujeito ao regime da banca, mas os administradores são gestores púbicos. Hein?!

2020.09.07 – Louro de Carvalho

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