No decurso das jornadas parlamentares de trabalho
do PS no Centro Cultural de Belém, o secretário-geral sublinhou, neste dia 22 de setembro, que o Governo
recupera o lema “emprego, emprego,
emprego” como a base de todo o investimento nos próximos dez anos, com os
fundos da União Europeia (UE), avisando
que não pode haver “hesitações”.
Na apresentação do plano de recuperação económica e de resiliência àquelas jornadas de
reflexão, formação e trabalho, António Costa, já formalmente desligado da
comissão de honra da candidatura de Luís Filipe Vieira à presidência do Benfica, deixou aos
deputados do grupo parlamentar do seu partido, mas também às outras forças
políticas, uma série de recados a ter em conta na conceção e desenvolvimento do
programa de recuperação económica até 2030, que será entregue em esboço, a 14 de
outubro, a Bruxelas. E, vincando que o país não aguenta andar enredado em dúvidas
sobre a estratégia de aplicação das verbas que virão da UE para ajudar a mudar
o país e a sair da crise económica e social desencadeada pela pandemia, o líder
do PS preconiza medidas que tenham um efeito imediato na economia e um efeito
estruturante no futuro – uma sentença de leitura difícil, mas de absoluta necessidade.
Na verdade,
não se pode cair na veleidade dum antigo Secretário de Estado, cujo nome me
dispenso de referir, que propalava diante de quem o ouvia ter alterado a
arquitetura do sistema, mas sem ter mexido na estrutura. Difícil, a não ser que,
para si, o conceito de arquitetura se circunscrevesse à decoração de interiores
ou o conceito de estrutura fosse demasiado restrito.
Porém, penso
que as medidas do plano de recuperação, para veicularem resiliência, não podem
limitar-se a captar fundos para apagar fogos ou a regar os legumes neste
momento, mas criar já mecanismos estruturantes que respaldem a validade do
ataque às necessidades imediatas. Assim, embora o emprego seja um desígnio de
qualquer governo que se preze, não pode basear-se numa oferta meramente
conjuntural, não pode ser precário nem construído com base na compensação
expressa em salários de miséria. O salário tem de ser bastante para o
trabalhador poder arcar com as suas responsabilidades com a habitação, alimentação,
vestuário e outros bens hoje considerados essenciais, bem como a acumulação dum
pequeno pecúlio para obviar a imprevistos na vida. E, se isso não puder ser
conseguido exclusivamente à custa do trabalho, caberá ao Estado intervir socialmente
em tudo o que seja necessário, por exemplo no controlo do custo da aquisição de
casa ou no mercado do arrendamento, bem como nos transportes e aquisição de
veículos. Para tanto, sem impedir a habitação de luxo pela via da aquisição própria
de casa ou pelo arrendamento, há que dotar o país dum lastro de habitação social
para que os trabalhadores, mesmo deslocados, possam, com a remuneração pelo seu
trabalho, custear as despesas fixas e flutuantes que têm a seu encargo.
A captação dos
fundos europeus, disponibilizada pelas autoridades europeias, está hoje sob
apertado escrutínio, porque a perceção do que se passou com os fundos captáveis
até ao momento mostra que esses esbarraram com uma forte incapacidade de execução
física e financeira de muitos dos projetos por falha da comparticipação nacional
em obra pública ou pela falha da comparticipação por parte do dono de obra particular,
pelo excessivo peso da burocracia e pela má aplicação das verbas
disponibilizadas. Por outro lado, salienta-se que as reformas estruturais no
Estado e nas empresas e serviços foram, no geral, adiadas para as calendas
gregas – o que tem sucedido com os diferentes governos, com o PS bem incluído.
É verdade
que não se pode deixar alguém à fome, na nudez ou ao relento até que se implementem
projetos e mecanismos de base estrutural e estruturante. Não obstante, o
Governo, as empresas e os serviços não podem continuar a seguir no regime de navegação
à vista ou a limitar-se a viver um dia a seguir ao outro. Há que mexer nas
estruturas.
Entretanto,
o Primeiro-Ministro (António Costa nunca pode esquecer-se que é o Primeiro-Ministro) apelou:
“Temos de ter absoluta confiança naquilo que vamos fazer. A pior coisa
que nos podia acontecer era iniciarmos este ciclo na situação tão crítica em
que estamos e darmo-nos ao luxo de passar os próximos dez anos a hesitar e a
ter dúvidas.”.
Costa
lembrou que este programa, pela sua natureza excecional e “desejavelmente
irrepetível” – que terá de ser executado até 2026 – “tem de ter a absoluta
confiança” dos cidadãos e foi assim que justificou a escolha de Costa Silva
para o desenhar, um empresário de provas dadas, e frisou que é um programa que
será executado não só nesta legislatura, mas ainda em duas outras, nas quais
poderão estar no poder outras forças políticas e outros governos. Assim, exemplificou:
“Se quisermos fazer nos próximos dez anos aquilo que fizemos nos últimos
50 anos a propósito do aeroporto de Lisboa, teremos gasto muito dinheiro em
muitos estudos e não teremos feito nada de efetivamente concreto que altere a
realidade do país. Não podemos perder tempo.”.
Fez ainda
apelo à “urgência” na resposta à crise social e económica, pois “não podemos
perder tempo”, e recordou os milhares de postos de trabalho perdidos e a perder
e a quebra de rendimentos para muitas famílias. E da finalidade e índole do programa
disse:
“É um programa extraordinário para responder à crise económica que
estamos a viver e sabemos que é um recurso que não é repetível. Temos de
escolher projetos que possam ter um efeito económico imediato, na recuperação e
manutenção do emprego e que possam ter um efeito estruturante no futuro, que
não sejam medidas recorrentes que podemos financiar por outras vias.”.
E indo à
fonte e génese do programa, António Costa destacou os três blocos essenciais de
intervenção: as vulnerabilidades sociais, que se tornaram transparentes com a
pandemia; o aumento do potencial produtivo; e a competitividade e resiliência
do território.
Nas vulnerabilidades sociais será dada prioridade ao SNS (Serviço Nacional de Saúde), em particular com o reforço da rede de cuidados integrados e de
cuidados primários; a habitação, sobretudo para as Áreas Metropolitanas de
Lisboa e Porto, onde se concentrou o maior número de casos de covid-19; e novas
respostas sociais, em muito vocacionadas para os mais velhos, com a
requalificação dos lares, entre outras, como a garantia de respostas para as vítimas de violência doméstica e do
acolhimento dos imigrantes. E vincou:
“Queremos chegar aos 50 anos do 25 de Abril e assegurar que há habitação
para as 26 mil famílias que vivem em condições indignas”.
Para reforçar o potencial produtivo, o líder do PS elegeu como
prioridades o investimento nas qualificações e o apoio às empresas para a inovação, com especial foco na
capacidade do país de produzir mais produtos de valor acrescentado, o
que deverá ser casado com todo o conhecimento científico produzido no País, “em
vez de andarmos à procura de uma nova Autoeuropa” (crítica ao
texto de Henrique Neto numa das edições do ECO). E, no atinente à coesão territorial, a aposta será
num plano de investimento no interior e unidades industriais do Norte.
O terceiro eixo do programa é o da aceleração da transição climática e
digital. Assim, no âmbito do
investimento na melhoria das condições climáticas nacionais, António Costa
destacou a mobilidade sustentável, a descarbonização da indústria e os
biorresíduos. Já sobre a aposta na área digital, todas as fichas vão para a
escola, com total acesso à rede, os equipamentos e a formação dos docentes, tal
como será incorporada nos programas letivos a aprendizagem das linguagens
digitais. Aposta-se nas empresas e sua capacitação digital e formação dos recursos
humanos, pois, embora “muitas das tarefas venham a ser desempenhadas pelos
robôs, é preciso dar formação aos humanos para comandarem esses robôs de modo
que “ninguém fique para trás”. E Costa destacou ainda o investimento na Função
Pública, sobretudo em três áreas: saúde, segurança social e sistema de justiça.
Mais disse
que o plano “tem de investir nas empresas e nas pessoas”, pelo que “precisa de
um Estado mais robusto e mais eficiente”, esperando que a UE aprove rapidamente
as verbas e os programas para começarem a executar-se, pois não se pode
esquecer que teremos disponíveis verbas que são mais do dobro do que em média
executávamos por ano em fundos comunitários, que eram da ordem dos 3,3 mil
milhões de euros e passam a 6,4 mil milhões: “é uma enorme oportunidade, mas é
uma gigante responsabilidade” para o Governo, mas que “tem de mobilizar a todos”,
pois o desígnio é “vencer a crise e deixar um país melhor do que de fevereiro
de 2020 quando esta crise nos atingiu”. Por isso, atirou um apelo:
“Não caiamos nesse debate absurdo de
saber se este plano deve investir no Estado ou nas empresas. Este plano tem de
investir nas pessoas, nas empresas e, para servir melhor as empresas e as
pessoas, precisa de um Estado mais robusto e mais eficiente.”.
Enfim,
segundo António Costa, o país
não pode desperdiçar este programa de recuperação económica e os fundos
comunitários nele previstos sob pena de perder uma oportunidade determinante
para relançar e reformar o país.
***
Obviamente
o Primeiro-Ministro tem razão na toada discursiva que tece. Porém, não pode
fugir a algumas questões que é legítimo levantarem-se-lhe. Assim, como pode
querer introduzir a digitalização na escola e na formação de docentes se tarda
em disponibilizar o material suficiente e uma banda larga consentânea de
internet? Como pode melhorar a ferrovia portuguesa insistindo na bitola
ibérica? Como quer um TGV em bitola ibérica e só a ligar Lisboa-Porto e não às
linhas europeias por Espanha? Como quer um efeito estruturante no futuro persistindo
na construção do novo aeroporto de Lisboa no Montijo, congestionável a curto
prazo, e não em Alcochete?
E,
sobretudo, como quer mobilizar a confiança de todos se não preconiza um
mecanismo sólido de prevenção e combate à corrupção e uma reforma ousada do
sistema judiciário, se contemporiza com uma rede de cuidados primários de saúde
paralisada, se apresenta um megagoverno enxameado de assessores, se não trava a
promiscuidade entre a governança e as empresas, nomeadamente a banca, se aceita
a fidelidade à Europa para fundir bancos, ser complacente com gestões ruinosas
dum Novo Banco e não ter escrúpulos em mobilizar o dinheiro dos contribuintes
em prol da banca, se aceita que as reestruturações se reduzam a despedimentos e
fecho de instalações? Como pode concitar credibilidade se mantém a
promiscuidade entre o mundo da política e o do futebol, aceita fazer parte da
comissão de honra duma recandidatura de presidente desportivo grande devedor ao
Novo Banco, suspeito em processo judicial e não se preocupando com o
envolvimento dele em processos judiciais? Com pode pedir imparcialidade, reserva
e equidistância aos seus ministros em relação a eleições presidenciais se ele próprio
se antecipou a pré-lançar e apoiar a recandidatura do atual presidente, o
presidente da autossuficiência, comentário, intromissão e política-espetáculo?
Enfim,
pede-se confiança e mobilização de todos, mas deve apresentar-se credibilidade
e imparcialidade, boa política e rigor ético, não?!
2020.09.22 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário